Deserto do Saara — Região de Atar, 11:02 AM
O sol lançava uma luz inclemente sobre os caçadores. A areia vibrava sob seus pés como brasas ocultas. O céu, de um azul implacável, parecia zombar de suas armaduras pesadas e vestimentas especializadas. O deserto parecia interminável — uma tapeçaria de calor, silêncio e julgamento.
Wulfric ofegava alto, quase desabando. Suas costas arrastavam rastros na areia quente, enquanto Arjun, em silêncio absoluto, o puxava como se carregasse um saco de pedras.
Wulfric: — Huff... Estamos chegando?
Arjun não respondeu, apenas lançou um olhar lateral e continuou com o ritmo constante. Era como uma locomotiva espiritual, movida por um tipo de fé antiga.
Andressa: — Já está reclamando? Pensei que tu era o responsável por esse continente antes.
Wulfric: — Sim, mas... parece que ficou bem mais quente do que da última vez que estive aqui.
Ezra, que vinha um pouco à frente, caminhava com passos pesados e constantes, sua vestimenta de caçador absorvendo o calor e transformando-o em pulsos sutis de energia espiritual que vibravam em seu peito.
Ezra: — Pare de tagarelar, isso deve ser o efeito estufa agindo na sua bunda. Não estamos nem a cinco horas caminhando.
Ibrahim, que caminhava logo ao lado de Zoya, mantinha o ritmo firme, seus pés quase não afundando na areia — o resultado de anos de disciplina física e mental.
Ibrahim: — Quando servia no norte da África, costumávamos dizer que o Saara era um teste de fé. Aqui, o corpo trai a mente, e só quem acredita que vai sobreviver realmente sobrevive.
Zoya: — Uma filosofia bonita... mas se eu for picada por mais uma criatura rastejante, não prometo que não vou incendiar o próximo quilômetro de deserto.
Viktor, com o seu braço monstruoso meio enfaixado, caminhava junto com o grupo enquanto coçava sua cabeça.
Viktor: — Boa sorte em achar algo pra incendiar além de areia. E se tu for fritar algo, espera eu terminar essa caminhada — nunca comi escorpião assado.
Ryuji, um pouco mais sério que o habitual, caminhava ao lado de Kazuhiko. Seus olhos percorriam o horizonte sem fim, atentos a qualquer distorção espiritual ou presença oculta.
Ryuji: — Alguma sensação, Kaz?
Kazuhiko apertou os olhos, desviando o olhar do céu ofuscante.
Kazuhiko: — Não uma presença... Mas há algo neste deserto que não pertence à Terra. É como se o tempo estivesse... afundando em si mesmo.
Ezra parou brevemente, retirando o cantil de água e molhando a língua, sem desperdiçar uma gota. Seu tapa-olho escondia mais que um ferimento — ocultava a pressão constante de enxergar além do que é humano.
Ezra: — Eu também sinto. Desde que cruzamos Atar, o calor não é só físico. Existe algo enterrado aqui... e não estou falando de areia ou cadáveres. Isso é energia vazia... e antiga.
Andressa: — Então acelerem. O próximo ponto de parada é uma formação rochosa onde supostamente existia um posto de vigilância espiritual, há séculos desativado. Podemos usar como abrigo temporário e recalibrar a rota.
Arjun: — Cuidado com a travessia do Vale das Cinzas. Se nossos cálculos estiverem certos, há uma fissura dimensional entre lá e a região de Tamanrasset. Pode estar instável.
Zoya: — Mais instável que o temperamento do Castiel?
Castiel, que caminhava poucos passos atrás, lançou um olhar fulminante para Zoya. O escudo celestial em suas costas emitiu um leve ruído metálico, como se protestasse junto com seu dono.
Castiel: — Repita isso no campo de batalha, e veremos quem permanece inteiro até o fim da travessia.
Zoya apenas ergueu uma sobrancelha com um meio sorriso, mas não retrucou. Sabia o quão tênue era a linha entre provocar e desafiar Castiel.
