A Tábua Sagrada

Depois de uma longa noite, Kazuhiko e a Aetherbond voltaria com todo o povo que tinha sido resgatado de Las Vegas. Eles teriam voltado de seu avião particular após evacuar todos em um avião maior na zona segura da cidade, quem diria que este esquadrão tinha uma organização tão boa assim? Kazuhiko pensava que era apenas os caçadores, mas sabia que o mundo não seria salvo por um bando de caçadores sem reforços.

Após o incidente contra os 10 mandamentos, Kazuhiko alisava sua bochecha, onde ainda permanecia sua cicatriz, que não se regenerava.

Kokuei: (Como você se sente, Kazuhiko?)

Kazuhiko (pensando): — Não sei, eu só acho estranho que todo oponente em que eu tive que enfrentar, eu tive que ter alguma ajuda externa para ter sucesso... Hiroy, com a sua arma, João com meu pai e todos os outros... E agora, este Dominus, mas pela a primeira vez, eu me sinto bem melhor sobre mim, apesar de ter sido um empate.

Kokuei: ( Você não se sente cansado? você passou por muito tempo naquela dimensão, afinal.)

Kazuhiko (pensando): — Verdade, meu corpo está extremamente cansado... Mas por algum motivo, estes setes anos apesar de torturante, foi menos pior do que imaginei que seria... Talvez seja por quê eu finalmente liberei Akiko da minha mente. Então de uma forma bem esquisita, consegui superar esta trauma por causa do Dominus.

Kokuei: (Hm, então parece que teu cérebro amadureceu um pouco neste último ano que permaneci em silêncio... Isso é bom.)

Depois dessa breve conversa mental, eles estariam chegando na base oficial da Aetherbond, que não ficava em Rússia, e sim em Brasil, a terra natal de Andressa.

Ezra: — Chegamos, enfim.

Kazuhiko observava pela janela do avião enquanto as nuvens se dissipavam, revelando a base da Aetherbond — uma instalação construída no meio da floresta amazônica, camuflada entre a vegetação densa. Helicópteros sobrevoavam a região, e torres com sensores de energia vibravam em um ritmo constante. Era uma mistura perfeita entre tecnologia de ponta e adaptação ao ambiente.

Zoya, sentada mais à frente, soltou um suspiro de alívio.

Zoya: — Finalmente um lugar onde a gente pode respirar sem cheiro de sangue.

Viktor, ainda com o braço enfaixado, soltou uma risada abafada.

Viktor: — Vai durar pouco. Aposto que amanhã já tem outra missão esperando.

Ryuji se levantava do banco, ajeitando a sua jaqueta velha.

Ryuji: — Então aproveita essa pausa como se fosse a última. Com os Mandamentos à solta, não teremos muitos momentos assim.

O avião tocou o solo com um leve tranco. Do lado de fora, caçadores e engenheiros corriam para receber os feridos e descarregar os equipamentos. Andressa aguardava do lado da pista, braços cruzados, um semblante sério, mas aliviado.

Kazuhiko desceu por último, seus olhos vermelhos escuros observando o verde ao redor. O calor úmido do Brasil era um contraste brutal com o frio da Antártida, mas estranhamente reconfortante.

Andressa se aproximou.

Kazuhiko olhou para a mulher que se aproximava — a comandante da base.

Andressa era uma mulher brasileira na casa dos trinta, de pele morena dourada pelo sol da Amazônia, com olhos castanho-claros penetrantes, que misturavam autoridade com uma estranha compaixão. Seu cabelo escuro estava preso em um coque prático, embora algumas mechas rebeldes escapassem com o vento quente. Usava um uniforme tático leve, de cor acinzentada e corte funcional, com emblemas da Aetherbond no ombro esquerdo e no peito. Na cintura, um coldre com duas pistolas e uma adaga gravada com símbolos rúnicos, clara prova de que, além de estrategista, ela era uma combatente treinada.

