As Pragas do Egito

Deserto do Saara — Região de Atar, 11:08 AM

Andressa: — Temos que ir rápido! Não sabemos quando aquele cara vai aparecer novamente, isso se, não aparecer mais que um!

Os caçadores atravessavam as dunas em formação apertada, o vento quente os açoitando como lâminas invisíveis. Monumentos soterrados pela areia e estruturas de pedra milenarmente corroídas surgiam e desapareciam entre as tempestades — lembranças silenciosas de um mundo que já teve reis, guerras e deuses. Agora, tudo estava entregue ao esquecimento.

Wulfric resmungava enquanto se mantinha ao lado de Arjun, que mantinha um silêncio quase ritual, os olhos fixos no horizonte.

Wulfric: — Que tipo de entidade é essa que aparece, nos ameaça e simplesmente desaparece, nos deixando ir?! Por acaso ele acha que isso é uma brincadeira??

Gabriel, mesmo com os pés afundando levemente na areia, mantinha sua postura elegante e tranquila.

Gabriel: — Creio que não, ele deve ter um motivo. Talvez avisar aos outros... ou simplesmente por que ele tinha alguma outra razão desconhecida pra nos deixar. Algo tático.

Castiel bufou, sua expressão impaciente. A armadura angélica reluzia em tons dourados e escarlates sob o sol inclemente.

Castiel: — Hmph! Aposto que ele foi chamar reforços. Ele até pode ser uma entidade que representa uma praga do Egito, mas somos dez. Ele nunca lidaria com isso sozinho.

Zoya, caminhando ao lado de Viktor, ergueu os olhos sob a viseira de seu capuz cerimonial, junto com a sua máscara que tampava a metade de seu rosto.

Zoya: — Não sei... Ele poderia potencialmente nos neutralizar, afinal... Aqueles piolhos espirituais são um problema real. Eles agem em nível etéreo. Quase indetectáveis.

Ezra, silencioso até então, coçou o queixo e seu tapa-olho brilhou brevemente com uma runa que só ele parecia entender. Sua voz, quando veio, carregava mais curiosidade do que preocupação.

Ezra: — O nome dele... Erith-Zin, não era? Hmmm... Não é só simbólico. É uma fusão de duas raízes arcaicas em hebraico e sumério. “Erith”, a pureza corrompida... e “Zin”, que era o nome do deserto onde Moisés peregrinou. Aquilo ali não é só um monstro. Ele é um conceito vivo.

Ibrahim, atento a cada palavra, caminhava logo atrás de Kazuhiko, analisando as pegadas que o grupo deixava. Com a palma da mão sobre o peito, ele ativava uma runa de rastreamento em sua roupa criada por Herl, tentando monitorar se estavam sendo seguidos.

Ibrahim: — Conceito vivo... Então estamos lidando com entidades que não são apenas poderosas, mas que incorporam ideias... maldições milenares. E se as Dez Pragas forem todas assim?

Um silêncio desconfortável caiu por alguns instantes.

Andressa parou, levantando o punho como sinal para o grupo fazer o mesmo. Ela estava ofegante, mas seus olhos examinavam o horizonte como uma predadora treinada.

Andressa: — Vejam aquilo.

Ao longe, uma antiga cidade em ruínas emergia parcialmente das areias. Colunas quebradas, muralhas rachadas e torres afundadas — tudo marcado por símbolos egípcios e escrituras de um tempo antes da linguagem moderna.

Ryuji se aproximou, puxando seu manto para proteger o rosto da tempestade de poeira iminente.

Ryuji: — Essa cidade não estava em nenhum mapa da Aetherbond. Deve ter emergido com as movimentações espirituais.

Viktor, encarando o lugar com olhos semicerrados, respondeu:

Viktor: — Parece que encontramos a primeira parada antes de Jerusalém. E algo me diz que não estamos sozinhos aí.

Kazuhiko, até então calado, se ajoelhou e pegou um punhado de areia avermelhada. Observava os grãos escorrendo entre seus dedos. A textura não era comum. Era mais... áspera. Corrompida.

Kazuhiko: — Essa cidade foi... sacrificada.

Todos se viraram para ele.

Kazuhiko: — Algo ou alguém drenou tudo aqui. Energia vital, memória... até mesmo tempo. Esse lugar está morto de um jeito que nem o inferno reconheceria.

Ezra se aproximou, seus olhos por trás do tapa-olho fixos na cidade.

Ezra: — Então é aqui que ele quer nos testar...

Andressa: — O que sugere?

Ezra: — Entramos em formação. A cidade pode estar vazia... ou pode estar cheia de lembranças hostis. Seja como for, Erith-Zin deixou isso aqui por uma razão.

Gabriel tocou o chão com dois dedos, e uma pequena luz dourada espalhou-se num círculo ao seu redor.

Gabriel: — Os véus aqui são finos. Há muita interferência espiritual... e fragmentos de dor. Cuidado onde pisam.

Castiel ajustou sua armadura e estalou o pescoço.

Castiel: — Que venham os malditos. Já estou cansado de sussurros e piolhos.

