"É possível fabricar um gênio?"
A vinheta se dissolveu para revelar um estúdio moderno, iluminado em tons sóbrios de azul e dourado. No centro do palco, sentado em uma poltrona de couro negro, estava um homem cuja presença parecia preencher o ambiente. Ele tinha um físico atlético, um tom de pele negra, um porte ereto e uma expressão de absoluta confiança. Seus cabelos eram ralos e crespos, e seus olhos perfurantes eram de um raro tom de roxo.
Ele manteve o silêncio por um instante, observando a entrevistadora com um sorriso que não demonstrava hesitação nem humildade. Então, inclinou-se ligeiramente para frente e respondeu com a mesma naturalidade de quem afirma que o sol nasce no leste:
"Eu sou a prova disso, não sou?"
A entrevistadora, uma mulher de traços elegantes e postura impecável, ergueu uma sobrancelha antes de prosseguir.
"Então você acredita que qualquer pessoa pode ser moldada para se tornar um gênio?"
O homem soltou uma risada breve, tamborilando os dedos no braço da poltrona.
"Não é questão de acreditar, mas de compreender um fato simples: talento não é um dom divino, é o resultado de um ambiente estruturado para o desenvolvimento máximo de uma mente. Mas quem está disposto a criar esse ambiente?" Ela ajeitou-se na cadeira, interessada. "László Polgár provou isso ao educar suas filhas de maneira intensiva e direcionada, transformando-as em prodígios do xadrez."
"Você diria que esse modelo pode ser aplicado a qualquer área do conhecimento?" Como uma boa comunicadora, ela se fez de desentendida, para dar a palavra a seu entrevistado.
"Sem a menor dúvida." Ele cruzou os dedos sobre o colo e inclinou-se levemente para trás. "Se uma criança for exposta desde cedo ao ensino correto, com disciplina e imersão total, ela inevitavelmente atingirá níveis muito acima da média. Mas aqui está a questão: o sistema educacional não é projetado para isso."
A entrevistadora manteve o olhar fixo nele. "Você está dizendo que o sistema de ensino é falho?"
"Falho?" Ele repetiu, como se achasse graça. "Falho da a entender que o erro seria acidental. O que acontece é intencional."
Ela piscou, surpresa. "Está sugerindo que há um interesse deliberado em manter a educação ineficaz?"
"Não estou sugerindo nada, estou afirmando." Ele se recostou na poltrona, cruzando uma perna sobre a outra. "O governo não quer que seu filho cresça inteligente, independente e rico. Ele quer que seu filho cresça pobre, burro e dependente do Estado. Afinal, um cidadão independente é um problema. Ele pensa por conta própria, ele faz perguntas. E mais do que isso, ele encontra as respostas sozinho."
A entrevistadora manteve-se séria. "E qual seria a alternativa?"
"Educação caseira. Ensino real, profundo, direcionado." Seus olhos violeta brilharam sob as luzes do estúdio. "Você acha que os filhos dos poderosos estudam nas mesmas escolas que as crianças comuns? Acha que recebem o mesmo tipo de ensino? O modelo ideal para formar gênios existe, mas ele não é acessível para todos porque nunca foi pensado para ser. O Estado não tem interesse em criar gênios. Mas uma família tem. Uma família bem estruturada é o ambiente ideal."
O silêncio que se seguiu foi denso. A entrevistadora descruzou as pernas e se inclinou ligeiramente para frente.
"Você acredita, então, que qualquer um pode se tornar um gênio se for educado da maneira correta?"
O sorriso dele se alargou. "Não acredito." Ele fez uma pausa, segurando o olhar da entrevistadora. "Eu sei."
No Orfanato da Ordem de Hermes
"Xeque-mate?"
Dorian mal acreditava em suas próprias palavras. Pela primeira vez desde que chegara ao orfanato, ele havia vencido uma partida de xadrez.
Do outro lado do tabuleiro, Jessie arregalou os olhos, franzindo a testa como se não conseguisse entender o que tinha acabado de acontecer.