Sua presença era firme, como alguém que não precisava levantar a voz para impor respeito.

Andressa: — Bem-vindos de volta. Nós recebemos os relatórios, e... vocês fizeram bem. Nosso primeiro sucesso depois de algum tempo. — disse ela, com o sotaque sutil de quem cresceu nas ruas de Manaus, mas passou anos lidando com crises globais.

Kazuhiko não respondeu de imediato. Seus olhos apenas a analisaram brevemente, notando que, diferente da maioria dos líderes que conheceu, ela não usava medalhas. Só cicatrizes discretas nos braços e uma postura de quem já viu o inferno —

Ezra: — Obrigado, Andressa, sua ajuda novamente salvou as nossas bundas pelo o seu suporte na evacuação. Aqueles aviões extras realmente salvaram os civis.

Andressa: — Se dependesse de mim, tu iria ficar lá se tu não melhorar como um líder, o mestre ancião só te deu este cargo pois tu é um pródigo, não desperdice isso.

Ezra: — Haha... Também senti saudades de seus sermões diários.

Wulfric caminhava lentamente, com a ferida em sua barriga estando grave, ele sentia cada dor em seus passos, mas Ibrahim notava aquilo e ajudava o alemão, dando seu ombro como apoio.

Ibrahim: — Você foi bem, jovem.

Wulfric: — Você fala como se já fosse um caçador veterano, isso me irrita... Mas Es kostet... (valeu)

Arjun apesar de ter seu corpo completamente ferido, ele não demonstrava dor, talvez por ele ter se acostumado com a sensação, ele apenas caminhava para dentro, sem dizer nada.

Viktor: — Parece que alguém está cansado.

Zoya: — Cala a boca, ele só está precisando de um banho com aquele corpo encharcado de sangue, e tu foi o único que quase morreu.

Viktor: — Qual foi, eles me pegaram de desprevenido, nem sabia que eles eram imortais.

Kazuhiko apenas acompanhava os diálogos com um silêncio confortável. Pela primeira vez em muito tempo, o caos havia cessado — mesmo que fosse só por algumas horas. Cada passo que dava para dentro da base parecia apagar um pouco da poeira e da dor que o cobriam.

Os corredores da Aetherbond eram largos, com placas luminosas em verde e azul suave guiando os caçadores até suas áreas designadas. Salas de repouso, enfermarias, depósitos de armas... tudo era funcional, mas estranhamente acolhedor.

06:50 da manhã — Dia seguinte

O sol ainda mal havia surgido sobre a floresta amazônica quando um som agudo ecoou pelos alto-falantes da base, despertando todos com uma suavidade forçada.

Alto-falante: — Todos os membros da Unidade Aetherbond estão convocados para a Sala de Reuniões Alfa. Presença obrigatória. Assunto: Diretiva Emergencial — convocação pelo Mestre Ancião.

Kazuhiko abriu os olhos devagar, sentindo a rigidez no corpo pela primeira vez desde que dormira. Sua respiração estava mais calma... mas seu instinto ainda pulsava com alerta.

Na sala ao lado, Wulfric resmungava enquanto ajeitava os curativos improvisados.

Wulfric: — Nem um dia inteiro de descanso? Esses velhos gostam mesmo de tortura...

Ryuji já estava de pé, prendendo as faixas da katana nas costas com naturalidade. Ele olhou pela janela, onde a névoa ainda cobria o chão da floresta.

Ryuji: — Se é o Mestre Ancião, não é coisa pequena. Vamos.

Kazuhiko vestiu a jaqueta escura que havia deixado pendurada ao lado da cama. Ao tocá-la, viu as marcas queimadas ainda no tecido — lembranças da luta contra Dominus.

Minutos depois — Sala de Reuniões Alfa

A sala era subterrânea, esculpida na rocha pura com tecnologia de ponta em contraste ao ambiente bruto. Telas holográficas projetavam mapas de energia global, enquanto um grande símbolo da Aetherbond adornava o fundo do salão.

