O Branco Vazio

Capítulo: Ecos do Apocalipse

"FENÔMENO INEXPLICÁVEL DESTRÓI ANTÁRTICA"

"CIENTISTAS EM CHOQUE: CONTINENTE POLAR DESAPARECE"

"LUZES MISTERIOSAS VISTAS EM TODO O GLOBO"

"O FIM ESTÁ PRÓXIMO?"

As manchetes explodiam em todas as línguas, em todos os cantos do planeta. Imagens de satélite mostravam um vazio onde antes existia um continente inteiro. Não havia explicação científica, não havia precedentes.

Em Roma, multidões se ajoelhavam diante do Vaticano, rezando em dezenas de idiomas diferentes.

Em Jerusalém, rabinos estudavam textos antigos freneticamente, procurando profecias sobre o dia em que a luz devoraria o gelo.

Em Tóquio, os instrumentos sísmicos enlouqueciam, registrando vibrações que não deveriam ser possíveis.

Em cada tela, em cada transmissão:

"A comunidade científica internacional está em estado de alerta máximo após o inexplicável desaparecimento da Antártica. Testemunhas em todo o hemisfério sul relatam ter visto uma coluna de luz branca que parecia 'tocar o céu'. Os efeitos..."

Antártica - 15:41 PM

O silêncio.

Onde antes havia um continente de gelo eterno, agora existia apenas... nada.

Um deserto branco se estendia até onde a vista alcançava, mas não era neve ou gelo - era pó. Um pó tão fino e puro que parecia brilhar com luz própria, como se cada partícula fosse um fragmento cristalizado da explosão divina.

Não havia água.

Não havia vida.

Não havia som.

O ar estava absolutamente parado, como se o próprio vento tivesse medo de perturbar aquele lugar sagrado e maldito.

O céu acima... não era mais negro. Não era azul. Era um vazio perolado, como se a própria atmosfera tivesse sido purificada pela luz.

E ali, no centro daquele deserto de existência purificada...

O pó branco flutuava suavemente, revelando aos poucos os sobreviventes do impossível.

Kazuhiko segurava Miyako junto a si, ambos protegidos pelo que restava da energia primordial de Leviathan. Seus corpos tremiam, não de frio, mas da pura energia divina que ainda reverberava em cada átomo do ar.

A poucos metros, Ryōshi estava de joelhos. Sua lâmina lendária fumegava com luz branca absorvida, pequenos fragmentos de divindade ainda dançando em sua superfície. Seu rosto mostrava exaustão absoluta, mas seus olhos mantinham aquela determinação característica.

No que antes era céu, agora terra purificada, Raiden jazia com metade de seu corpo coberto por queimaduras grotescas que chegavam até o osso. Seu Avatar de Guerra havia sido completamente obliterado, e cada respiração sua era um exercício de pura força de vontade.

Ao seu lado, Beelzebub havia retornado à sua forma humana, inconsciente mas surpreendentemente intacto, protegido por algum aspecto de seu poder demoníaco que nem ele compreendia totalmente, talvez seja efeito sobre duas doses de sangue de Lúcifer? Ou talvez o escudo que Leviathan colocou bem à tempo? Quem sabe.

A figura mais perturbadora era Asmodeus. O sempre elegante príncipe do caos estava de pé, ainda protegendo Rafael, mas o preço era visível - suas duas cabeças que estavam levitando se desfaziam em pó lentamente, como estátuas antigas finalmente cedendo ao tempo. Suas costas eram uma visão grotesca de carne exposta e ossos, sua coluna vertebral brilhando sob a luz perolada do céu alterado.

Leviathan, agora em forma humana, permanecia em pé como uma estátua - um monumento vivo ao poder que uma vez possuiu. A luz divina havia selado seu aspecto primordial, deixando apenas o eco do que um dia foi o ser mais antigo da criação.

E Abaddon... a Morte estava de joelhos. Sua forma esquelética se dissolvia como fumaça negra ao vento, revelando uma figura feminina frágil e humana. Seus olhos, antes vazios de existência, agora mostravam algo novo: compreensão.

De Samá, não havia sinal.

No centro daquele cenário apocalíptico, onde antes estavam João e Scarlet, restava apenas um círculo perfeito de pó cristalino. A guitarra Ômega estava cravada no chão como um monumento, suas cordas ainda vibrando com uma melodia silenciosa, e ao seu lado...