Kazuhiko olhou para cima. As nuvens, raras no Saara, formavam espirais, como se o próprio céu se contorcesse.

Kazuhiko: — Hmm...

Kokuei: (Você entende o que está acontecendo ao seu arredor?)

Kazuhiko: (Muita coisa pra lidar pra ser sincero, além de me preocupar de lidar com os mandamentos, agora tem o Erith-Zin e as outras pragas pra lidar, como se não parasse de aparecer inimigos conforme a gente passa, o que não faz sentido, nada disso estava acontecendo quando estava em Fukuoka.)

Kokuei: (Entendo... Então tu ainda não entende completamente. Acho que posso te dizer uma parcela do que está havendo)

Kazuhiko: (Espera, Kokuei... Você está me dizendo que sabe o que realmente está havendo? Por quê você não simplesmente diz pra mim?)

Kokuei: (Olha, tudo que posso dizer no momento é que essas pragas... não nasceram agora. Elas são fragmentos do passado. Daquilo que foi enterrado, mas nunca resolvido.)

Kazuhiko: (Do passado? Mas o que isso tem a ver com o mundo de hoje?)

Kokuei: (O tempo mudou, Kazuhiko... mas o coração humano não. A diferença entre aquele mundo antigo e o teu agora... é a maquiagem. Os erros são os mesmos. Só que agora, vocês fingem que aprenderam.)

Kazuhiko: (Então essas pragas... são reflexos?)

Kokuei: (São ecos. Consequências de um passado que vocês tentaram esquecer. Mas sabe o que acontece quando algo é esquecido por tempo demais?)

Kazuhiko: (…Se torna uma lenda?)

Kokuei: (Não. Se torna uma maldição.)

Kazuhiko: (Entendo... Será que ocorreu algo no passado que também influenciou isso tudo de acontecer?)

Kokuei: (Mais do que você imagina. As pragas... os mandamentos... até mesmo a ausência de Deus. Nada disso é coincidência. Tudo começou muito antes de você nascer. Muito antes dos caçadores... do céu... do inferno.)

Kazuhiko: (Está falando como se o passado fosse um catalisador de tudo.)

Kokuei: (Porque foi. Cada geração carrega o fardo da anterior. Mas em algum ponto, alguém jogou esse fardo fora. Ignoraram o custo... quebraram a balança.)

Kazuhiko: (E agora... o mundo está cobrando o preço.)

Kokuei: (Não o mundo, Kazuhiko. O conceito de realidade. As pragas não são só castigos. São memórias que querem ser vistas... sentidas. Elas querem existir novamente — mesmo que para isso, precisem apagar o presente.)

Kazuhiko fechou os olhos por um instante, sentindo a pressão espiritual no ar crescer. Os ventos do deserto gritavam com uma raiva ancestral.

Kazuhiko: (E se tudo isso for uma consequência... quem foi o responsável por começar?)

Kokuei: (Essa é a pergunta errada.)

Kazuhiko: (Então qual é a certa?)

Kokuei: (Quem vai ter coragem de terminar?)

Antes de que Kazuhiko respondesse, Ryuji tocava no ombro do jovem.

Kazuhiko piscou lentamente, voltando seus olhos para Ryuji. A voz de Kokuei se calava como uma cortina sendo puxada de volta para o fundo de sua mente.

Kazuhiko: — É... eu sei. Só estava... ouvindo o deserto.

Ryuji arqueou uma sobrancelha, desconfiado, mas deu um leve sorriso.

Ryuji: — Desde que o deserto não comece a responder de volta, tá tudo certo.

Wulfric (ofegante): — Eu juro que vi uma sombra se movendo entre aquelas casas ali... — ele apontava para um conjunto de ruínas secas mais à frente.

Andressa: — Vamos em formação. Arjun, você e Ibrahim cuidam do flanco esquerdo. Castiel e Gabriel cobrem a retaguarda. Ezra e eu vamos no centro. Ryuji, Viktor, Kazuhiko e Wulfric, flanco direito.

Ezra, ajeitando o tapa-olho, murmurou:

Ezra: — Lembrem-se... a cidade pode estar morta, mas isso não significa que está vazia.

Zoya pegava seu telescópio em miniatura, e olhava na lente, vendo várias palavras invisíveis e energias residuais.

Zoya: — Algo aqui está... escrevendo palavras que não são minhas. Este lugar tenta narrar sua própria história, como se fosse uma entidade viva.

Gabriel: — Isso confirma minha suspeita... a cidade foi contaminada pelo rastro espiritual da praga. Tudo aqui é extensão dele — paredes, vento, até os pensamentos mais fracos.

Castiel: — E quanto mais perto chegarmos do epicentro, mais difícil será manter a clareza.

O grupo começou a se mover entre becos estreitos e avenidas abandonadas. As construções de barro estavam secas e rachadas, mas algumas ainda continham pinturas antigas que agora pareciam ter sido deformadas — como se os rostos retratados estivessem gritando em silêncio.

Viktor caminhava em silêncio até resmungar:

Viktor: — Esse lugar fede a lembrança. Não história... lembrança. E isso me dá arrepios.

