Antártica - 15:10PM
Depois da reza, João respirava fundo enquanto afirmava suas mãos na sua bengala de madeira rústica, com um olhar calmo e sereno enquanto olhava o caos se espalhar pro lado de Enoch.
João: — Abaddon.
A voz dele era grave, como se tivesse muito mais que um simples o chamado do nome dela, ela sentia suas costas pesar apenas com aquilo, isso já mostrava o quanto de influência ele tinha sobre eles.
João: — Pelo que eu ouvi no relato, Nergal abandonou seu dever, e não só isso...
Agora ele se virava, caminhando lentamente pra ela, enquanto ela ainda estava fazendo reverência.
João: — Você sabe muito bem aonde quero chegar com isso, não é mesmo?
Abaddon sentia o peso ficar ainda mais pesado, mesmo ela tendo uma aura de morte, era completamente anulado e coberto por uma luz invisível que emanava em João.
Abaddon: — E-Eu sei que não fiz o certo... E tecnicamente isso me faz uma traidora, já que não matei o arcanjo Rafael, além de ainda não ter contribuído em nada beneficiente nessa guerra.
João observava ela, completamente aceitando qualquer que seja a punição dela, mas ele apenas suspirava, se virando novamente, com um leve sorriso.
João: — Não vou punir você, eu sei que você apenas seguiu sei coração, mas espero que você participe dessa vez, e não misture sentimentalismo sobre o profissionalismo, se não, você não será mais apta a ser uma cavaleira da morte.
Abaddon: — ...Sim senhor.
João: — Ah, e enquanto ao Nergal, não se preocupe, não farei nada com ele, ele apenas seguiu um caminho em que ele achava certo, e agora está descobrindo quem ele realmente é.
Daria pra escutar um pequeno suspiro vindo de Abaddon, dando a perceber que ela ficava levemente aliviada ao ouvir aquelas palavras.
João: — Agora... Vamos pra segunda parte, podemos?
João caminhou até a ponta da montanha de gelo, seus passos ecoando como sinos em uma catedral vazia. Ele abriu os braços, como se abraçasse o próprio destino, e então murmurou as palavras sagradas que há milênios estavam seladas no tempo.
— "E quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no céu por quase meia hora."
No mesmo instante, o mundo prendeu a respiração. O Sol, outrora brilhante e intocável, enegreceu completamente, como se uma sombra primordial o tivesse devorado. Não era um eclipse. Não era um fenômeno astronômico. O Sol havia morrido.
O céu se tornou um vazio absoluto, uma escuridão opressora que não era apenas ausência de luz, mas a presença de algo maior... algo inominável. As estrelas desapareceram, a Lua tornou-se um buraco de trevas, e um silêncio avassalador dominou a Terra. O vento cessou. O mar parou de rugir. As cidades, as florestas, os desertos... tudo ficou em um estado de morte temporária.
O Mundo Enlouquece
Em todos os continentes, a humanidade entrou em pânico.
Jornalistas interromperam as transmissões, suas vozes tremendo diante do inexplicável. Cientistas, em seus observatórios, olhavam para o Sol negro através de telescópios de última geração e não encontravam resposta. Não havia erupções solares, não havia fenômeno físico capaz de explicar aquilo.
"Não é um eclipse. O Sol... desapareceu. Ele foi engolido por uma escuridão impossível."
As igrejas encheram-se de fiéis desesperados, padres e pastores caíram de joelhos, sem palavras para confortar seus seguidores. Alguns tentavam rezar, mas o silêncio absoluto era ensurdecedor.
Os loucos gargalhavam nas ruas. Os descrentes finalmente acreditavam. O mundo começava a enlouquecer.
No centro de tudo, João permanecia calmo. Seu rosto era sereno, quase melancólico. Ele não se deleitava com o desespero da humanidade—ele apenas observava, pois aquilo era o fruto do que eles haviam plantado ao longo dos séculos.