O silêncio foi quebrado pelo som de Kazuhiko tossindo, expelindo pó branco.

Kazuhiko: — Miyako... você está...?

Miyako assentiu fracamente, suas adagas agora opacas e sem brilho.

SISTEMA REINICIANDO... DANOS CRÍTICOS DETECTADOS... CAPACIDADE OPERACIONAL: 12%

Ryōshi cambaleou até eles, sua lâmina arrastando no chão cristalino.

Ryōshi: — Isso foi... interessante.

Um grito de dor cortou o ar. Era Raiden, finalmente recuperando a consciência.

Raiden: — AAAAARGH! Que... que merda foi essa?!

Beelzebub começou a se mover ao lado dele, seus olhos se abrindo lentamente.

Beelzebub: — Ngh... sinto como se tivesse sido atropelado por mil carroças infernais...

Do outro lado, a voz de Asmodeus saiu entrecortada, suas cabeças ainda se desfazendo.

Asmodeus: — Bem... isso foi... deselegante.

Ele ainda segurava Rafael protegivamente, suas costas expostas fumegando.

Asmodeus: — Mas pelo menos... — sua voz falhava — ...você está vivo, sua voz permanecerá, meu amigo.

Abaddon tentou se levantar, mas suas pernas humanas tremiam.

Abaddon: — O conceito... — sua voz agora era suave, quase um sussurro — O conceito da morte... foi neutralizado.

Leviathan permanecia em pé, imóvel, mas seus olhos se moveram levemente.

Leviathan: — O poder... primordial... selado.

Miyako finalmente conseguiu se levantar, apoiando-se em Kazuhiko.

Miyako: — Onde... onde está Samá?

Asmodeus virou uma de suas cabeças que ainda não havia se desfeito completamente.

Asmodeus: — Se ele seguiu meu conselho... — tossiu pó branco — ...deve estar vivo em algum lugar.

Kazuhiko olhou para o círculo onde antes estavam João e Scarlet. A guitarra Ômega continuava vibrando, emitindo notas impossíveis.

Kazuhiko: — E eles...?

Um riso familiar ecoou pelo ar, mas parecia vir de todo lugar e lugar nenhum.

Scarlet: — HAHAHAHA! Isso... isso foi INCRÍVEL!

Sua voz parecia distorcida, como se viesse através de várias camadas de realidade.

Scarlet: — Infelizmente... tive que fazer uma pequena viagem dimensional. Sabe como é, quando a própria existência está sendo reescrita, às vezes é preciso... improvisar.

Ryōshi apertou os olhos.

Ryōshi: — Você... fugiu para outra dimensão?

Scarlet: — "Fugir" é uma palavra tão feia... Prefiro dizer que fiz um recuo estratégico temporário. Mas não se preocupem, logo logo encontro um caminho de volta. Só preciso... reorganizar alguns átomos.

Beelzebub conseguiu se sentar, olhando ao redor.

Beelzebub: — Eu sinto que tinha mais alguém... Eu conseguia sentir uma presença nos observando sempre de longe, mas nunca vi ele de fato, e agora... Parece que ele sumiu.

O silêncio que seguiu foi ensurdecedor. Apenas o vento movendo o pó branco respondeu.

Abaddon, agora totalmente humana, falou suavemente:

Abaddon: — Ele... completou sua missão.

Asmodeus riu, mesmo enquanto suas cabeças continuavam se desfazendo.

Asmodeus: — E que missão... — ele olhou para o céu perolado — Acho que acabamos de presenciar um pequeno aperitivo do que está por vir.

Kazuhiko: — O que... o que exatamente aconteceu aqui?

Kazuhiko se aproximava do centro, se cambaleando um pouco por causa do impacto sofrido, porém estava sendo apoiado pela a Miyako.

Leviathan moveu seus lábios levemente, sua voz agora um eco do poder que já possuiu:

Leviathan: — O Cordeiro... mostrou sua face.

Miyako ficava quieta por um momento, até lembrar de algo muito importante, algo que deveria ter passado na cabeça dela desde o começo.

Um gemido fraco chamou a atenção de Miyako. Seu coração parou por um momento quando reconheceu a fonte.

Miyako: — RYUJI!

Entre os destroços cristalizados, parcialmente coberto pelo pó branco, estava seu irmão. Seu corpo estava em posição fetal, tremendo levemente.