Ibrahim: — Não brinque com isso, Zoya. Uma falha ali pode nos arrancar do plano físico sem aviso.
Viktor: — Perfeito. Um deserto onde até a areia pode te deletar da existência.
Gabriel, mais calmo, caminhava um pouco à frente com os olhos semicerrados, observando as distorções térmicas ao longe. Ele parecia analisar não apenas o que via, mas o que sentia vibrar no plano etéreo.
Gabriel: — Há algo sutil demais para ser uma emboscada comum. Não vejo presença definida, mas... uma intenção está flutuando neste deserto. Como uma prece sem boca, aguardando resposta.
Kazuhiko seguia em silêncio. A cada passo, sua mente se tornava mais pesada. A areia não apenas aquecia sua pele — ela puxava lembranças, fragmentos, ecos. Sonhos onde ele afundava num mar de pó vermelho, enquanto vozes gritavam dentro dele por salvação. Gritos de outros... ou seus próprios?
A sombra de Kokuei se agitava como uma serpente de fumaça no canto de sua mente. Não falava, não guiava — apenas observava.
Foi então que o vento cessou. Como se o mundo prendesse a respiração.
O calor se intensificou, não de maneira comum, mas sufocante. O tipo de calor que fazia os olhos lacrimejarem e o sangue pulsar como lava. Um peso invisível caiu sobre todos, e o grupo parou ao mesmo tempo, instintivamente.
Andressa: — Posição de combate. Isso não é natural.
A areia começou a se agitar. Não por vento — mas por energia.
Uma onda de calor espiritual — invisível, porém densa como mercúrio — passou entre eles. Os cabelos e roupas balançaram com força, e o próprio chão pareceu vibrar sob seus pés. A areia ganhou um brilho sutil, dourado e pálido, como se estivesse absorvendo uma lembrança esquecida do mundo.
Ezra levou a mão ao cabo de sua arma-veste. A lâmina viva que se ocultava em suas roupas reagia, pulsando como um coração secundário em seu peito.
Ezra: — ...Estamos sendo vigiados.
Castiel sacou o escudo e fincou-o na areia, preparando-se para interceptar qualquer forma material. Sua postura era firme, como um bastião celestial ainda de pé mesmo em tempos de ruína.
Gabriel: — Não é um inimigo comum. Isso... isso é como o olhar de uma entidade que já morreu, mas ainda recusa desaparecer.
Kazuhiko: — Não. Não é só vigilância. É como se... alguma coisa estivesse esperando.
O silêncio caiu de novo, denso e pesado.
O sol parecia ter parado de se mover. A própria luz tremia no ar.
E então, um som baixo, quase imperceptível, ecoou de longe. Como uma música esquecida, entoada em uma língua anterior à criação. Um sussurro coletivo, vindo das dunas.
O sol parecia ter parado de se mover. A própria luz tremia no ar.
E então, um som baixo, quase imperceptível, ecoou de longe. Como uma música esquecida, entoada em uma língua anterior à criação. Um sussurro coletivo, vindo das dunas.
Era o deserto falando.
Viktor: — Estão escutando? Tou ouvindo sussurros no meu ouvido.
Ezra: — Hm? Isso é estranho, pois eu não estou ouvindo nada além de vocês e o vento.
Gabriel ergueu uma sobrancelha, seus olhos celestiais analisando o ar à frente como se lesse códigos ocultos no calor.
Gabriel: — Não são sussurros reais... São ecos espirituais. Fragmentos de um tormento antigo que ainda flutua no Saara.
Kazuhiko, calado, sentia uma coceira crescente na nuca. Primeiro leve, quase insignificante. Depois, como algo se movendo sob sua pele. Ele instintivamente passou a mão... e parou. Suas pontas dos dedos tocaram algo minúsculo. Um ponto. Depois outro.
Zoya deu um passo para trás, apertando os olhos:
Zoya: — Espera... tem algo errado com o ar. Está... se movendo.