Atrás dele, Beelzebub ainda carregando Miyako em seu ombro, olhava para o céu ser sugado por um vazio inexplicável, afirmando um dos seus punhos.
Beelzebub: — Isso... Isso não é nada bom, preciso me reagrupar rápido, vamos!
Ele começava a correr, juntos com poucas dezenas de soldados que sobraram do massacre anterior.
Asmodeus, que estava liderando a tropa em ordem de retirava, chegaria finalmente até Leviathan, que permanecia imóvel, apenas olhando para o Sol lentamente ser preenchido por nada além de escuridão.
Asmodeus: — O que você acha?
Leviathan: — Hm...escuro.
Asmodeus: — Hahaha!! É isso mesmo, Leviathan, era isso que eu esperava vindo de você, ei, Ryuji!
Ryuji chegava logo depois, já que ele estava liderando a frota de trás, os inimigos pareciam ter recuado, não se sabe se era pelo o momento, ou uma ordem de Enoch, ele estava um pouco suado de tanto correr.
Ryuji: — ?
Asmodeus: Como um demônio de ilusões, nunca vi algo tão perfeito quanto isso, quem é que tenha feito isso, com certeza teremos um tempo ruim.
Ryuji: — E por quê você está tão calmo sobre tudo isso? Eu sinto que iremos desmontar à qualquer momento com este escuridão, sem contar que Kazuhiko ficou para atrás pra lutar contra Castiel.
Leviathan: — Hm... Castiel...
Asmodeus virava pra ver Leviathan, curioso do por quê ele mencionar Castiel, considerando que ele era tão calado.
Asmodeus: — Hm? Reconhece esta figura, Leviathan?
Leviathan: — Eu... Lutar com ele... Uma vez.
Asmodeus: — Credo, você e a péssimo pra falar, que seja. Teremos que reagrupar e formar um plano melhor, reforços chegarão em breve.
Ryuji estranhava, já que ele pensava que eles eram os únicos, já que o lado onde estava Beelzebub foi completamente dizimado pela a luta destrutiva.
Ryuji: — Como assim reforços? O outro lado foi completamente aniquilado, não temos mais uma forma de reforços...!—
Asmodeus: — Espere e veja, jovem Ryuji, você irá ver como uma estratégia pode revirar um jogo, mesmo que todas as suas peças foram engolidas, vozes sempre irão surgir da escuridão pra te apoiar.
Ryuji: — ?
Assim, Rafael chegava aonde eles estavam, completamente desgastado pela a sua luta, e pela a constante cura avançada que ele tinha distribuído desde o início desta Guerra.
Asmodeus: — Oh! jovem Rafiel!
Rafael dava um soco no ombro de Asmodeus, mesmo que nem tenha surgido nenhum tipo de efeito.
Rafael: — É Rafael. E espero que tenha ouvido minha voz bem o suficiente pra perceber que te superei você.
Asmodeus ria em todo aquele caos, ele não podia deixar de gargalhar pelo o comentário do arcanjo.
Asmodeus: — Você é muito engraçado, mas eu admito... Por um momento, eu vi que você realmente estava diferente, e isso já é o suficiente pra eu te considerar como um rival, você sabe lutar muito bem pra um frangote.
Rafael: — Cala a boca. Tu não sabe como é ser um dos arcanjos mais fracos, eu apenas fiz o que eu pude.
A terra tremia com passos pesados e determinados. Beelzebub surgiu no campo devastado, seu rosto carregando uma expressão severa e seus olhos, uma mistura de frustração e urgência. Em seu ombro, Miyako jazia inconsciente, seu corpo coberto de ferimentos profundos e marcas de um combate brutal. Suas adagas estavam sujas de sangue, algumas lascadas, mas ele as trouxe junto com ela, como se fossem uma extensão de sua alma.
Ao vê-la naquele estado, Ryuji ficou paralisado.
— MIYAKO!
Seu grito rasgou o silêncio opressor, e ele correu em desespero, ajoelhando-se ao lado da irmã assim que Beelzebub a depositou no chão com um movimento cuidadoso.
