Localização; Avalon - Calabouço do palácio de Avalon
Baltazar
No entanto, aquela cidade era estranha, não parecia Montes Claros, estava distante de ser. E Baltazar começou a notar quando eles já haviam adentrado, suas lembranças do passado, mensageira e preocupação com Maeve se dissiparam em segundos. Ele parou de se importar com o fato de ser conhecido pelas pessoas que ainda estavam ali.
A aura do local ficou estranha em instantes, o céu em crepúsculo ficou carregado de nuvens escuras e pesadas e as pessoas começaram a oferecer uma atenção estranha a eles. Menel segurou forte em Baltazar ao ponto de encravar as unhas na pele do pai. Quando viu a cidade pela primeira vez já sentiu medo, medo de ter que interagir com as pessoas e vergonha delas.
Agora que estava mais macabra seu medo se intensificou e ele queria voltar para casa e retirar as palavras que dizia ao seu pai quando pedia para sair da Vila Pequena.
Baltazar podia sentir o coração de Menel bater apenas por ele estar com sua mão em seu braço magricela. Ele queria tranquilizá-lo, mas fez o mais lógico, pôs os dedos sobre os olhos de Menel e puxou-o para escondê-lo em seu peito.
Lira gritou e se encolheu em uma bola, graças aos deuses ela foi esperta o suficiente para entender a situação e se proteger.
Baltazar também tinhaos olhos pregados, não enxergando nada além da escuridão, por ter a visão comprometida seus sentidos estavam em alerta, e um cheiro começou a surgir, um fedor de carne queimada junto com queijo estragado, eraforte e opressor e ele franziu os olhos enquanto imaginava de onde vinha o maldito cheiro.
Risadinhas se seguiam, se aproximando até eles, de repente uma mão gelada, magra e pesada tocou em seu ombro e ele se remexeu em desconforto, sentindo ao mesmo tempo o corpo de Menel tremer sobre o seu. Ele o apertou.
— Não olhem!
— Porque não?
A fala era feminina, mas longe de ser humana. serafina, sinistra, parecendo um grito. Baltazar sentiu um frio em sua espinha enquanto o choro de Lira se tornava mais alto.
— Como você está, meu bem? — ela não respondeu a sua pergunta e isso o causou tanto pânico que repetiu — Lira?
— P-pai.
Sua voz embargada cortava o coração de Baltazar, e ela agarrou nos joelhos dele como se sua vida dependesse disso.
A mandíbula do homem trincou quando o fantasma começou a raspar suas unhas em sua nuca e encravar as mesmas em sua pele, como Menel fez mais cedo.
— Olhem em nossos olhos, por favor.
— Precisam olhar!
— Deixem!
Menel começou a afrouxar o aperto no pai, e parecia querer ceder por um momento, mas logo tremeu quando Baltazar gritou.
— Menel, não se mexa!
O pai tampou os ouvidos do filho, sabendo que os fantasmas além de perigosos eram irresistíveis, mentiam com facilidade e manipulavam quando eram ouvidos, matando suas vítimas, dilacerando suas almas e tomando seus corpos. Baltazar não compreendia porque havia tantos fantasmas em Calisto, ou a origem deles, não sabia se eramagia negra que fizeram antigamente e se apossou pelas terras ou feitiços de bruxos negros, mas depois de Arcádia esse eraum dos reinos mais macabros.
Por isso ele escondeu o rosto de seu menino no peito e pediu a alma perversa.
— Por favor, nos deixe ir embora.
Um silêncio se estendeu como se aquelas coisas estivessem incrédulas com seu pedido, até ele estava, mas se encontrava sem saída.
Após um momento, uma alma brincou.
— ouviram ele. Ele quer sair
As risadas cresceram, reverberam, parecia que havia mais de trinta almas rodeando eles. Dava para ouvir os sussurros, gemidos, soluços, tudo misturado parecia não haver saída, e Baltazar se sentia encurralado com o barulho que tomou conta da cidade.
Em seus ouvidos ele ouvia.
— Deixe-me devora-lo? Sua alma parece deliciosa, cheia de sofrimento.
Ele rangeu os dentes.
— Vamos nem vai doer, talvez um pouquinho.
— Ou talvez eles?
Lira gritou e Baltazar abaixou para tocar em sua cabeça, se deparando com outra mão fria em sua menina, sem pensar ele afastou a mão imunda com um empurrão e arrastou Lira para ele como estava com Menel, seu corpo balançava com as duas crianças tremendo em sua braços, e Baltazar se culpou tanto, ele não aguentava mais aquele sentimento em sua vida.
— Dê às suas crianças.
— Nunca!
— Vamos ver até quando ficarão com os olhos fechados, é curiosidade demais.
Foi aí que Baltazar pensou e soltou um grito.
— Fedor!
O burro conhecia seu nome e seu dono, por isso respondeu com um relincho que foi calado tão rápido que Baltazar só teve tempo de sentir seu peito contorcer.
Fedor não tinhaconsciência para saber que seu dono estava em perigo quando chegaram na cidade, ele parou perto de uns matos e começou a devorar o capim, Baltazar viu de relance mais cedo e quando pensou que as almas só se contentariam quando matassem alguém pensou em seu estimado burro, se tivesse outra opção ele com certeza faria outra escolha, mas ele não tinha, não podia se matar e deixar as crianças morrerem depois, eles precisavam de sua proteção e não podiam morrer, mas alguém tinha, pobre Fedor que gemia enquanto tinhaseu corpo dilacerado junto com sua alma, se é que tinhaalguma.
