A brisa fria da manhã serpenteava pelas janelas entreabertas, trazendo consigo o cheiro de pedra úmida e ervas distantes.
O silêncio do quarto era pesado, cortado apenas pelo leve estalar da madeira antiga sob o peso do tempo.
Lentamente, os olhos de Volk se abriram.
Volk — [O que... Aconteceu...]
A luz fraca iluminava o teto esculpido, revelando detalhes em relevo que contavam histórias de guerras e pactos antigos.
O colchão sob seu corpo era macio, um contraste gritante com a lembrança da última coisa que sentira: dor, caos, fogo.
Seu corpo estava enfaixado em pontos específicos, mas surpreendentemente leve.
Aos poucos, ergueu-se.
A sombra na porta fez seu coração acelerar por instinto.
Ali, parado, imóvel como uma pintura viva, estava Oliver.
Encostado no batente, braços cruzados.
Oliver — Acordou em.
Volk — O que rolou exatamente? Eu desmaiei?
Oliver — Hmrum.
Volk — Por quanto tempo?
Oliver — Mais ou menos... Três semanas.
Volk — Teve algum efeito colateral ou algo do tipo?
Oliver — Nah... Era pra tu acordar algumas horas depois, mas eu não deixei.
Volk — Qual o motivo de ter feito isso?
Oliver — Rolou algumas paradas, sentimos outros sinais dos fragmentos de luz.
Volk — Quantos exatamente?
Oliver — Noventa e nove, contando com o do drácula... Meio específico, mas né.
Volk — Como, caralhos, vocês pegaram tanto?
Oliver — Eu já disse, sentimos os sinais dos fragmentos, não é difícil achar um monstro brilhando amarelo e destruindo tudo.
Volk — Entendi... E agora?
Oliver — Que tal ver suas memórias?
Volk — Quanto eu recuperei?
Oliver — Eu tava usando a cultivação em tu, mas sinceramente, não parece que você recuperou boa parte, parece que esses fragmentos pegados foram inúteis, como se suas memórias estivessem em apenas um.
Volk — Belê... Mandar ver!
Oliver — Ótimo
Oliver respirou e estendeu sua mão, as linhas laranjas no braço brilharam levemente.
Volk — Você tá bem?
Oliver — Tá suave.
O painel de mana surgiu na frente do jovem e ele colocou sua mão.
A mana do detetive cobriu todo o ambiente e o quarto ficou mais escuro.
Nas memórias de Volk, era possível observar uma clareira banhada pela luz do entardecer.
No centro, uma mulher.
Os cabelos dela dançavam com o vento, o sorriso era leve, quase tímido, e os olhos… gentis.
Ela ria de algo bobo, ajeitando flores em uma pequena coroa trançada.
Volk a observava com um olhar que carregava reverência e medo de quebrar algo precioso demais.
A cena era calorosa, viva, quase tocável.
Mas como toda memória presa ao tempo, não durava.
O céu se tornava cinza.
A clareira queimava.
E entre os gritos e o sangue, a presença do pecado do Orgulho surgia.
Frio.
Imponente.
Implacável.
Oliver viu os olhos da mulher pela última vez.
Não havia dor neles… apenas decepção.
A cultivação cessou.
A conexão foi cortada.
Oliver recuou lentamente, o peso daquelas lembranças cravando fundo.
Volk permanecia em silêncio, imóvel, como se reviver tudo tivesse arrancado algo dele de novo.
A mana do detetive voltou ao normal.
Oliver — Quem era ela? Sabe dizer?
Volk — Minha... Esposa...
Oliver — Bem, você sempre volta depois que morre e perde algo, possivelmente perdeu a idade, então não é estranho você ter uma esposa, mas você lembra o nome dela?
Volk — Não... Não ainda... Só sei que... Ela morreu...
Oliver — Morreu não.
Volk — Como?
Oliver — Você provavelmente morreu mais que duas vezes pro pecado do orgulho.
Volk — O que isso quer dizer?
Oliver — Ele tá te torturando, já trabalhei com esse tipo de assassino, tortura pessoas próximas é pior que matar.
Volk — Mas ele não é um assassino, ele é um literal pecado capital.
Oliver — Pelas atividades dele nas suas memórias, ele é algo parecido, eu sei do que tô falando.
Volk — Mas e agora? A gente vai ir atrás dele?
Oliver — Não, não ainda, ele não não possue um portador, de acordo com Lethion, ele ainda é uma calamidade.
Volk — E qual o plano?
Oliver — Vou evoluir, ficar mais forte, é o necessário.
Volk — Qual sua motivação pra tudo isso? Sobre querer ser o mais forte.