— Por favor, Rafael! Cura ela, agora! — implorou, sua voz carregada de angústia.
Rafael, apesar de estar drenado de energia quase ao ponto da exaustão, sabia que Miyako era importante para todos eles—e, mais do que isso, para ele mesmo. Ele fechou os olhos e concentrou suas últimas forças.
Um brilho dourado envolveu o corpo destruído de Miyako, suas feridas lentamente se fechando. O processo foi doloroso, exigindo cada partícula de energia que Rafael ainda possuía. E então, ela estava curada.
Mas Rafael não.
Antes que pudesse reagir, relâmpagos divinos caíram dos céus negros, atingindo seu corpo sem piedade. O impacto o fez cambalear e, em um segundo, ele desabou, inconsciente. Mas antes dele cair completamente, Leviathan apenas esticava seu braço pra impedir que ele caísse completamente, e com um movimento estranhamente delicado, vindo de uma grande serpente do mar humanoide, o deixava no chão delicadamente.
Leviathan: — Fez bem... Agora... Descanse.
No mesmo momento, Miyako abriu os olhos.
Ela piscou algumas vezes, seu corpo já restaurado, mas sua mente ainda atordoada. Seus olhos percorreram o ambiente, vendo todos ao seu redor reunidos novamente.
Miyako: — O que... o que aconteceu? E Raiden?!
Antes que qualquer um pudesse responder, Asmodeus deu um passo à frente e sorriu, como se nada de anormal estivesse acontecendo.
Asmodeus: — Não importa o que aconteceu. — Sua voz cortou o ar como uma lâmina afiada. — Tudo que importa é que o jovem líder precisa da nossa ajuda. Pra variar, vamos lá salvar a bunda daquele moleque.
No meio à ruína, dois guerreiros continuavam sua luta.
Kazuhiko e Castiel não pararam nem por um segundo. Seus golpes cortavam o silêncio absoluto, a única coisa que ainda soava no mundo parado. Eles não tinham tempo para o medo. Não tinham tempo para o desespero. Apenas luta. Apenas guerra.
E então, Enoch entendeu.
Seus olhos brilharam com a certeza do inevitável. Ele suspirou, e com um tom de absoluta convicção, sussurrou:
Enoch: — O Ancião chegou. Este é realmente o seu fim, Kazuhiko...
Enoch olhava para uma última vez para a batalha brutal de ambos, vendo que o fim já estava claro em sua mente o final daquela guerra.
Enoch: — Odeio ver que apenas meus planos não foram o suficiente para o humilhar completamente, mas agora, meu ego não importa.
Ele subia em seu cavalo branco e cavalgava em pleno ar coberto pela a escuridão, indo até a base principal onde estava João.
BAM!
Um soco ecoava pela a escuridão, Kazuhiko desferia um golpe bem no rosto de Castiel, mas era inútil, ele resistia, e imediatamente desferia o mesmo soco em Kazuhiko.
POOF!
O rosto de Kazuhiko deformava momentaneamente, mas logo se regenerava quase que imediatamente graças o seu novo pecado despertado, seus olhos brilhavam em um amarelo dourado, como se tivesse dois sóis nas suas pupilas. Ele pressionava o soco de Castiel com o próprio rosto e o surpreendia dando um jab certeiro no nariz do mesmo, que saía sangue negro.
São Castiel: — ...!
Castiel sentia o soco, que parecia ter ficado mais forte que o anterior, mas o arcanjo corrompido apenas sorria, dando um gancho no queixo de Kazuhiko.
Kazuhiko foi lançado para trás com o impacto do gancho, sua mandíbula deslocando-se por um breve momento antes de se regenerar instantaneamente. Ele cuspiu um pouco de sangue, mas seus olhos continuavam ardendo como dois sóis amaldiçoados.