"Espera aí..." Ele inclinou o corpo para frente, analisando a posição das peças. Seu rei estava encurralado. Sem saída. "Não pode ser. Você deve ter trapaceado."
Dorian manteve-se em silêncio por um momento, aproveitando o gosto da vitória.
"E como é que eu vou trapacear?"
Jessie bufou, cruzando os braços. Derrota não era algo que ele engolia facilmente, ainda mais para alguém que, até algumas semanas atrás, mal conseguia durar cinco lances antes de ser esmagado no tabuleiro.
Mas nada disso era por acaso.
Desde que Dorian e as outras crianças chegaram ao orfanato, suas rotinas foram completamente transformadas. Não existiam distrações supérfluas. Nada de brinquedos espalhados ou momentos ociosos. Cada minuto era direcionado a um único propósito: desenvolver a mente.
O método era simples, mas implacável.
O dia começava cedo, mas não ao ponto da exaustão. O sono era valorizado. Mentes cansadas não aprendiam bem, então todas as crianças tinham um horário rigoroso para dormir e acordar. Mas, assim que o dia começava, não havia tempo a perder.
As primeiras horas eram dedicadas ao raciocínio lógico: xadrez, quebra-cabeças, problemas matemáticos. Nada era ensinado de maneira superficial. O simples fato de saber jogar xadrez não era suficiente. Precisavam compreender as estratégias, antecipar jogadas, visualizar cenários futuros. O erro não era punido com gritos ou repreensões, mas com repetição. Jogava-se de novo. E de novo. Até que o erro não se repetisse mais. Ensinava-se técnicas, lhe dava o tempo de pensar, não só no que Dorian iria fazer, mas no que o oponente iria fazer.
Depois vinham as línguas estrangeiras. Latim, francês, alemão, grego, árabe, chinês. O aprendizado era baseado na imersão. Nada de listas de palavras ou regras gramaticais entediantes. Em vez disso, as crianças eram colocadas para ouvir e entender contextos, a repetir frases até que os sons se tornassem naturais, quase instintivos. Conviver com a linguagem.
As aulas de coordenação motora vinham em seguida. Movimentos básicos. Nada de esforço desnecessário ou treinos desgastantes. Crianças não eram adultos em miniatura; seus corpos precisavam de um desenvolvimento progressivo. Equilíbrio, reflexos, controle do próprio corpo. Correr sem tropeçar. Pegar uma bola sem hesitar. Cair e levantar sem perder o ritmo. Tudo parte do treinamento, mesmo que parecesse simples. É claro que algumas mostravam-se mais promissoras que outras, algumas já haviam desenvolvido certo nível de coordenação motora a ponto de estar um passo além disso e praticar artes marciais e musculação.
Depois vinham as disciplinas mais abstratas: história, filosofia, ciências. Mas não eram ensinadas de forma tradicional. O conhecimento não era despejado sobre as crianças como um fardo a ser carregado. Em vez disso, eram questionadas. "Por que isso aconteceu?" "O que poderia ter sido diferente?" "Como isso se conecta ao que aprendemos ontem?"
A educação não era um sistema de retenção de informações. Era um processo de construção. Cada peça do conhecimento era conectada a outra, formando uma rede de ideias interligadas. Não bastava decorar. Precisavam entender.
E no meio disso tudo, Dorian começou a perceber algo curioso.
O Sr. Borba, responsável pelo orfanato, não aplicava o mesmo ensino a todos. Havia padrões invisíveis. Alguns aprendiam mais sobre línguas, outros sobre lógica. Algumas crianças eram encorajadas a questionar e argumentar, enquanto outras recebiam mais exercícios físicos. O treinamento era individualizado, cada criança sendo lapidada como uma peça única.
Era uma educação sistemática, meticulosamente planejada. Uma experiência que jamais poderia ser aplicada em uma escola comum.
E agora, depois de dois meses imerso nesse mundo, Dorian colhia os primeiros frutos.