Arjun, impassível, apenas comentou:

Arjun: — Porque essa cidade não morreu... Ela foi esquecida. E agora está gritando pra existir de novo.

O grupo prosseguia, e o ar parecia cada vez mais denso, como se o próprio tempo estivesse tentando segurá-los, forçando seus passos a pesarem mais.

E então, no final de uma rua estreita coberta de poeira e silêncio...

Uma porta se abriu sozinha.

Do interior escuro, uma voz fraca e cheia de estática — como se falasse por meio de uma memória deteriorada — ecoou:

???: — Um entre vocês... carrega a chave. Mas qual deles está disposto a perder tudo... para descobrir o que tranca?

Kazuhiko congelou por um instante, seu olhar voltando ao céu. As nuvens acima se moviam em círculos concêntricos... como se a própria realidade estivesse girando em torno de uma resposta que ninguém queria dar.

O silêncio que se seguiu foi absoluto — tão denso que até o vento pareceu cessar por um segundo. Todos os caçadores congelaram em seus passos, os olhos fixos naquela porta semiaberta, onde o escuro parecia se alongar para além das leis naturais.

Ezra deu um passo à frente, sua mão pousando suavemente sobre o cabo da arma-veste em forma de casaco longo. A luz de seu tapa-olho brilhou levemente, como um sinal de advertência.

Ezra: — Isso não é apenas um aviso... é um convite. E não um dos bons.

Andressa: — Nenhum de nós falou. Aquela voz sabia que estávamos aqui. Sabia sobre a chave...

Gabriel, com os olhos dourados semicerrados: — E mais importante... sabia que só um de nós pode abri-la. O que significa que a cidade não nos quer mortos. Não agora.

Castiel, apertando os punhos: — Isso não é uma armadilha comum. Essa voz... ela carrega eco. De eras. Isso foi feito por uma praga, mas foi alimentado por arrependimento.

Ryuji colocou a mão no ombro de Kazuhiko:

Ryuji: — Está tudo bem?

Kazuhiko respirou fundo, como se algo invisível estivesse pressionando seu peito.

Kazuhiko: — Eu... Não sei...

A frase saiu como um sussurro arrastado, carregado não de fraqueza, mas de um peso que nem ele sabia nomear. Era como se a areia do deserto não estivesse apenas sob seus pés, mas dentro de seus ossos.

Ryuji apertou levemente o ombro do amigo, seu olhar suavizando.

Ryuji: — A gente tá junto nessa. Você não precisa carregar o mundo sozinho.

Kazuhiko abaixou os olhos por um instante. Uma parte dele queria acreditar nisso. Queria mesmo. Mas algo dentro dele — algo que sussurrava com a voz de Kokuei, que ardia nas marcas dos pecados — dizia que no fim, ele seria o único diante da resposta final.

Kokuei (em sua mente): (Você sente isso, não sente? A cidade não apenas espera... ela reconhece você.)

Kazuhiko fechou os olhos, inspirando fundo. O cheiro da areia era misturado com um leve aroma de ferro antigo e incenso queimado — quase como um templo profanado.

Kazuhiko: — Então vamos terminar o que começamos.

Ibrahim, segurando seu colar sagrado, deu um passo à frente:

Ibrahim: — Bem, eu apoio essa idéia, tenho uma leve impressão que temos que realizar algo por aqui antes de prosseguirmos pro Israel.

Viktor: — Heh, só esperamos que não sejamos esquecidos ou mortos pelo o além.

Arjun, até então em silêncio, quebrou o ar denso com sua voz grave:

Arjun: — Seja como for, ninguém entra sozinho.

Ezra: — Concordo. Se essa cidade quer uma chave, ela que aceite nossas espadas junto.

O grupo se aproximou da porta. A cada passo, o ar ficava mais frio, mais denso... como se camadas de memórias mortas estivessem sendo remexidas sob seus pés.

Wulfric, com o rosto suado, mas olhos atentos: — Aposto que esse é só o primeiro portão. Essas pragas adoram testes.

Gabriel murmurou enquanto traçava um símbolo de proteção no ar:

Gabriel: — “Dez pragas foram lançadas sobre o Egito... dez pragas moldarão o novo deserto.”

Kazuhiko: — E pelo visto, a primeira... já está entre nós.

Ele tocou levemente na porta. Não havia maçaneta. Apenas símbolos antigos, enferrujados pela areia e tempo. Mas ao seu toque, eles brilharam em vermelho vivo — como um olho se abrindo.

A cidade tremeu levemente.

A porta se abriu por completo.

E atrás dela... um salão escuro repleto de estátuas humanas com rostos cobertos por véus de pano. As estátuas pareciam observar, cada uma representando um dos Dez Mandamentos. Mas estavam... deformadas. Como se a cidade estivesse zombando deles. Como se o deserto tivesse começado a criar sua própria fé.

Ezra sussurrou, mas sua voz carregava a tensão de uma revelação:

Ezra: — O que quer que esteja por trás dessa praga... está tentando pregar uma nova doutrina.

Andressa: — E nós... somos os hereges.

Continua.