Seu corpo já estava em pleno estado de Ganância, e isso significava uma coisa: quanto mais tempo lutasse, mais forte ficaria. O golpe de Castiel, que antes teria quebrado seus ossos, agora apenas o fez cambalear. Seu corpo absorvia a energia ao redor, drenando inconscientemente a vitalidade do próprio arcanjo.
São Castiel: — Tsc... que merda é essa...? — Castiel estreitou os olhos ao sentir uma parte de sua própria força escoando para Kazuhiko.
O humano apenas sorriu, seus dentes reluzindo com um brilho ameaçador.
Kazuhiko: — Não percebe? Eu sou como uma febre que só piora... quanto mais você me enfrenta, mais poderoso eu fico.
Castiel rugiu e avançou novamente, suas asas negras e divinas se expandindo. Ele carregava uma energia sagrada misturada à corrupção de Enoch, uma força capaz de desfazer realidades e moldar novos destinos. Seu punho brilhou com uma luz dourada, prestes a acertar Kazuhiko com um golpe capaz de pulverizar um continente inteiro.
Mas então, Gula entrou em ação.
Kazuhiko abriu a boca levemente, e um vórtice invisível se formou, sugando traços da essência divina da energia de Castiel. O golpe, que deveria ter o peso da justiça celestial, perdeu parte de sua potência no último segundo. Kazuhiko sentiu sua força aumentar ainda mais, como se estivesse devorando fragmentos da santidade corrompida do arcanjo.
BOOM!
O impacto ainda foi brutal. Kazuhiko foi lançado contra o solo, rachando o campo de batalha em fissuras gigantescas. Mas quando Castiel avançou para continuar o ataque, uma sensação incômoda percorreu sua espinha.
São Castiel: — Como...?!
Kazuhiko já estava de pé, e ele estava mais rápido.
Inveja havia sido ativada no instante em que Kazuhiko sentiu que Castiel era mais forte que ele. Agora, seu corpo ajustava automaticamente sua força e velocidade para igualar a do arcanjo. Cada soco, cada chute, cada feixe de energia que Castiel lançava, Kazuhiko era capaz de responder com a mesma ferocidade.
A luta se tornou um espelho distorcido — dois guerreiros trocando golpes que devastavam o ambiente ao redor. Mas havia uma diferença: Kazuhiko não cansava.
A Luxúria pulsava dentro dele, abastecendo seu corpo com energia infinita. Ele não precisava recuperar o fôlego, seu corpo não sentia exaustão. Para Castiel, cada golpe que acertava deveria desgastar o humano, mas ele apenas continuava, como uma maldição que não pode ser desfeita.
São Castiel: — Maldito...! O que diabos você é?! — rugiu Castiel, recuando por um momento.
Kazuhiko limpou um fio de sangue do canto da boca, sua expressão agora mais sombria. Ele podia sentir algo dentro de si... algo crescendo.
A Ira.
A aura vermelha começou a escorrer dele como um manto de fúria. Não era o nível absoluto da Ira — ele ainda não havia perdido completamente sua consciência — mas já podia sentir os primeiros sintomas: o calor subindo pela sua pele, a racionalidade se fragmentando em instintos, a voz de Kokuei sendo a única guia que ainda o mantinha focado.
Kokuei: ((Ali.)) — Kokuei sussurrou dentro da mente de Kazuhiko, indicando um ponto cego na postura de Castiel.
Kazuhiko reagiu imediatamente.
SHOOM!
Ele se moveu como um borrão vermelho e, antes que Castiel pudesse reagir, um gancho ascendente acertou seu estômago com força suficiente para fazê-lo cuspir um jato de sangue negro. A energia sagrada do arcanjo oscilou.
A Ganância fez o impacto ser ainda mais destrutivo, sua força já triplicada desde o início da batalha.
Castiel tentou se recompor, mas então veio a segunda parte da Ira Enfraquecida.
A Aura do Julgamento.
Um leve brilho vermelho se espalhou pelo campo de batalha. Não era a manifestação total da Ira, mas ainda assim qualquer um que entrasse em contato com essa aura perderia momentaneamente suas habilidades.