Kazuhiko e Miyako correram até ele. Quando o viraram, Miyako sufocou um grito. O lado direito do rosto de Ryuji estava completamente branco, como se tivesse sido calcinado pela luz divina. Seu olho direito, antes castanho como o da irmã, agora estava perolado.

Ryuji: — Mi...yako... — sua voz saía entrecortada — Eu... vi...

Miyako segurou a mão do irmão.

Miyako: — Não fala nada, você precisa...

Ryuji: — Não... você precisa... saber... — ele tossiu — Eu vi... TUDO.

Seus olhos, um normal e outro perolado, focaram em algo além deles.

Asmodeus, mesmo em seu estado deplorável, inclinou uma de suas cabeças que ainda restavam.

Asmodeus: — Ah... então foi isso que aconteceu com você.

Beelzebub: — O que quer dizer?

Asmodeus: — Ele viu... a verdade nua e crua. Não é todo dia que um mortal sobrevive após contemplar o divino em sua forma pura.

Ryuji apertou a mão da irmã.

Ryuji: — Miyako... isso não acabou... isso... nunca acabou...

Momentos antes da explosão final

A luz divina se aproximava, consumindo tudo em seu caminho. Ryuji segurava sua katana com força, seus olhos fixos na onda de destruição que avançava.

Ryuji: — Então é assim...

A lâmina começou a vibrar em suas mãos, respondendo ao perigo iminente. Ryuji podia sentir - a velocidade da luz se aproximando, a própria realidade sendo reescrita.

Em um instante, a Katana ativou seu poder único. As moléculas no corpo de Ryuji começaram a vibrar em uma frequência impossível, dobrando e redobrando sua velocidade para equiparar-se à própria luz divina.

Ryuji: — AAAAHHHHH!

Quando a luz o atingiu, seu corpo estava vibrando em uma frequência tão alta que a maior parte da energia passou através dele, como água através de uma peneira microscópica.

A dor era indescritível - sua pele externa sendo calcinada pelo poder divino. Mas suas células internas, protegidas pela vibração sobrenatural da Katana Seca, permaneceram intactas.

No último momento antes de perder a consciência, seus olhos captaram algo que não deveria ser possível ver - a própria estrutura da realidade sendo desfeita e refeita.

Presente

Ryuji tocou seu rosto parcialmente calcinado, seu olho perolado brilhando com um conhecimento terrível.

Ryuji: — A katana... ela me fez ver... — sua voz tremeu — Ver o que ninguém deveria ver.

Ryuji engoliu em seco, seu olho perolado fixo no vazio.

Ryuji: — Era... era só um humano. Um humano comum...

Rafael finalmente recobrou a consciência, seus olhos se abrindo para o cenário apocalíptico. Ao ver o estado de Ryuji, ele imediatamente se desvencilhou dos braços protetores de Asmodeus.

Rafael: — Ryuji! — ele correu até ele, suas mãos já brilhando com energia curativa — Pelos céus...

Enquanto Rafael começava o processo de cura, Ryōshi permanecia em silêncio, sua mente tentando alcançar Scarlet através das dimensões.

Ryōshi: — Scarlet, seu bastardo... onde...

Ele foi interrompido por um movimento súbito. O pó branco começou a se erguer em um ponto específico, como se algo emergisse das profundezas da terra purificada.

Uma figura se ergueu, e todos - demônios, humanos e seres primordiais - ficaram em absoluto silêncio.

Enoch.

Antes que qualquer um pudesse reagir, ele se moveu com uma velocidade impossível até Asmodeus, que em seu estado debilitado mal pode resistir.

Enoch: — Não, não, não... — sua voz era suave, quase gentil — Você ainda não pode morrer, meu irmão.

Ele segurava Asmodeus com firmeza, ignorando a decomposição contínua das cabeças do demônio.

Enoch: — Você fez uma promessa, lembra? A Caleb. Meu querido irmão.

Asmodeus parou de resistir, suas cabeças restantes se virando levemente.

Enoch: — E você sabe... — seu sorriso era perturbador — Promessas são tudo o que nos resta agora.

Enoch segurava Asmodeus com força, seus olhos desfocados e febris.

Enoch: — Caleb... Caleb, meu irmão... olha só pra você...

Suas mãos tremiam, seu próprio corpo estava em frangalhos - carne exposta, ossos visíveis, sustentado apenas por pura força de vontade.

Enoch: — Você... você está diferente... mas eu sei que é você... tem que ser você...