Ele olhou para Jessie, que ainda tentava encontrar uma justificativa para sua derrota. Se não fosse pelo horário, Dorian não estaria guardando suas peças para receber Sr. Borba.
Nas últimas semanas, as crianças mais velhas questionaram os métodos de Borba. Se eles tinham a capacidade de conjurar magia, por que Borba fazia-os perder tempo com matemática e xadrez? Para alguns, era simplesmente muito chato.
'Ele está desenvolvendo nelas a Esfera de Mente. Que método interessante... E bem eficiente, chega até a dar medo o quão natural essas crianças estão se desenvolvendo nesse aspecto.' Gilgamesh estava espantado por dentro. Era estupidamente fácil fazer crianças obedecerem, elas praticamente queriam ser comandadas. Elas queriam ordem e estrutura. E se aproveitando da verdadeira natureza de uma criança, a Ordem de Hermes moldava suas mentes com uma educação rígida e eficaz, auxiliada, é claro, pela magia.
Jessie, Arthur e Michelle, dentre o grupo de Dorian, eram os mais difíceis de se lidar pela idade.
A falta de uma figura materna os afetariam grandemente e poderiam desenvolver traços antissociais e de posse indesejáveis, sem contar o trauma, mesmo que já bloqueado.
'A Ordem sabe disso, tem cuidadoras por todo o lado, mas nenhuma mãe de verdade.'
O ar no salão de estudos do orfanato era pesado de expectativa. As crianças estavam sentadas em fileiras bem organizadas, suas posturas tensas, seus olhos atentos. Durante semanas, haviam mergulhado em um treinamento rigoroso, moldados pela lógica, pela disciplina e pela constante busca pelo conhecimento. Mas, até agora, tudo o que aprenderam parecia ser apenas um prelúdio para algo maior.
Na frente da sala, o Sr. Borba deslizou os dedos pelo queixo, observando-as com o olhar penetrante de um professor que sabe exatamente o que esperar de seus alunos. Ele cruzou as mãos sobre a mesa e, com um tom firme, começou:
"Já falamos sobre como o Avatar é o nosso verdadeiro eu, e que o nível de um mago é definido pelo seu Arete. A palavra vem do grego, significando 'excelência'. E a excelência, crianças, não é uma dádiva, mas um fardo. Um compromisso com o autoaperfeiçoamento constante. Arete é a medida do seu entendimento do seu verdadeiro eu. Seu poder cresce à medida que vocês compreendem a si mesmos. Mas até agora, nunca falamos sobre como vocês podem acessar esse potencial latente. O que nós chamamos de Esferas."
Ele caminhou lentamente pela sala, os passos ecoando no piso de madeira.
"Existem nove Esferas, cada uma representando um aspecto da realidade que pode ser manipulado pelos magos. Acreditem em mim quando digo que o poder de um mestre é limitado apenas pela sua própria imaginação."
As crianças mantinham os olhos fixos nele, evitando interrompe-lo.
"Cada Esfera possui cinco níveis de compreensão, e sua progressão é limitada pelo seu nível de Arete. Quanto mais próximo da Verdade vocês estiverem, mais profundo será o domínio sobre a realidade. Agora, prestem atenção."
Ele ergueu um dedo no ar.
"A primeira Esfera: Correspondência."
Ele desenhou um círculo imaginário no ar.
"A realidade não é feita de distâncias absolutas. Correspondência nos ensina que espaço é uma ilusão. Tudo está conectado. O que está longe pode estar perto, e o que está perto pode estar infinitamente distante. Um mago treinado pode tocar o outro lado do mundo com um pensamento."
O dedo de Borba traçou uma linha invisível.
"A segunda Esfera: Entropia."
Ele fez uma pausa.
"A ordem e o caos não são opostos, mas faces de uma mesma moeda. Entropia ensina que todas as coisas tendem ao fim, e que esse fim pode ser direcionado. Aqueles que dominam essa Esfera controlam o destino, influenciam a sorte, e podem acelerar ou retardar a decadência."