O corpo de Castiel tremeu. Por um breve momento, suas asas divinas se desfizeram em partículas de luz. Seus poderes estavam sendo anulados.
Era um instante. Apenas um segundo.
Mas para Kazuhiko, um segundo era o suficiente para definir a luta.
Com um rugido animalesco, ele agarrou a cabeça de Castiel e o cravou no chão com uma força sísmica.
BOOOOOOM!
O impacto criou uma cratera colossal, e o corpo de Castiel se estilhaçou parcialmente.
O arcanjo cuspiu mais sangue, tentando se erguer. Mas Kazuhiko já estava sobre ele, sua aura vermelha queimando como um incêndio incontrolável.
Se ele não parasse agora, se continuasse cedendo à Ira, perderia completamente a racionalidade.
Mas por enquanto… ele ainda tinha controle suficiente para fazer uma coisa.
Ele se abaixou, segurando Castiel pelo pescoço, seus olhos brilhando como um sol de pesadelo.
Kazuhiko: — Isso é o que acontece quando você se opõe a mim.
Então, Gula ativou novamente.
E ele começou a devorar a alma do escudo de Deus.
O mundo escuro ao redor de Castiel desmoronava, mas não por que sua essência estava sendo roubada Kazuhiko. Era sua própria mente, afundando nas lembranças de uma época distante.
Milênios antes...
Os portões dourados da Escola Celestial se erguiam como muralhas divinas, protegendo o futuro da hoste angelical. Entre eles, dois jovens anjos caminhavam lado a lado.
Gabriel era a estrela da academia. Desde o primeiro século de sua existência, ele dominava as artes celestiais com uma maestria inigualável. Seu intelecto superava até mesmo os professores, e sua habilidade com o arco e flecha já era lendária. Ele aprendia tudo na primeira tentativa, como se cada técnica estivesse escrita em sua alma desde o nascimento.
E então havia Castiel.
Diferente de Gabriel, ele nunca se destacou. Seu desempenho era mediano em tudo: teologia, combate, magia sagrada. Um anjo comum, perdido entre milhares. Os veteranos diziam que ele nunca seria um arcanjo, que seu destino era permanecer na retaguarda, servindo aqueles que realmente importavam.
Isso nunca incomodou Castiel. Ele nunca teve ambição. Ele apenas queria seguir seu caminho, mas queria segui-lo ao lado de Gabriel.
Castiel: — Você é incrível, sabia? — dizia Castiel, admirado, enquanto observava Gabriel praticar no campo de treinamento.
Gabriel sorria, mas era um sorriso vazio.
Gabriel: — Se eu fosse incrível, ninguém me odiaria tanto...
E Castiel não entendia. Como alguém tão brilhante poderia ser visto como um problema?
Até que, um dia, ele descobriu.
Gabriel sempre foi tratado com frieza pelos anjos veteranos, mas Castiel nunca imaginou o que acontecia quando não havia supervisão.
Quando os professores estavam viajando entre as escolas divinas, quando a diretoria estava ocupada, Gabriel era espancado.
Eles o arrastavam para os corredores vazios, para os becos entre os templos. Sempre longe dos olhares da ordem celestial.
Anjo veterano: — Você acha que pode nos superar? — um dos veteranos zombava. — Milênios de treinamento... e você quer nos ultrapassar em poucos séculos?
Cada palavra vinha acompanhada de um golpe.
Gabriel já não reagia. Ele não gritava, não se defendia. Ele apenas aceitava.
E com o tempo, ele quebrou.
A luz em seus olhos se apagou. As perguntas começaram a surgir em sua mente.
"Por que os anjos se acham superiores aos humanos, se no final somos tão podres quanto eles?"
"Se nossa existência é dedicada à pureza, por que o ódio prospera entre nós?"
"Se este é o futuro que me espera, para que continuar lutando?"
E assim, ele apenas existia. Um prodígio que já não queria ser um.