Oliver — Eu não quero ser o mais forte, eu quero ser forte o suficiente pra deixar todos seguros sem precisar depender de outros meios ou pessoas.
Volk — E?
Oliver — Meu objetivo é trazer meu mundo de volta, viver naturalmente.
Volk — Você não parece esse tipo de pessoa.
Oliver — Eu sempre me culpo, Volk, por não ter feito nada pela minha mãe, pelo sumiço do meu pai, pelos ferimentos que os outros tiveram porque eu demorei ou porque achei que não se machucariam tanto.
Volk — Você se sacrificaria pra salvar todos?
Oliver — Já me sacrifiquei antes, me sacrificarei novamente, é assim que eu faço as coisas.
Volk — Eu não te entendo, eu só salvaria pessoas e coisas importantes pra mim.
Oliver — Salvar o mundo, para as pessoas que são importantes para mim, terem mais coisas importantes, para quando um dia eu não puder voltar, não sentirem minha falta.
Volk — Sinceramente, eu não entendo.
Oliver — Não precisa entender, enfim, saímos em duas semanas, então treine.
Volk — Belê.
Volk ficou no quarto, pensando no que poderia melhorar, enquanto isso, Oliver se dirigia até Raviel, que estava na biblioteca do palácio.
Oliver — Oi~
Raviel — Hm? OLIVER! Quer algo?
Oliver — Tô precisando de um daqueles seus frascos pequenos.
Raviel — Quem diria que o meu marido andaria no caminho da alquimia.
Oliver — Nah... Esse é seu trabalho, só vou fazer um teste mesmo.
Raviel — Entendi, um momento então.
A Succubus procurou no bolso do jaleco, tinha inúmeros frascos.
Raviel — Esse serve?
Oliver — Serve sim, obrigado.
Raviel — Na-na-não, cadê o pagamento.
Oliver — Meh... Tá bom vai.
Raviel — Fácil.
O detetive aproximou seu rosto do da mulher, seus lábios quase se tocaram, mas em um movimento rápido, retirou o frasco de sua mão e se afastou.
Oliver — Fácil.
Raviel — Isso não é justo.
Oliver — Pra mim é.
Oliver fez um cafuné em Raviel e se virou.
Raviel — Tsk, Tsk, esse homem.
Sentindo o fluxo de mana, o detetive caminhava até a vampira, para buscar algo valioso.
Não demorou muito e em poucos minutos, ele a encontrou debaixo de uma árvore.
Oliver — Oh, Nyx, me faz um favor.
Nyx — Claro, quer o que?
Oliver — Pode colocar aquele vírus que os vampiros soltam nesse frasco?
Nyx — Parece que você quer retirar veneno de cobra.
Oliver — É por uma boa causa.
Nyx — Certo... Me da ai.
Oliver entregou o frasco a mulher, e sem pensar muito, começou a liberar o virus pelas presas no frasco, uma quantidade pequena, mas letal.
Nyx — Aliás, eu tô precisando de sangue.
Oliver — Certo, mas uma rotina normal.
Nyx — Hehe.
A vampira se aproximou do pescoço do detetive e o mordeu, sugando uma pequena quantidade de sangue.
Nyx — Pronto.
Oliver — Certo... Eu vou sair agora, se me procurarem, diga que eu... Fui buscar algo.
Nyx — Tá bom.
Oliver se virou em direção as montanhas e com um salto, as atravessou.
E começou a corre em direção a água.
O lago estava silencioso.
Normalmente agitado por ventos ou animais, parecia congelado pelo próprio peso da presença de Oliver.
No centro, onde a profundidade era suficiente para engolir uma torre, o homem estava sentado.
Suas pernas cruzadas como se o próprio mundo tivesse decidido sustentá-lo.
O céu acima parecia conter a respiração.
Ele segurava o pequeno frasco com o vírus vampírico — um líquido verde, pulsante, como se tivesse vida própria.
Respirou fundo.
E então, ingeriu.
O vírus queimou sua garganta como ácido vivo.
No exato segundo em que o líquido alcançou seu estômago, algo respondeu.
As marcas dos seis pecados se acenderam ao mesmo tempo.
Lethion, Klythos, Lustara, Panthar, Caelith, Razen.
Todos sentiram que algo grande ia nascer.
As tatuagens místicas, antes discretas como cicatrizes antigas, se expandiram numa explosão de energia.
Tomaram seu pescoço, peito, costas, braços e pernas, como se tentassem cobrir cada centímetro de carne exposta.
Mas não era só isso.
O braço negro também reagiu.
Como se tivesse esperado por esse momento desde o início.
Ele pulsou uma vez.
Depois duas.
E então se expandiu.