Seus olhos escanearam a sala.
"A terceira Esfera: Forças."
Seus dedos estalaram no ar.
"O fogo queima, o trovão ruge, os ventos se movem. Forças nos ensina a comandar os elementos fundamentais da natureza, dobrando luz, calor, eletricidade, som, e até mesmo a gravidade à nossa vontade."
Ele bateu levemente no peito.
"A quarta Esfera: Vida."
Seus olhos percorreram cada criança.
"A carne, o sangue, os ossos... a matéria orgânica é um fluxo constante. Vida nos ensina a curar e transformar, moldar corpos como argila, fortalecer ou enfraquecer a biologia de qualquer ser."
Seu tom tornou-se mais pesado.
"A quinta Esfera: Matéria."
Ele apontou para a mesa à sua frente.
"Ao contrário da Vida, a Matéria é estática. O que é sólido pode ser moldado, transmutado, refeito. Ouro pode se tornar chumbo, pedra pode se tornar água. Um mestre dessa Esfera reescreve a estrutura do universo inanimado."
Borba sorriu levemente.
"A quinta Esfera: Mente."
"A Ordem de Hermes a chama de Ars Mentis, a arte da razão pura. Como um espelho do Avatar, a Mente reflete a intenção do eu verdadeiro. O mago que a domina primeiro conhece a si mesmo. Depois, conhece os outros. E, ao conhecer múltiplas perspectivas, compreende o mundo.
As crianças sentiam o peso de suas palavras, mas algo mais vibrava no ar. Não era apenas o que ele dizia, mas o que ele estava fazendo com suas palavras. O significado parecia ressoar diretamente dentro delas, como se não apenas ouvissem, mas absorvessem. Jessie piscou algumas vezes, sentindo uma clareza estranha em sua própria mente. Ryoko percebeu que conseguia distinguir com maior nitidez os próprios pensamentos, quase como se pudesse separá-los em categorias e analisá-los um por um. Amanda, que antes sentia as emoções como um fluxo confuso e turbulento, agora começava a reconhecê-las como padrões organizados, como peças de um quebra-cabeça se encaixando sozinhas.
Dorian arregalou levemente os olhos. Ele não sabia explicar como, mas de alguma forma, sentia o que os outros estavam sentindo. Não da mesma forma que alguém atento perceberia a linguagem corporal ou o tom de voz, mas de um jeito mais profundo, mais instintivo. Era como se uma porta invisível tivesse se aberto e, pela primeira vez, ele estivesse consciente da presença de outras mentes ao seu redor.
Todas as crianças eram cercadas por uma névoa de diversas cores. Jessie tinha uma mistura de névoa branca, verde escuro e azul escuro. Amanda tinha uma mistura de névoa branca e laranja. Eleonor tinha uma mistura de névoa branca e azul. Todas as outras crianças também tinham diversas misturas de cores, assim como Sr Borba tinha uma névoa azul clara e escarlate.
De qualquer jeito, Dorian não sabia ler o significado disso.
Borba observou atentamente as reações, satisfeito com o progresso silencioso de seus discipulos. Ele sabia que não precisava dizer nada. Todos estavam percebendo, ainda que não compreendessem totalmente o que estavam experimentando.
"Por meio da Mente, cortamos a ilusão. A mentira é um véu que cobre a verdade. Aqueles que dominam essa Esfera dissolvem a névoa da falsidade e enxergam o que realmente é."
Os sentidos das crianças pareciam se expandir. Antes, a realidade era algo simples, direta, composta apenas do que podiam ver, ouvir e tocar. Agora, havia algo mais. Elas sentiam umas às outras de uma maneira nova, não apenas pelas palavras ou expressões faciais, mas por uma intuição refinada, como se suas consciências estivessem conectadas por fios invisíveis.
Dorian engoliu em seco, mas não era só ele. Todos haviam avançado para o primeiro nível na Esfera de Mente.