Até que Castiel descobriu.
Ele notava como Gabriel já não sorria de verdade. Como evitava contato visual. Como seu brilho divino estava cada vez mais opaco.
Então, numa noite, Castiel o seguiu.
Ele cortou aula, ignorando todas as regras, apenas para ver com seus próprios olhos.
E ali estava seu melhor amigo... sendo esmagado.
E pela primeira vez em sua vida, Castiel sentiu algo queimando dentro de si.
Não era revolta.
Não era justiça.
Era apenas a necessidade de proteger.
Ele não era forte.
Ele não era talentoso.
Mas ele não precisava ser.
Se Gabriel estava quebrado, então Castiel seria seu escudo.
Ele avançou, agarrando a primeira coisa que encontrou no chão. Uma tábua refinada.
Os veteranos riram.
Anjo veterano: — O que você acha que vai fazer com isso?
Castiel não respondeu. Apenas ergueu a tábua e bloqueou o primeiro golpe.
E então o segundo.
E o terceiro.
Eles avançavam, desferindo ataques cada vez mais violentos, mas nenhum deles conseguia ultrapassar Castiel.
Gabriel, caído no chão, observava incrédulo.
Seu amigo, o anjo sem talento, estava aguentando tudo.
Horas se passaram. Os veteranos, exaustos, desistiram.
Castiel estava coberto de hematomas, seu rosto inchado, suas mãos cheias de calos. Mas ele não se importava.
Ele apenas sorriu para Gabriel, um sorriso ensanguentado, mas cheio de orgulho.
Castiel: — Viu? Não sou tão inútil assim mais!
Gabriel sentiu algo que há muito tempo não sentia.
Esperança.
E quando Castiel estendeu a mão para ajudá-lo a levantar, ele soube que aquele momento mudaria tudo.
Castiel: — Vamos fazer uma promessa, Gabriel!
Gabriel: — Promessa? — Gabriel murmurou, confuso.
Os olhos de Castiel brilhavam com uma determinação imutável.
Castiel: — Eu serei a linha de frente, e você será de trás.
Castiel: — Eu serei seu escudo, e você a minha flecha.
Castiel: — Vamos chegar ao topo juntos!
Gabriel olhou para a mão estendida.
E, pela primeira vez em séculos, ele sorriu de verdade.
Porém, a realidade voltou como uma tempestade.
Castiel ainda estava sendo segurado por Kazuhiko, mesmo que sua parte corrompida ainda resistia incansavelmente ao agarrão do humano, sua força drenava cada vez mais, junto com a sua promessa, que sumia junto com os brilhos de seus olhos.
Kazuhiko estava prestes a acabar com tudo.
Foi então que a flecha disparou.
CRACK!
O ombro de Kazuhiko foi perfurado.
Seu corpo tremeu. Sua aura de destruição hesitou.
E então ele ouviu.
— PARE!!
A voz ecoou pelo campo de batalha, carregada de desespero.
Kazuhiko se virou, sua expressão de fúria encontrando um rosto pálido e desnutrido.
Gabriel estava ali.
Seu corpo estava fraco, marcado pelo tempo passado nas trevas da cela onde estivera preso. Seu brilho divino havia sido quase apagado.
Mas seus olhos estavam acesos novamente.
Eram os olhos daquele Gabriel que Castiel protegeu um dia.
O Gabriel que nunca aceitou perder seu melhor amigo.
Ele estava ofegante, sua mão tremendo ao segurar o arco. Mas ele não recuava.
Ele não deixaria Castiel morrer.
Kazuhiko encarou Gabriel.
Por um momento, o silêncio reinou.
Então, um sorriso se formou nos lábios ensanguentados de Castiel.
Castiel: — Flecha...
Gabriel encara Kazuhiko nos olhos, seu corpo ainda fraco, mas sua voz firme como um trovão divino. Ele não hesita, pois sabe que precisa dizer essas palavras antes que seja tarde demais.