Ela não estava errada. Pequenas formas pretas começaram a dançar contra a luz — tão minúsculas quanto poeira, mas vivas. Incontáveis.
Ryuji: — Isso não são poeiras... São insetos. Pequenos demais... e muitos demais.
Castiel levantou seu escudo no mesmo instante em que uma nuvem escura atravessou o céu, silenciosa, como um sussurro vindo das entranhas da Terra.
Andressa: — Formem um círculo. Agora.
O som agora era nítido: zumbidos. Um som viscoso, quase molhado, como se moscas estivessem batendo asas em carne crua.
Então ele surgiu.
No alto de uma colina de areia, uma figura encapuzada, de aparência quase humana... mas em constante distorção. Seu corpo parecia feito de véus de carne seca e pele desidratada. Suas vestes eram escuras, mas se moviam como se estivessem vivas. Atrás dele, uma nuvem de moscas e piolhos formava um manto. E de seus pés, larvas rastejavam para dentro da areia.
???: — Quantas gerações passaram... desde que amaldiçoei esta terra...
Sua voz era dupla — uma masculina, rouca, e outra infantil, sussurrando logo abaixo.
Kazuhiko: — O que é isso? É um dos mandamentos?!
Gabriel: — Não, é uma manifestação viva... de uma das maldições antigas. Isso não é um demônio comum. É uma ruína encarnada.
???: — Eu fui o terceiro... Piolhos... Fui esquecido. Fui amaldiçoado... Mas a terra me lembrou. O vento sussurrou. E agora, eu caminho.
Ezra, com sua mão firme sobre o coldre-veste, estreitou o olhar:
Ezra: — Nome?
A criatura inclinou a cabeça, como se sorrisse por baixo do capuz.
???: — Eles me chamam de Ereth-Zin. O Infesto. Maldito por uma praga que jamais foi curada.
Arjun: — Ele está fora de sintonia... mas não completamente. É como se vivesse entre planos.
Ibrahim ergueu o braço, protegendo o rosto, já coberto de insetos minúsculos.
Ibrahim: — Não consigo enxergar direito... Eles estão entrando nos olhos...
Ereth-Zin levantou o braço e todos os insetos pararam no ar, pairando como uma tempestade engarrafada.
Ereth-Zin: — Vocês estão indo a um lugar que não pertence a vocês. O sagrado não suporta os corrompidos. Então digam...
Ele deu um passo, e a areia ao redor apodreceu. A cor da duna se transformava em um tom enegrecido, como se a própria terra rejeitasse sua existência.
Ereth-Zin: — ...quem entre vocês está pronto para ser purificado pela praga?
Wulfric limpava o suor do rosto, olhando desconfiado para a figura disforme no topo da colina.
Wulfric: — Estranho... Olhando daqui ele não parece nem um pouco forte. Parece mais um andarilho que comeu areia demais.
Ezra deu um sorriso enviesado, o brilho tênue surgindo por trás de seu tapa-olho. O símbolo cravado sob a bandagem queimava como uma runa viva, respondendo à energia sutil no ar.
Ezra: — Talvez ele nem precise ser.
No mesmo instante, Kazuhiko cambaleou um pouco. Não era fadiga física — era como se algo dentro dele estivesse sendo drenado. Uma sensação parecida com quando lutou contra Dominus, mas... menor. Mais sorrateira.
Kazuhiko: — ...Algo está sugando minha energia.
Zoya olhou em volta com olhos alertas, estendendo a mão e conjurando um selo de leitura espiritual no ar com seu telescópio. Quando o círculo se completou, ela empalideceu.
Zoya: — Ele já começou. Todos nós estamos infectados.
Gabriel: — Ele espalhou os parasitas antes mesmo de aparecer... um campo passivo de infestação espiritual.
Ibrahim, que começava a sentir os músculos pesarem, amaldiçoou baixinho em árabe e arrancou parte da manga da camisa, revelando pequenas marcas escuras subindo pelo braço — como larvas sob a pele.
Ibrahim: — Que desgraça é essa...