Asmodeus tentou falar, mas mais uma de suas cabeças se desfez em pó.

Enoch ria e chorava simultaneamente, sua sanidade claramente fragmentada.

Enoch: — Lembra quando éramos crianças? Lembra? Você sempre... sempre me protegia... — ele balançava Asmodeus violentamente — ENTÃO POR QUE VOCÊ ME ABANDONOU?!

Kazuhiko: — Ele enlouqueceu completamente...

Enoch virou sua cabeça num ângulo impossível em direção a Kazuhiko, seus olhos injetados.

Enoch: — ENLOUQUECI? NÃO! Finalmente estou LÚCIDO! — ele abraçava Asmodeus como uma criança com um boneco quebrado — Eu sobrevivi... sobrevivi à luz... sobrevivi por você, irmão...

Sangue negro escorria de seus ferimentos, misturando-se ao pó branco no chão.

Enoch: — E agora... agora vamos ficar juntos... como antes... como SEMPRE deveria ter sido...

Sua voz oscilava entre sussurros e gritos, décadas de trauma e solidão transbordando em delírio.

Enoch: — Você prometeu... prometeu que nunca me deixaria sozinho... PROMETEU!

João surgiu como uma sombra silenciosa, seu corpo despido exceto pelas vestes mínimas. A bengala de madeira, antes um símbolo de fragilidade, agora revelava sua verdadeira natureza.

Em um movimento fluido, a bengala atravessou tanto Enoch quanto Asmodeus. Não houve sangue - a madeira perfurou além do físico, atravessando conceitos, memórias, a própria essência do ser.

Rafael: — NÃO! ASMO-

Asmodeus, mesmo com seu corpo se desfazendo, sorriu serenamente para Rafael.

Asmodeus: — Mantenha sua voz sempre serena, forte e equilibrada... — sua voz era suave, quase musical — Somente assim, tu realmente saberá o verdadeiro equilíbrio da sua vida.

Enoch permaneceu imóvel, seus olhos arregalados não de dor, mas de compreensão. Traição após traição se desenrolava em sua mente como um filme cruel.

Seu irmão Caleb... uma promessa infantil quebrada pela realidade impiedosa.

Seus companheiro cavaleiro Nergal, quando escolheu libertar Gabriel.

E agora João... o homem que o salvou, que lhe deu propósito...

Enoch: — Então... — sua voz era apenas um sussurro — ...é assim que termina?

Uma lágrima solitária cortou seu rosto destruído.

Enoch: — Todas as promessas... todas as palavras... — ele riu amargamente — ...vazias como o vento.

João permanecia em silêncio, a bengala ainda atravessando os dois.

Enoch: — Mestre... — a palavra saiu como veneno de sua boca — ...você também... você também era só mais uma mentira?

Raiden e Abaddon observavam paralisados, a incredulidade estampada em seus rostos. João retirava friamente a sua bengala dos peitos deles, que ambos caíam, já sem forças.

Raiden: — Mestre... por quê...?

Rafael correu até Asmodeus, suas mãos trêmulas tentando alcançá-lo.

Rafael: — NÃO! Por favor, por que isso... POR QUE?!

Asmodeus sorriu fracamente, sua forma cada vez mais etérea.

Asmodeus: — Sabe... no início... eu te via apenas como mais um anjo insignificante...

Todos ali não podiam falar nada, apenas aguentavam aquilo, Beelzebub se lembrava do momento que Asmodeus passava o frasco dele pra Beelzebub.

"Toma pra você, eu sinto que você vai precisar mais do que eu"

Essas eram as palavras, que entravam constantemente como um trovão na sua cabeça, ele não podia aguentar, então lágrimas começavam a escorrer.

Beelzebub: — Seu maldito...

Leviathan permanecia quieto, lembrando de tudo que ele passou junto com Asmodeus, que ele era um dos primeiros que tinha entrado na formação de Lúcifer.

Leviathan: — ...

Asmodeus tossia, mais partes de seu ser se desfazendo.

Asmodeus: — Mas naquele dia... no covil... sua voz... — seus olhos brilharam com admiração genuína — Não era qualquer voz. Era uma voz que podia curar mundos inteiros.

Rafael tentava desesperadamente usar seus poderes de cura, lágrimas escorrendo por seu rosto.

Asmodeus ergueu seu punho debilmente, tocando o peito de Rafael.