Gabriel: — Quanto mais você precisa matar para ficar satisfeito, humano?! Quantos mais precisarão cair diante da sua lâmina até que você perceba que essa guerra nunca foi só sua?! Você está tirando vidas de pessoas que, assim como você, também foram forçadas a lutar! Que também têm amigos, sonhos, um propósito para continuar vivendo! Você os abate sem hesitação, sem piedade... e ainda rouba suas almas! Me diga, Kazuhiko, que tipo de mundo você quer construir com tanta violência?! Se o que você busca é um novo futuro, por que insiste em cobrir este caminho de sangue?!
Kazuhiko hesita. Pela primeira vez, as palavras de Gabriel não soam como insultos, mas como espadas que perfuram sua convicção. A energia escura ao seu redor vacila, e ele para de sugar a essência de Castiel. Por um momento, o silêncio domina a batalha.
Enquanto isso, Enoch cavalga a distância, seus olhos se arregalando ao ouvir aquele grito. Ele sente uma raiva crescendo dentro dele ao reconhecer a voz de Gabriel. Seu olhar se estreita quando vê, mesmo no meio da escuridão do apocalipse, que Gabriel está livre. Mais um de seus planos foi arruinado. E agora, para piorar, a corrupção de Castiel está se dissipando.
Kazuhiko sente sua raiva diminuindo. Ele absorve as palavras de Gabriel, seu punho tremendo ao redor de sua espada. Então, ele solta um suspiro pesado, sua voz carregada de frustração e dor.
Kazuhiko: — Você acha que faço isso porque quero? Porque me dá prazer? Você acha que não sei que estou afundado na loucura, que sou só mais um monstro nesse caos?! Você nunca vai entender, Gabriel. Nunca vai saber como é perder alguém que você amava e ser arrancado da sua própria vida porque tudo foi jogado na sua conta! Você já segurou sua espada, sabendo que o universo inteiro estava contra você?! Sabendo que tudo que restava para se proteger era o fio dessa lâmina e nada mais?!
Gabriel vê a verdade por trás daquelas palavras. Kazuhiko não estava apenas cego por vingança—ele estava desesperado. Mas Gabriel também tinha suas feridas. Sua voz não vacila enquanto responde.
Gabriel: — Acha que eu não sei o que é perder tudo? Acha que eu não conheço a injustiça deste mundo?! Eu tive uma missão, Kazuhiko. Eu anunciei o nascimento de alguém que deveria trazer esperança a este mundo... e sabe o que fizeram com ele? O mataram como se fosse um demônio! Como se tudo que ele representava fosse uma mentira! Não importa quão puro você seja, este universo sempre encontrará um jeito de esmagá-lo. Mas se a maldade sempre existirá, você realmente acha que se tornar parte dela vai mudar alguma coisa?!
Kazuhiko cerra os dentes, sua mente um caos de emoções. Ele sabe que Gabriel está certo. Ele sabe que matar não trará sua mãe de volta. Mas ainda assim… ainda assim… ele não pode desistir.
Kazuhiko: — Você fala como se tudo fosse tão simples. Mas eu não posso abandonar minha família. Eu não posso deixar minha mãe nas mãos deles. E você também tem alguém que precisa proteger, Gabriel. Então não finja que não entende por que estou lutando. Eu não luto por glória, por fama... Eu luto pela minha mãe. E quando tudo acabar, quando eu conseguir salvá-la, eu vou viver a minha vida. Uma vida normal. E eu não vou mais me importar com recriação de porra nenhuma.
Gabriel: — Eu também... Tenho algo a proteger... Eu...
Após aquilo, Gabriel sentia toda a escassez de suas energias finalmente reagir, agora com o seu objetivo de defender Castiel pra uma morte certa, ele dava um leve sorriso para Kazuhiko.
Gabriel: — Não haverá alguém para proteger se tu continuar a seguir mais afundo, Kazuhiko... Então por favor, acabe com isso e vá viver sua vida...