Rachaduras surgiram pelo ombro até as costelas.
Linhas alaranjadas — antes finas e sutis — engrossaram como veias de magma, vibrando com poder bruto.
O braço cresceu, cobriu parte do tórax, avançou pelas costas e então… começou a se fechar.
Não era mais um braço.
Era um casulo.
Um casulo negro como o espaço, com listras laranjas pulsando como um coração acelerado.
Mas era mais do que aparência.
O tempo se distorceu.
O espaço ao redor de Oliver foi puxado como água descendo um ralo invisível.
Árvores próximas no reino dracônico tremiam.
O céu... rachava em finas linhas prateadas.
Dentro daquele casulo — entre camadas de energia, memória e essência — a alma de Oliver estava surgindo.
Não apenas se aproximando ao corpo.
Mas se unindo a ele.
A alma era uma entidade fria e firme.
O corpo, uma prisão de músculos, cansaço e lembranças.
E naquele momento...
Eles se olharam.
Não com olhos.
Mas com compreensão.
E colidiram.
Como se duas galáxias colapsassem no mesmo centro.
O impacto não fez som.
Mas todos sentiram.
O lago tremeu.
O casulo se rachou lentamente, como se quebrasse de dentro pra fora.
Cada pedaço que caía virava fumaça.
E quando se desfez por completo...
Oliver estava de pé sobre a água.
Respiração calma.
As marcas dos Pecados voltaram ao tamanho original, mas ainda brilhavam com intensidade rara.
O braço negro agora tinha dedos mais longos, com pontas afiadas como garras curvadas.
As linhas laranjas ainda pulsavam, mas agora ritmadas como um coração em paz.
Seus olhos estavam mais escuros, mas o vermelho surgia sutil nas bordas, como brasas prestes a reacender.
Seus dentes — antes humanos — agora denunciavam a mudança: um toque afiado, selvagem, oculto sob um sorriso calmo.
Oliver BlackWood não era mais o mesmo.
Nem corpo.
Nem alma.
E definitivamente... nem destino.
Oliver — Teoria confirmada... Dá pra evoluir a cultivação, usando ela mesma...
Em um piscar de olhos, o detetive já estava de volta no centro do palácio e todos apareceram.
Klythos — O QUE FOI ISSO?
Lustara — OLIVER?
Caelith — ISSO FOI MUITO ARRISCADO!
Razen — Espera... Você tá diferente.
Lethion — Se depois... Daquela explosão de mana... Ele não tivesse mudado... Seria preocupante...
Oliver — Tá suave... Foram só os preparativos para lutar contra o Orgulho.
Panthar — Mesmo que ele seja uma calamidade, acho que você ganha agora.
Razen — Quais habilidades vocês melhorou ou desbloqueou?
Oliver — Não sei ainda, vou ter que verificar.
Nyx — Pra que queria o vírus?
Oliver — Ah sim... Só pra ver se conseguiria adaptar a regeneração dos vampiros ao meu corpo, sem me tornar um vampiro.
Mizuki — Nunca vou entender essas suas idéias.
Hestia — Então quer dizer que o meu pai tá mais forte?
Oliver — Forte o suficiente, que nem mesmo se você congelar o planeta, você tocaria em mim.
Hestia — Quer apostar?
Melyris — Você fica forte rápido demais, isso não vai ter problema?
Oliver — Possivelmente sim, mas até lá, eu penso em como resolver.
Naylume — O papai é forte demais!
Melyris — Certo...
Oliver — Se preocupa não, não vou virar um monstro sem controle.
Melyris — Eu sei...
O clima estava ficando mais leve, até que... Uma batida simples na porta principal chamou a atenção de todos.
Oliver deu apenas um passo e chegou lá, todos ficaram mais impressionados ainda, mas quando o detetive abriu a porta, se deparou com uma figura familiar...
Hestia — Pai? Aconteceu algo?
Oliver — Sim...
Seus olhos começaram a lacrimejar, toda aquela presença ameaçadora dele havia sumido, caiu de joelhos.
Nyx — Oliver?
Raviel — Ei... Meu bem?
Mizuki — Quem é aquele?
Um homem, velho, de cabelos grisalhos, aproximadamente cinquenta anos.
Hestia, Melyris e Naylume sentiram uma leve agonia no fragmento de Oliver que tinham na alma.
Melyris — Espera... Aquele é...
Soryn saiu das sombras junto de Noctarion.
Noctarion — Aquele é?
Hestia — Nem ferrando... VOVÔ?
Todos se assustaram com aquela forma de chamar que Hestia havia falando.
Oliver — Pai...
Gideon — Há quantos anos... Meu filho...