O grupo se reuniu em torno de uma mesa oval. As luzes se suavizaram quando uma figura idosa, encapuzada e apoiada por um bastão de madeira escura, entrou.

O Mestre Ancião.

Seus olhos eram cobertos por um véu de tecido prateado. Sua presença era silenciosa, mas esmagadora — como se o ar se tornasse mais denso com sua chegada.

Andressa se manteve ao lado dele, em posição de respeito.

Mestre Ancião: — Bem-vindos, filhos do novo caos. A guerra que vocês enfrentaram não foi o fim. Foi o prelúdio. O que vem agora... irá exigir mais do que força. Irá exigir fé no impossível, mas antes de continuarmos, temos duas novas presenças que merecem reconhecimento pelo o sucesso que tiveram na sua última missão.

O Mestre Ancião caminhou lentamente até o centro da sala, seus passos ecoando como se marcassem o tempo em si. O véu prateado escondia seus olhos, mas todos sentiam o peso de seu olhar passar um a um — lido não com os olhos, mas com a alma.

Ele ergueu levemente o bastão e apontou primeiro para Ibrahim, que se mantinha ereto, embora visivelmente nervoso diante da autoridade silenciosa daquele homem.

Mestre Ancião: — Ibrahim Ngoma... filho de terras marcadas pela guerra, moldado não pela espada, mas pela necessidade de ser útil, eu já ouvi falar de você sendo um grande soldado que contribuiu muito pra África.

Mestre Ancião: — E agora, o sangue que corre em ti não busca mais por glória, mas sim, por propósito. Hoje, diante deste conselho e sob meu julgamento, declaro-o Caçador da Aetherbond. Que tua fé seja tua lâmina... e tua justiça, teu escudo.

Ibrahim respirou fundo, surpreso por ouvir seu nome direto da boca do líder supremo.

Ibrahim: — Eu... Ainda não sei se sou digno disso, mas... farei o meu melhor.

O Mestre apenas assentiu com leveza, como se o silêncio confirmasse sua aceitação.

Em seguida, ele virou-se lentamente para Kazuhiko. O ar na sala pareceu pesar um pouco mais. Todos os presentes sentiram a tensão silenciosa se instalar — como se o mundo se curvasse levemente com o que viria a seguir.

Mestre Ancião: — E você... O menino que contém o mal sobre as tuas costas. Tu não és um de nós. Não estás vinculado por sangue, nem por voto, mas... tu carrega algo maior. Um eco antigo. Uma ruptura no tecido do mundo... e um fardo que nenhum de nós poderia suportar.

Kazuhiko manteve-se imóvel, olhos fixos naquela figura. As palavras do velho pareciam atravessar suas defesas, como se o conhecesse mais do que ele mesmo.

Mestre Ancião: — Este conselho reconhece tua passagem como necessária. E embora tu não desejes alianças... que saiba: esta base, esta causa, e esta guerra... também são tuas agora.

Kazuhiko respondeu com um aceno sutil de cabeça.

Kazuhiko: — Não vim aqui por vocês. Mas... não vou ignorar o que precisa ser feito.

O Mestre Ancião sorriu discretamente, como se esperasse exatamente essa resposta. Então, em um gesto calmo, ele ergueu a mão — e as luzes da sala mudaram, revelando o holograma de Jerusalém trincada.

Mestre Ancião: — Agora sim... podemos começar.

Kazuhiko franziu levemente a testa. Mesmo com todo seu ceticismo, aquela presença fazia algo dentro dele reagir.

O Mestre Ancião ergueu uma das mãos enrugadas e uma projeção surgiu: o mapa do mundo, com diversas rachaduras de energia partindo de um único ponto...

Jerusalém.