Borba sorriu.
"Muito bom! Agora, vamos continuar."
Ele ergueu um dedo.
"A sétima Esfera: Primórdio."
Ele desenhou um traço no ar.
"A base de todas as coisas. A quintessência, a energia que anima o universo. Dominar o Primórdio é tocar a essência da criação e moldá-la à vontade."
Seus olhos brilharam.
"A oitava Esfera: Espírito."
O ar pareceu esfriar levemente.
"Os mundos se sobrepõem. O que vocês veem é apenas uma parte. Espírito permite a interação com o invisível, com os ecos da realidade além do véu."
Ele suspirou, então, ergueu ambas as mãos.
"E por fim, a nona Esfera: Tempo."
O silêncio caiu sobre a sala.
"O tempo não é uma linha reta. É um oceano. Um mestre dessa Esfera pode navegar por suas correntes, vislumbrar o passado, moldar o futuro."
Borba baixou as mãos.
"Essas são as nove Esferas. Cada uma, um caminho para a compreensão da Verdade. Mas voltemos para a Esfera de Mentes por um momento."
O Sr. Borba observava os alunos em silêncio, dando-lhes tempo para absorver o que havia acabado de acontecer. As crianças piscavam, atônitas, seus rostos revelando um misto de confusão e fascínio. Algo havia mudado dentro delas, algo fundamental. Era como se suas mentes, antes limitadas pelo peso da inexperiência, tivessem se expandido de uma forma que nunca haviam imaginado.
Ele sorriu levemente.
"Sentem isso, não é? O peso de algo novo? Como se o mundo tivesse se tornado mais... nítido?"
Jessie olhou para os lados, franzindo o cenho. Amanda apertou os próprios braços, desconfortável com a súbita percepção dos sentimentos ao seu redor. Ryoko respirou fundo, tentando processar tudo. Arthur tinha os olhos vidrados em Michelle.
"Isso, crianças, é o primeiro vislumbre da Esfera de Mente."
Borba começou a caminhar lentamente pela sala, suas palavras firmes, mas pacientes.
"Como eu disse, a Ordem de Hermes a chama de Ars Mentis, a Arte da Mente. Entre todas as Esferas, essa é a que mais se aproxima do nosso verdadeiro eu, do Avatar dentro de nós. A mente é a ponte entre o ser e a realidade. Aquele que domina essa Arte caminha pelo labirinto da consciência e descobre que não há um único caminho. Há infinitos."
Ele fez uma pausa, permitindo que o silêncio desse peso ao que vinha a seguir.
"A mente de vocês está diferente agora. Seus pensamentos, antes dispersos e vagos, estão se organizando de forma precisa, meticulosa. Como um relógio suíço perfeitamente ajustado. Como um computador quântico, capaz de calcular possibilidades além da compreensão humana comum."
As crianças se entreolharam. Sim, era isso. Antes, seus pensamentos eram turvos, como um rio agitado pela correnteza. Agora, eram cristalinos. Cada ideia surgia com clareza, conectando-se à próxima sem esforço. O processamento da realidade havia se tornado mais rápido, mais eficiente.
Borba aproximou-se da mesa central, tocando a superfície de madeira.
"Agora, vamos trabalhar essa nova capacidade."
Ele ergueu uma das mãos e fechou os olhos.
"O primeiro passo é o autoconhecimento. Para entender os outros, vocês devem entender a si mesmos. Fechem os olhos e voltem-se para dentro."
As crianças obedeceram.
"Ouçam seus próprios pensamentos. Sintam suas próprias emoções. Onde estão seus medos? Suas esperanças? Suas dúvidas?"
Dentro de sua mente aprimorada, era como se Dorian pudesse ver os próprios pensamentos em um espaço imenso, organizado como um grande arquivo. Ideias antigas, lembranças do passado, sensações que antes eram confusas agora se tornavam nítidas. As outras crianças viam o mesmo.