Com a atenção daqueles espíritos no animal, Baltazar falou baixo.
— Corram olhando pro chão.
E correram até perderem o fôlego, por meia hora. A aquela altura a rua estava vazia e escura, os espíritos ficaram para trás, e as casas pareciam abonadas e sem ninguém à vista. Baltazar queria voltar para onde veio, sair desse maldito lugar, mas não poderia voltar onde os espíritos estavam, eles esperavam por eles concerteza. O que restava era aguardar até o amanhecer.
Durante o dia, o mal não tomava sol pois a luz não faz bem para aqueles que são da escuridão. erao que Baltazar ouvia, então pensou em encontrar uma casa vazia e pernoitar por lá, não tinha tantas opções, mas sabia que boa parte dos espíritos deveriam ficar na entrada esperando mais vítimas.
O silêncio das crianças durou por um bom tempo, mas quando Baltazar começou a bater na porta à procura de alguém que o atendesse eles não queriam permanecer mais calados.
—- Que lugar é esse? O que aconteceu com Fedor? Porque essas coisas existem e porque o senhor está tentando entrar nessa casa?
Lira perguntava enquanto Baltazar abria a porta de madeira com facilidade. Ela tinha os olhos vermelhos, rugas embaixo deles, mesmo tão nova.
— Entre logo, explicarei quando me sentir seguro.
— Como se sente seguro aqui?
— Menel, vem!
Menel bocejou, ele estava lento e parecia querer se deitar em qualquer lugar, então quando seu pai o chamou não tinha forças para protestar. Por mais que sua cama pudesse ser assustadora e desconfortável. Menel foi até onde o Baltazar estava e entrou com ele, o frio na espinha era impossível de não sentir, mas ele sabia que era melhor ficar em casa escondido do que a vista pelo lado de fora.
Para não ficar sozinha, Lira ficou no calcanhar deles e fechou a porta com um baque que soltou poeira e reverberou pelo edifício todo, ela não queria ser deixada por último, então Baltazar segurou sua mão.
— Aqui não tem espíritos, eles já teriam atendido por curiosidade se tivessem.
— Como sabe tanto?
— Lira, quando se tem muitos anos de vida, você ouve muitas histórias. Menel, deite-se.
Baltazar jogou a trouxa de roupa deles no chão e deixou Menel se aconchegar no piso frio e duro, o cobrindo com um cobertor rasgado e fino.
Lira ficou em pé por um tempo enquanto o irmão pegava no sono e Baltazar tirava seus itens valiosos de sua capanga, o homem os pôs em certos lugares da casa, nas mais necessárias.
O edifício tinha duas áreas, cozinha e sala, e duas entradas, a da porta da frente e uma janela coberta por um pano, Lira sempre deixava seu olhar vagar por ali. Onde o vento fresco batia e dava uma pequena visão do que se passava pela janela.
Para tranquilizá-la, Baltazar colocou seu manto em cima do pano para proteger ainda mais a visão de Lira pro lado de fora e a dos espíritos pro lado de dentro, e assim a escuridão do tecido tomou conta ainda mais da casa.
— Para que isso?
— Para não ficar olhando a noite toda e não conseguir dormir.
Baltazar foi até ela e tirou de seu dedo um anel que nunca saiu de seu dedo tão facilmente como agora, Lira seguiu o olhar, ela sempre teve curiosidade sobre aquela joia de pedra roxa e refinada que via o pai sempre usando. Quando era mais nova já havia pedido inconsequentemente algumas vezes, e sempre recebia a mesma resposta, não. Com o tempo ela entendeu que era um objeto valioso para o pai e que não deveria tomar.
— Fique com ele por essa noite?
— Porque?
— Para te proteger. — era uma resposta vaga e precisa.
Lira balançou a cabeça sem entender.
— Um anel vai me proteger?
Ele abriu um sorriso.
— Não é qualquer anel. Se deite também, pode abraçar Menel se sentir medo.
— Eca, é mais fácil ele me abraçar. — ela repudiou a ideia. — e o senhor?
— Ficarei de guarda na porta, alguém precisa estar na ativa.
— Mas é preciso descansar!
— Você precisa!
Lira queria retrucar, mas Baltazar se virou, sinalizando que a conversa já havia terminado entre eles, então ela apertou o anel fortemente e não fez mais perguntas como de costume, talvez fosse o cansaço da viagem, do que acontecia ou talvez até dos segredos do pai.
No entanto, de onde estava Baltazar esperava que em outro momento ela viesse atrás de novas respostas.
A menina colocou a joia grande no dedo polegar, era o único que cabia e se deitou ao lado do irmão. Tremendo de medo. Por mais que dissesse que não iria abraçá-lo, agarrou o mais pequeno pela cintura e fez como se estivessem em um casulo. Usando seu corpo para protegê-lo de qualquer mal que vinhesse, os lábios do pai se curvaram e após ficar algum tempo admirando se sentou na porta trancada pelo seu peso, um punhal estava na sua cintura, e um livro nas mãos, durante a noite ele se perdeu no conteúdo das folhas.