O som do vento trazia consigo um sussurro antigo, algo entre o lamento e o aviso.Uma poeira densa, vermelha como a ferrugem do tempo, cobria toda a visão. No meio do véu ofuscante, ecoa uma voz, grave e ferida:
- ???: "Vocês... já não basta o que fizeram...? Dizimaram tudo ao redor... com uma batalha que nem sequer faz sentido..."
A poeira, como uma cortina que se desfaz, começa a baixar. O chão revela fragmentos de ossos partidos, o céu obscurecido pelo peso de algo que ainda não foi dito.
Agravaine, seu olhar carregado de desprezo e exaustão, observa a figura à frente.A lâmina em sua mão treme levemente, não de medo, mas de reconhecimento.
- Agravaine: "Você... é só outro traidor, Bedivere..." - Disse, cerrando os dentes.
A luz revela o rosto de Malcon Bedivere.
Sua expressão é como mármore, rígida, resignada, mas com algo insondável por trás.Ele segura com as mãos nuas as lâminas conjuntas de Midoki e Agravaine. Nenhuma gota de sangue escorre. A pele não cede. A força em seu âmago é maior do que a dor física.
Midoki, ao vê-lo, sente um soco no peito. O corpo age antes da mente, corre em sua direção.
- Midoki (emocionado): "Bedivere...? É você mesmo? Eu... eu achei que..."
Mas antes que o abraço alcance seu destino, Bedivere o repele com um chute seco, preciso. Midoki voa alguns metros, rolando pelo chão até parar ajoelhado, sem compreender.
- Midoki (com a voz trêmula): "Por quê...?"
Bedivere, encarando-o de cima como se observasse algo distante, responde com frieza:
- Bedivere: "Esqueceu? Nós não somos companheiros, Midoki Lior... ou melhor dizendo... Midoki Baltazar."
O nome paira no ar como uma lâmina esquecida. Midoki, pasmo, murmura para si mesmo:
- Midoki (pensamento): "Então... esse é o sobrenome deste corpo... Baltazar...? Por que...?"
Agravaine recua um passo, analisando a tensão que se forma entre os dois homens. Em sua expressão, um misto de desdém e impaciência.
- Agravaine (em tom entediado): "Então... se não há mais nada a fazer aqui, eu já vou indo."
Mas Bedivere o interrompe, a voz firme como aço frio:
- Bedivere: "Você sabe que o Arthur enlouqueceu... e quando ele despertar por completo... ele vai dizimar tudo, não é?"
Agravaine sorri de canto, um sorriso cansado de quem já aceitou a própria ruína.
- Agravaine: "Desde que meu povo continue recebendo a paz que merece... pouco me importa o que aconteça com o resto do mundo."
E sem mais palavras, ele salta, sumindo pelo horizonte árido do Vale dos Ossos.
O silêncio que se segue é tenso. Bedivere ainda não olha para Midoki.Apenas observa as próprias mãos, como se tentasse encontrar nelas alguma resposta.
- Bedivere: "Você é estranho mesmo... Midoki... como conseguiu sobreviver contra o Agravaine por dois anos seguidos?"
Midoki arregala os olhos. Aquilo o pega desprevenido.
- Midoki (pensamento): "Dois... anos? Este corpo... mesmo fraco, sem controle total da criação ou destruição... resistiu por dois anos consecutivos? Como isso é possível...? Há algo que eu ainda não entendi sobre ele... se bem que, Agravaine ficou surpreso ao me ver, será que esse corpo perdeu a luta?"
Bedivere se vira, enfim encarando Midoki diretamente. Há uma sombra de mágoa e desconfiança em seu olhar, mas também um fragmento de esperança enterrada.
- Bedivere: "Eu nunca pensei que lutaríamos no mesmo lado outra vez... mas isso não significa que eu tenha te perdoado. Não só pelo seu nome falso... mas por dizer que não éramos companheiros."
Midoki abaixa os olhos por um instante, envergonhado.Mas a dúvida ainda permanece.
- Midoki (hesitante): "Você... está lutando ao lado de Melyadus agora...? E o Arthur...?"
Bedivere suspira. O peso da memória o faz curvar os ombros, como quem carrega o fardo de mil traições.
- Bedivere: "Você não se lembra...? Quando eu e Merlin percebemos o que estava acontecendo, já era tarde demais. Arthur começou a mudar. E então, naquele dia..."
Bedivere fecha os olhos, como se revivesse a cena.
- Bedivere: "Naquele dia em que o demônio foi decapitado diante das muralhas de Lyoness... você se juntou a Camelot. E no dia seguinte, eu e Merlin te avisamos. Você olhou para nós e disse que nunca nos havia visto. Dias depois... nos entregou ao Arthur."
A dor é visível na fala.Midoki engole seco, e sua voz sai como um sussurro partido.
- Midoki: "Eu não sei se deveria te dizer isso... mas até agora... não contei a ninguém. Bedivere, acho que... meu espírito se reencarnou no futuro. E agora... consigo voltar ao passado através dos Fragmentos do Caos. Eu..." - Ele hesita. A confusão o atravessa como uma flecha.
- Midoki (trêmulo): "E também... também não tenho todas as lembranças. Não sei quem fui. Mas eu me lembro do dia em que nos conhecemos. Você estava voltando a cavalo... para resolver algo em Lyoness. Você e Merlin me acolheram. Nós comemos, bebemos juntos... e você me contou suas histórias."
Bedivere aperta os olhos. O silêncio é denso — até que ele rompe, com voz baixa:
- Bedivere: "Já chega. Eu entendi. Eu... não consigo acreditar em nada do que você diz. Mas por algum motivo que me escapa... eu sinto que é verdade."
Ele respira fundo.
- Bedivere: "Então, eu vou confiar em você."
Midoki não consegue segurar a emoção. Uma lágrima única escorre pelo canto do olho direito, e ele a cobre com o braço. Não é vergonha, é memória do que foi esquecido.
Bedivere, fingindo não notar, vira-se para a trilha de pedras negras atrás de si.
- Bedivere: "Vamos. Devemos impedir o Arthur. Mas pra isso, precisaremos que Lancelot, Agravaine e Tristão mudem de lado... principalmente Tristão. Ele está com o Necronomicon. O segredo para selar o Caos."
- Midoki: "Espera... segredo para selar o Caos?"
Bedivere não responde, mas o silêncio dele é resposta suficiente. Midoki sente o ar ficando mais pesado ao redor.
- Midoki (pensamento): "Se isso for verdade... então o que Lúcifer está buscando ao recuperar o Necronomicon no futuro é..."
Bedivere continua, retomando o foco.
- Bedivere: "Está na hora de voltarmos até Merlin. Precisamos planejar tudo e partir para Vhastorg ao amanhecer."
- Midoki: "Se o Necronomicon está com Tristão... o que aconteceu com Melyadus? Ele não estava com o Grimório?"
- Bedivere: "Eu não sei exatamente. Mas Tristão... é filho de Melyadus. Se quiser respostas, vai ter que perguntar diretamente a ele."
Midoki observa o céu noturno que começa a abrir entre as nuvens escuras.Uma estrela brilha sozinha no firmamento. Um presságio ou um lembrete, de que mesmo em meio ao caos, algo antigo ainda persiste.