Asmodeus: — Que a sua voz... preencha todo este universo perdido...

Suas últimas palavras foram quase uma melodia, e então... silêncio. O Príncipe do Inferno se desfez em luz e sombra.

Enoch observava a cena, imóvel. Seu olhar se fixou uma última vez em Asmodeus, e naquele momento, a cruel ironia de seus destinos ficou clara: Asmodeus, que salvou Rafael por amor verdadeiro, e ele próprio, salvo por João apenas para ser uma peça em seu jogo.

Enoch: — Então é esta... a diferença...

Seu corpo começou a se desfazer, mas seus olhos permaneciam fixos no local onde Asmodeus havia partido.

Enoch: — Entre ser salvo por amor... e ser salvo por utilidade...

Enoch observava suas próprias mãos se desfazendo, um sorriso amargo em seus lábios destruídos.

Enoch: — Ei, Caleb... — sua voz era suave, como quando era criança — Lembra quando você disse que sempre estaríamos juntos?

Suas lágrimas caíam no pó branco.

Enoch: — Eu acreditei... acreditei tanto que doía...

Memórias fragmentadas passavam por sua mente: Caleb o protegendo dos valentões, João o encontrando nas ruínas de sua vida, os Cavaleiros marchando ao seu lado...

Enoch: — Todas as promessas... todos os juramentos... — ele riu, um som quebrado — Eu guardei cada um deles aqui...

Ele tocou seu peito que se desfazia.

Enoch: — Mas sabe qual foi meu maior erro, irmão? — suas pernas já haviam se dissolvido — Não foi acreditar nas promessas... foi acreditar que eu merecia elas.

Seu corpo continuava se desfazendo, mas seus olhos mantinham uma clareza dolorosa.

Enoch: — No final... — ele olhou para o corpo dissipado de Asmodeus — Ele encontrou alguém que realmente o amava... e eu...

Uma última lágrima.

Enoch: — Eu continuo... sozinho...

Enoch virou seu olhar para Kazuhiko, seu corpo ainda se desfazendo.

Enoch: — Kazuhiko... — sua voz fraca o fez se aproximar — Você... você é uma pessoa terrível...

Kazuhiko permaneceu em silêncio, seus olhos fixos no homem morrendo.

Enoch: — Mas... — um sorriso triste surgiu em seu rosto destroçado — Mesmo assim... você ama todos ao seu redor... com tanto desespero...

Kazuhiko sentiu seu coração apertar, suas feições normalmente duras se suavizando em tristeza.

Enoch: — Não posso... — ele tossiu — Não posso tirar isso de você também...

Ele fez um gesto fraco para Kazuhiko se aproximar mais. Com suas últimas forças, sussurrou no ouvido dele:

Enoch: — Misao... ela está... nas ruínas do templo Higashiyama... subterrâneo 31... corredor vermelho...

Os olhos de Kazuhiko se arregalaram.

Enoch: — Sua mãe... sempre... sempre falou de você...

Então ele se afastou, deixando Kazuhiko paralisado com a revelação, antes de finalmente se desfazer completamente com suas últimas palavras sobre Caleb ecoando no ar.

O rosto de Kazuhiko estava marcado por uma mistura de emoções - choque, tristeza, esperança e dor - enquanto observava os últimos vestígios de Enoch desaparecerem no ar.

Seu corpo se desfez completamente, mas por um breve momento, todos puderam ver - não o guerreiro, não o traidor, não o cavaleiro... apenas uma criança solitária, ainda esperando seu irmão voltar para casa.

As últimas palavras de Enoch ecoaram como um sussurro no vento:

Enoch: — Caleb... você mentiu... mas eu... ainda te amo, irmão...

E então, silêncio. Apenas o pó branco dançando no ar onde antes estava um homem que só queria pertencer a algum lugar.

E tudo que poderia se ouvir era suapiros, choros, lágrimas sendo derramadas, Raiden ainda em puro choque, enquanto Abaddon não podia imaginar que isso poderia sequer acontecer.

Raiden se ergueu, seu punho cerrado com fúria divina.

Raiden: — POR QUÊ?! TUDO... TUDO FOI UMA MENTIRA?!

João permaneceu impassível, sua postura ereta e altiva.

João: — Quando a luz tocou meus olhos... sabe o que vi, Raiden? Nada. — sua voz era gélida — Absolutamente nada. Nenhum salvador. Nenhuma divindade.