O holograma girava lentamente, mostrando linhas de energia rasgando a crosta terrestre como veias vivas pulsando caos. O coração de todas as rachaduras? Um ponto específico: o deserto ao redor do Monte Sinai.

Mestre Ancião: — Os Mandamentos não agiram por vontade própria. Eles estavam... respondendo a algo. E essa fonte acaba de despertar.

Kazuhiko estreitou os olhos. A imagem do Monte Sinai fez seu corpo enrijecer por reflexo.

Kokuei: (Você está vendo isso? Está exatamente onde te disse. A origem dos Mandamentos… o lugar onde o primeiro foi escrito.)

Kazuhiko cerrou os punhos. O Mestre Ancião percebeu a sutil mudança em sua postura.

Mestre Ancião: — Kazuhiko... algo a dizer?

Ele hesitou por um instante, então deu um passo à frente, a voz firme, mas contida.

Kazuhiko: — Antes da batalha... Alguém me falou sobre esse lugar. Disse que os Mandamentos só poderiam ser completamente destruídos onde foram originalmente escritos. O Monte Sinai.

Um burburinho leve percorreu os outros caçadores.

Andressa: — Você está dizendo que... eles têm um ponto de origem?

Kazuhiko: — Não só origem... mas uma conexão que os mantém “vivos”. Eu consegui marcar Dominus. Uma simples cicatriz. Isso... não deveria ter sido possível. A não ser que... — ele respirou fundo — ...aquela ligação tenha sido enfraquecida.

O Mestre Ancião girou levemente o bastão, pensativo.

Mestre Ancião: — Há muito... rumores circulavam sobre uma tábua enterrada sob o Sinai. Uma tábua que não foi dada por Deus... mas forjada por algo mais antigo. Mais cruel.

— Se o que diz é verdade, então os Mandamentos não são leis divinas... mas selos. Correntes. E agora... as correntes estão se rompendo.

Ezra cruzou os braços, tenso.

Ezra: — Quer dizer que se chegarmos lá... poderíamos cortar essa conexão?

Mestre Ancião: — Ou libertar algo ainda pior. Mas se ignorarmos... o mundo não resistirá à próxima manifestação.

A sala caiu em silêncio por um momento. E no centro disso, a sombra do Monte Sinai queimava como um farol, mas antes de qualquer um continuar, Ibrahim levantava a mão, indicando que ia falar logo em seguida.

Ibrahim: — Um momento, algo não está certo aqui. Eu sou um cristão devoto, e li a Bíblia diversas vezes. Posso falar com convicção que... essa tábua foi entregue por Deus, e Moisés foi quem a recebeu no Monte Sinai. Isso está escrito. É um fato.

A tensão no ar aumentou com a afirmação. Muitos dos caçadores assentiram discretamente, compartilhando da mesma dúvida. Até mesmo Zoya, que raramente se manifestava em assuntos religiosos, ergueu o olhar.

O Mestre Ancião manteve-se sereno, apoiando ambas as mãos sobre o topo do bastão, como quem segura o próprio tempo.

Mestre Ancião: — Ibrahim... o que leste foi a versão que nos deixaram. Aquela que os séculos purificaram com fé e apagaram com fogo. Mas o Sinai... escondeu mais do que uma tábua.

Kazuhiko: — Está dizendo... que a tábua dos Mandamentos não é a mesma que foi entregue por Deus?

O velho fez um leve gesto afirmativo com a cabeça.

Mestre Ancião: — A primeira tábua foi entregue... sim. Mas havia uma outra. Uma que não foi lida em praça pública. Uma que Moisés quebrou — não por desobediência... mas por medo.

— E é essa que jaz sob as areias do Sinai. A verdadeira origem das leis absolutas... os Mandamentos de Ruína.

Um silêncio pesado recaiu sobre a sala. Até mesmo os sons das máquinas cessaram, como se o próprio ar quisesse escutar.

Ryuji: — Você quer dizer que... a origem de tudo isso não foi Deus?