Assim, Gabriel caía, agora desacordado.
O silêncio após o embate era quase tão pesado quanto a escuridão que envolvia o campo de batalha. Castiel, exausto, sentia sua consciência se esvaindo junto com a corrupção que antes dominava seu corpo. O peso da dor acumulada, dos horrores que enfrentara e do fardo que carregava era demais para suportar. Seu corpo cedeu. Ele também desmaiava, sua transformação desaparecendo como cinzas ao vento.
Kazuhiko olhou para os dois por alguns instantes, seus olhos carregados de algo que há muito não sentia: um resquício de compreensão. Sem dizer uma palavra, pegou Castiel e o colocou ao lado de Gabriel, permitindo que, ao menos naquele instante, descansassem. Foi então que uma figura emergiu da escuridão—a mesma que havia salvo Gabriel da cela. Um homem envolto em um capuz, ocultando a maior parte de seu rosto. Nergal.
Nergal: — Você fez bem, Kazuhiko. Todos vocês fizeram… — sua voz era serena, mas carregada de algo mais profundo. — Todos nós somos vítimas de algo. Carregamos cicatrizes que nunca irão desaparecer. Mas é por isso que não devemos mais lutar uns contra os outros.
Kazuhiko não respondeu de imediato. Suas mãos tremiam levemente. Não de medo, mas do peso de tudo o que havia ocorrido. Nergal deu um passo à frente, sua presença ainda inconfundível, mesmo tentando se esconder nas sombras.
Nergal: — Kazuhiko, me prometa uma coisa. Depois dessa guerra, não se envolva mais nesse tipo de coisa. Sei que é pedir muito, mas talvez... seja o melhor para você. Antes que caia para um caminho sem volta.
Kazuhiko desviou o olhar. Parte dele queria responder com arrogância, dizer que ninguém lhe daria ordens. Mas, no fundo, algo dentro dele sabia que aquelas palavras vinham de alguém que já trilhara esse caminho antes.
No entanto, antes que pudesse responder, um grito ecoou pelo campo devastado. Uma presença furiosa se aproximava.
Enoch: — NERGAL!!!
Enoch cavalgava com brutalidade, ignorando tudo ao redor. Sua fúria era palpável, quase sufocante. Mesmo com o capuz ocultando seu rosto, a essência de Nergal não podia ser escondida. O cavaleiro sabia exatamente quem ele era.
Nergal virou-se para Kazuhiko, sabendo que não havia mais tempo. Ele suspirou, esboçando um pequeno sorriso por baixo do capuz.
Nergal: — Talvez um dia nos encontremos novamente.
E então, com um movimento sutil, tocou Castiel e Gabriel. No instante seguinte, uma explosão de energia envolveu os três, e antes que Enoch pudesse alcançar o solo congelado, eles desapareceram em um clarão.
Enoch, tomado pela raiva, viu-se em frente a Kazuhiko, que não hesitou em agir. Com um movimento rápido, empurrou Enoch para trás com um golpe feroz. Seus olhos estavam carregados de uma nova intensidade.
— Acabou os jogos, Foda-se as estratégias !— Enoch rosnou. — Agora estou irritado pra valer!
Enquanto isso, distante de tudo, João observava. Sua figura estava imóvel, como se estivesse aguardando por algo. A escuridão ainda pairava, engolindo a terra, espalhando-se como um presságio inevitável. Ele fechou os olhos e recitou, sua voz baixa, mas carregada de poder e profecia.
João: — "E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava montado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado poder sobre a quarta parte da terra, para matar à espada, e à fome, e com a peste, e com as feras da terra."
No momento em que essas palavras ecoaram pelo vento, uma sombra se moveu. Uma presença que sentiu o chamado. Abaddon ergueu-se, entendendo o sinal.
Sem hesitação, partiu imediatamente rumo ao campo de batalha.
João: — Vamos ver até onde seu senso de justiça irá, Kazuhiko...
Continua no próximo capítulo...