Ele ergueu sua bengala, a cruz brilhando com uma luz profana.

João: — Jesus não veio. Ninguém veio. Só eu restei. Só eu compreendi... — seus olhos começaram a escurecer — Que se ninguém vai trazer o fim... eu mesmo o farei.

Seu corpo começou a se transformar. A pele pálida tornou-se negra como obsidiana, asas enormes e emplumadas rasgaram suas costas - não brancas como as de um anjo, mas negras como o vazio entre as estrelas. Sua cabeça se alongou, transformando-se em algo semelhante a um corvo demoníaco, com olhos que brilhavam como luas carmesins.

A bengala em sua mão se transformou em uma espada de cruz reluzente, sua lâmina emanando uma luz azul fantasmagórica. Seu manto esfarrapado flutuava ao seu redor como sombras vivas, serpenteando no ar como tentáculos de escuridão.

João agora se erguia diante deles como um ser que transcendia anjos e demônios - um arauto corrompido, um batista profano que pretendia não mais batizar com água, mas com o fim de todas as coisas.

O ar tremeu com a transformação de João, a realidade se contorcendo ao seu redor. O céu acima se tingiu de vermelho sangue, enquanto sombras dançavam como serpentes ao seu comando.

Ryuji se ergueu, seu corpo ainda fumegando da cura de Rafael, olhos perolados brilhando com determinação renovada.

Ryuji: — Então é assim que termina? Com mais uma divindade corrompida?

Miyako, mesmo debilitada, empunhou suas adagas, que ressoava o mínimo de poder restante.

Miyako: — Não... termina com todos nós.

Leviathan e Beelzebub se posicionaram, seus poderes demoníacos fazendo o próprio ar crepitar.

Leviathan: — Um falso profeta...

Beelzebub: — ...que ousa brincar de deus.

Rafael ergueu suas mãos, luz divina emanando de seu corpo, sua voz carregando o poder que Asmodeus tanto admirava, ganhando forma de sua transformação São novamente e aparecendo uma cabeça, não totalmente materializado.

Rafael: — Em nome de tudo que é sagrado...

Ryōshi empunhou sua espada, agora totalmente carregada e cheia de brilho branco.

Ryōshi: — Chega de falsos messias.

Kazuhiko avançou, suas tatuagens em suas costas brilhando com intensidade mortal.

Kazuhiko: — Você não é diferente dos outros, na verdade, você é o pior de todos, pelo menos eles conseguiam manter a lealdade sobre os seus aliados, sua escória.

João ergueu sua espada-cruz, e o próprio firmamento pareceu se partir.

João: — EU SOU O INÍCIO E O FIM! O BATISTA QUE TRARÁ A PURIFICAÇÃO FINAL!

O ar explodiu com poder quando todos avançaram simultaneamente. Correntes dimensionais cortaram o ar enquanto Ryōshi atacava por cima. Miyako e Kazuhiko, sincronizados como dançarinos letais, investiam pelos flancos. Leviathan e Beelzebub liberavam todo seu poder demoníaco, enquanto Rafael canalizava luz divina pura. Ryuji, no centro da formação, seus olhos brilhando com poder ancestral, empunhando sua Katana, que vibrava constantemente sobre as suas mãos.

Enquanto isso, Raiden e Abaddon permaneciam imóveis, o peso da traição ainda pesando em seus ombros.

Raiden: — Então é isso... — ele cerrou o punho — Tudo que acreditamos...

Abaddon olhou para os restos de pó onde Enoch havia estado.

Abaddon: — Nosso mestre... nosso propósito...

Os dois se entreolharam, décadas de lealdade e fé desmoronando diante de seus olhos. O silêncio pesado foi quebrado pela voz de Raiden.

Raiden: — Sabe... — um sorriso amargo cruzou seu rosto — Enoch estava certo no final.

Abaddon: — Sobre?

Raiden: — A diferença entre ser salvo por amor... e ser salvo por utilidade.

Eles observaram o grupo que já estavam lutando e dando suas vidas pra acabar com João.

Raiden: — Então, irmã... — seus olhos brilharam com uma decisão formando-se — O que faremos agora?

Abaddon contemplou a cena por um momento.

Abaddon: — Pela primeira vez... — ela sorriu levemente — Podemos escolher nosso próprio caminho.

O ar ficou denso com a expectativa de sua decisão.

A batalha pelo destino do mundo começava agora.

1 Capítulo restante.