Mestre Ancião: — Nem tudo que desce do alto... é luz.

Andressa deu um passo à frente, cruzando os braços com expressão fechada.

Andressa: — Então por que não destruíram isso antes? Por que permitir que esse mal se mantivesse enterrado por tanto tempo?

Mestre Ancião: — Porque há pactos antigos... selos que só se rompem quando o mundo está maduro o suficiente para ruir. Alguém — ou algo — está rompendo esse ciclo. E nós... estamos chegando atrasados.

Kazuhiko fechou os olhos por um instante. A voz de Kokuei reverberava em sua mente como uma lembrança maldita:

Kokuei (anteriormente): “Eles são imortais. Mas se você conseguiu ferir Dominus, isso significa que sua ligação com o mandamento foi enfraquecida. Para destruí-los... você precisa ir ao local onde tudo foi escrito. O Monte Sinai.”

Kazuhiko (pensando): — Então tudo que eu ouvi falar não era apenas falas. Era um aviso, algo que nem mesmo os mandamentos sabem exatamente sobre a existência deles.

Mestre Ancião: — Uma expedição será formada. E deve partir em breve. A pergunta agora é... quem terá coragem de pisar onde até os anjos temem olhar?

Ryuji franziu o cenho, rompendo o silêncio.

Ryuji: — Só tem um problema, velho... eles são dez. Dez Mandamentos.

E nós? Nós somos só oito — isso contando com cada um ainda em pé, e mesmo assim... com feridas que mal cicatrizaram.

Wulfric: — E nem estavam lutando a sério... — completou, massageando a faixa em seu abdômen. — Aquilo não foi uma guerra... foi um teste. Eles estavam testando as próprias existências. E a nossa, junto.

Zoya: — Como se fossem crianças brincando com a comida...

Ibrahim olhava para o holograma, em silêncio. A verdade pesava como chumbo: não estavam prontos. Não para dez entidades imortais que mal se esforçaram para quase destruí-los.

O Mestre Ancião fechou os olhos por um momento, refletindo, seus dedos longos e enrugados tamborilando suavemente sobre o bastão. Ele iria dizer algo, talvez reorganizar a missão. Mas antes que a palavra saísse de sua boca —

Um alarme sutil soou.

As luzes na sala piscaram uma única vez. Não como uma falha elétrica, mas como se o próprio espaço tivesse tremido. Um portal de névoa pálida começou a se formar na entrada do salão, como um véu sendo rasgado de dentro pra fora.

Kazuhiko virou-se imediatamente.

O instinto avisava: algo poderoso estava se aproximando.

Do centro da distorção, uma figura encapuzada surgiu, vestes escuras cobertas por um manto de poeira e cicatrizes. O ar ao redor dele parecia pesado... faminto.

Um silêncio mortal tomou a sala.

Ezra: — ...Não pode ser.

A figura se aproximou lentamente, sem demonstrar ameaça, até que parou a alguns metros do grupo. Levou a mão à lateral do capuz... e puxou lentamente para trás.

A máscara metálica refletiu a luz. Um símbolo antigo gravado sobre ela: um cálice esvaziado. Enquanto os ossos de seu rosto pareciam mais evidentes, como se ele tivesse se tornado mais morto-vivo que nunca.

Nergal.

O Ex-Cavaleiro da Fome.

Nergal: — Vocês estão certos. Vocês estão em desvantagem.

Mas eu... sei como nivelar essa guerra.

Kazuhiko arregalou os olhos. A presença dele era inconfundível — o mesmo ser que o enfrentou no passado no apocalipse, e que desapareceu do campo de guerra... Agora reaparecendo do além no meio da base Aetherbond.

Mestre Ancião, pela primeira vez, pareceu surpreso. Ele apertou o bastão com mais força.

Mestre Ancião: — Nergal... achei que havia abandonado tudo. Inclusive sua própria natureza.