É claro, as memórias do passado no tráfico humano não estavam mais lá. Gilgamesh, sob o desejo de Dorian, as erradicou completamente.
"Agora, percebam o espaço ao seu redor."
As palavras do professor pareceram abrir uma porta invisível.
O ar na sala estava carregado de emoções. Havia frustração, excitação, medo e curiosidade. Antes, esses sentimentos eram imperceptíveis, misturados ao caos do cotidiano. Agora, eram como ondas sutis fluindo ao redor de cada um, com cores frias, quentes, vivas e neutras.
Cada uma daquelas cores tinham significado. O escarlate era felicidade, o azul claro a calma, o azul a paixão, o verde escuro a inveja e assim por diante. A mente de Dorian agora, com uma memória fotográfica pelo domínio do primeiro nível da Esfera de Mente, memorizou completamente o significado de cada cor.
"Esse é o segundo passo: perceber o outro."
Borba abriu os olhos.
"Mas apenas sentir não é suficiente. Vocês precisam aprender a interpretar."
Ele ergueu dois dedos.
"As emoções não são aleatórias. Elas têm padrões. Elas fluem e se manifestam de formas previsíveis. Aprender a ler essas correntes permitirá que vocês compreendam o que nunca é dito em palavras."
As crianças se concentraram. Aos poucos, começaram a perceber padrões nos sentimentos ao redor. O medo se manifestava como hesitação, respirações contidas, pequenos movimentos ansiosos. O orgulho vinha com posturas eretas, olhares firmes.
É claro, essas eram as percepções mundanas. Um mago não precisava entender a linguagem corporal do próximo para enxergar suas emoções. Era tão simples quanto identificar as cores de uma paleta. É claro, você precisaria ver aquela emoção com aquela cor para fazer entender, através de constante testes se não houvesse um professor adequado, mas Borba não foi negligente em explicar como as emoções estavam se comportando nas visões de seus discípulos através das cores.
"Agora, o terceiro passo: proteger a própria mente."
Borba fechou a mão num punho e sua presença, antes calorosa e aberta, tornou-se como uma parede impenetrável. Era como se ele tivesse desaparecido da percepção deles.
"Os magos que dominam a Arte da Mente sabem que a vulnerabilidade é um risco. Se vocês podem sentir os outros, os outros podem sentir vocês. Se vocês podem ler emoções, emoções podem ser lidas. Se vocês podem perceber mentes, mentes podem ser percebidas. E se isso for uma fraqueza? Existem situações em que o ideal é não sentir nada, para mais eficiência."
As crianças engoliram em seco.
"Agora, imaginem que sua mente é uma fortaleza. Não uma prisão, não uma barreira rígida, mas uma estrutura sólida, flexível e intransponível."
Eles fecharam os olhos novamente.
No interior de suas consciências, começaram a erguer muralhas invisíveis. Para alguns, era um castelo com torres imponentes e portões de ferro. Para outros, um véu de sombras impossíveis de penetrar. Cada um construiu sua defesa de acordo com sua própria visão, sua própria essência.
O efeito foi imediato.
O fluxo de emoções que antes permeava o ar começou a se dissipar. O espaço ao redor tornou-se silencioso, como se cada um estivesse dentro de sua própria bolha, intocável e inviolável.
Borba sorriu.
"Muito bem. Agora, voltem."
As crianças abriram os olhos.
O mundo parecia diferente. Mais claro. Mais profundo. O complicado se tornou muito simples.
O professor cruzou os braços.
"Vocês deram o primeiro passo para se tornarem mestres da mente. Agora, continuem aprimorando esse conhecimento. É claro, vocês devem entender que todas as alegorias e exemplos que dei a vocês são apenas um método de chegar a um resultado. No final, a magia se trata da vontade do Desperto. Construir um castelo na sua imaginação é apenas uma maneira de tornar tudo mais fácil para vocês. Compreender que a magia se trata da sua vontade será de suma importância no futuro, guardem essa informação."