Andressa: — Piolhos espirituais. Minúsculos demais pra serem sentidos... mas sugam energia vital, espiritual, e até resquícios de bênçãos.
Ereth-Zin deu uma gargalhada seca, como alguém rindo de dentro de um túmulo raso.
Ereth-Zin: — A morte pelo corte é um favor... mas morrer aos poucos, sendo esvaziado... isso sim é purificação.
Castiel rangeu os dentes e pisou à frente, luz celestial irradiando de seu escudo. As partículas ao redor dele foram incineradas quase instantaneamente.
Castiel: — Isso funciona. Energia sagrada em alta frequência queima os parasitas.
Ezra: — Então vamos limpar.
Ezra estalou os dedos, e sua veste-arma se remodelou em fragmentos negros que voaram em círculos ao seu redor. Quando pousaram, um clarão se expandiu — não ofensivo, mas de purificação. Uma luz que parecia vir de dentro da alma do caçador.
Ezra: — Hora de tosar esses malditos piolhos.
A fumaça espiritual que saiu dos corpos contaminados revelou milhares de pequenos pontos sendo queimados — saindo da pele, das vestes, até dos olhos de alguns membros. O ar finalmente pareceu aliviar por um momento... mas Ereth-Zin não se moveu.
Viktor: — Ele nem parece se incomodar que a gente esteja matando seus bichos.
Arjun: — Porque ele não os controla. Ele é eles.
No topo da colina, Ereth-Zin começou a se desfazer. Seu corpo se abriu em milhares de pequenos fragmentos, se espalhando no vento como um enxame inteligente. Uma figura vazia ficou ali, uma casca esfarelando, enquanto os enxames desciam em forma espiral sobre os caçadores.
Ereth-Zin (voz etérea): — Vocês podem cortar a carne. Mas quem toca a essência... toca o espírito. Me matem, e matarão apenas o invólucro.
Kazuhiko olhava para o céu. Pela primeira vez desde que chegaram ao Saara, o azul parecia... doente. Como se a própria atmosfera estivesse sendo consumida por uma febre esquecida pelos séculos.
Kazuhiko: — Ele não quer nos matar... Ele quer nos quebrar antes de chegarmos em Jerusalém.
Andressa: — Como um prenúncio. Um teste.
Gabriel: — Não. Parece ser mais um lembrete.
Castiel: — De que até as pragas esquecidas... também marcham para Jerusalém.
Um vento escaldante percorreu o grupo, como um sussurro da própria terra amaldiçoada. A marca de Ereth-Zin ainda pulsava, não em seus corpos... mas em suas presenças. Uma energia parasita, faminta, como se o próprio deserto tivesse ganhado olhos.
Ezra observava o horizonte com atenção, sua mão sobre a empunhadura do coldre de sua veste-arma, o tapa-olho iluminado com um brilho sutil e místico.
Ezra: — Ereth-Zin não é um obstáculo passageiro. Ele está se alimentando da nossa energia, nos testando. Se deixarmos que continue... não chegaremos ao Sinai.
Ryuji: — Então vamos arrancar essa praga da terra antes que ela se enterre ainda mais.
Ibrahim: — Cuidado. Algo assim não age sozinho. Se for uma das Pragas... há mais deles espalhados.
Zoya: — Como se o próprio Êxodo tivesse reencarnado para nos barrar.
O grupo retomou a marcha, agora com um foco renovado. As pegadas na areia vinham acompanhadas de um novo tipo de tensão — não o medo da morte... mas da falha. A falha em alcançar a verdade, a falha em impedir o fim que se aproxima.
Ereth-Zin os observava, invisível, como parte do próprio chão.
Seu sussurro ecoava por entre os grãos quentes:
Ereth-Zin (em sussurro): — Eu serei o primeiro de dez. E cada um de nós... carregará uma cicatriz diferente até suas almas serem despidas diante do templo.
A tempestade espiritual se agitava nos céus.
E com isso, se iniciava uma nova fase da jornada.
Mini-saga: As Dez Pragas
Continua no próximo capítulo.