Nergal (calmo): — Eu abandonei a fome... mas não a responsabilidade.

E se vocês querem sobreviver ao que está vindo... vão precisar da minha ajuda. E da de outros como eu, por isso... Eu irei ajudar vocês, mas apenas desta vez, venham.

Com um estalo de dedos, duas figuras divinas apareciam ao lado dele, um era tão grande e musculoso que deixava a sua armadura angélica completamente destacada, enquanto o outro era um simples, porém com uma aura estranhamente poderosa.

Nergal: — Gabriel e Castiel.

O ar na sala parecia congelado quando as duas figuras surgiram ao lado de Nergal.

Castiel, o maior entre eles, era uma montanha de músculos envolta por uma armadura angélica imponente. O brilho dourado do metal refletia como se carregasse o próprio sol. Seu rosto, parcialmente encoberto por cicatrizes e o tempo, exalava autoridade — não apenas de um guerreiro, mas de um comandante celestial. Seus olhos penetrantes varreram o salão com frieza, parando brevemente em Kazuhiko.

Gabriel, por outro lado, tinha uma aparência simples. Vestes claras, desprovido de armadura, como se carregasse a guerra apenas no espírito. Seus olhos tinham uma profundidade serena, mas também uma clara hostilidade ao ver o garoto de olhos vermelhos ali.

Gabriel: — Então ele ainda está entre vocês...

Castiel bufou, cruzando os braços. A voz dele soou como trovão abafado.

Castiel: — E ainda finge ser um de vocês. Típico.

Kazuhiko não respondeu. Apenas sustentou o olhar dos dois, sabendo bem o motivo da hostilidade. Havia salvado ambos, sim... mas o mal dentro de si jamais deixaria de causar repulsa para seres como eles.

Kazuhiko (pensando): — Eles me odeiam... e mesmo assim, estão aqui.

— Isso significa que o mundo está pior do que imaginei.

Nergal então voltou o olhar para Kazuhiko. Seus olhos fundos e cinzentos pareciam pesar memórias antigas. Um momento de silêncio se formou entre os dois.

Nergal: — Kazuhiko... Eu lembro da nossa promessa. Que depois de tudo... tu ficaria longe de guerras. Longe de tudo. Mas... — ele soltou um suspiro — parece que isso era inevitável.

Ezra olhava a cena, visivelmente desconfortável.

Ezra: — Isso aqui tá parecendo uma reunião de exilados...

Zoya: — Mas exilados que podem salvar o mundo. Eu prefiro isso do que mais um cemitério.

Arjun ainda se manteria fixo, apenas olhando tudo aquilo com uma leve indignação.

Mestre Ancião se adiantou um passo, sua voz recobrando firmeza.

Mestre Ancião: — Gabriel. Castiel. Vocês não estão aqui por vontade ou afeição... estão por necessidade. Assim como Kazuhiko. Então deixem de lado suas feridas, ou enterrem-nas depois.

Gabriel: — Eu não esqueço o que vi dentro dele na guerra santa. — disse com firmeza, apontando discretamente para Kazuhiko.

Castiel: — Nem eu. Ele pode ter nos ajudado... mas esse garoto ainda é um precipício esperando cair. E quando cair... vai arrastar todos juntos.

Nergal: — Mesmo assim, ele foi o único a encarar Dominus e sair inteiro. Isso... nenhum de nós conseguiu.

O silêncio se estabeleceu. Uma tensão invisível pairava, mas também... um entendimento. Não havia tempo para rancores.

Mestre Ancião: — Então que comece a preparação.

— Anjos, caçadores, ex-cavaleiros e portadores do impossível...

— A Terra não será salva por ideais — mas por união.

— E a próxima guerra... será no lugar mais sagrado que já existiu.

Kazuhiko, sem virar o rosto, murmurou baixinho:

Kazuhiko: — Monte Sinai... Que venham os fantasmas do passado. Estou pronto.