O ambiente dentro da câmara central do assentamento dos ratos era abafado e carregado de um cheiro forte – uma mistura de madeira seca, couro envelhecido e um leve odor de feromônios que Marcos conseguia captar com suas novas capacidades sensoriais aprimoradas. O teto da estrutura era sustentado por pilares improvisados feitos de ossos de pequenas criaturas, provavelmente restos das presas caçadas pelos ratos ao longo dos meses.
Ragnor, o Lorde dos Ratos, mantinha-se sentado à mesa improvisada, os dedos longos e cobertos de pelos tamborilando lentamente contra a superfície áspera da madeira. Seus olhos afiados, cheios de astúcia, não se desviavam de Marcos nem por um instante.
Marcos, por sua vez, permaneceu imóvel, seus múltiplos olhos analisando cada detalhe da estrutura e da postura de seu interlocutor. O silêncio entre os dois lordes era pesado, como se ambos soubessem que o que estava prestes a ser discutido poderia mudar o curso do futuro não apenas de suas próprias colônias, mas de todo o ecossistema ao redor.
Finalmente, Ragnor quebrou o silêncio.
— Diga-me, Marcos… O que você vê quando olha para este mundo?
A pergunta pegou Marcos de surpresa. Ele esperava negociações diretas, troca de informações ou mesmo ameaças veladas. Mas essa pergunta…
Marcos ponderou por um momento antes de responder.
— Eu vejo uma batalha constante pela sobrevivência. Uma luta onde somente os mais adaptados prevalecerão.
Ragnor sorriu de canto, como se já esperasse essa resposta.
— Um pensamento pragmático. Mas incompleto. — Ele se inclinou um pouco para frente, os olhos brilhando à luz fraca das tochas espalhadas pelo recinto. — Este mundo não é apenas um campo de batalha. Ele é um tabuleiro. E cada um de nós…
Ele estendeu uma das mãos, com as garras afiadas visíveis, e apontou para um dos mapas rudimentares sobre a mesa.
— Cada um de nós é uma peça nesse jogo.
Marcos analisou o mapa. Era um esboço rudimentar, desenhado sobre um pedaço de couro com tinta escura. Várias marcações indicavam áreas onde diferentes criaturas dominavam, e entre elas, havia pequenos círculos marcados com símbolos únicos.
Marcos rapidamente entendeu o que eram.
— Outros lordes…
Ragnor assentiu lentamente.
— Não sabemos quantos ainda existem neste planeta, mas eu já localizei três além de nós dois.
Marcos sentiu uma onda de alerta percorrer sua mente. Se existiam mais lordes ativos, isso significava que as disputas por território não ficariam limitadas apenas aos ratos e formigas. O equilíbrio de poder ainda estava sendo moldado.
— E onde eles estão? — Marcos perguntou, seus olhos fixos no mapa.
Ragnor apontou com uma garra longa para três locais distintos.
— Um deles governa uma colônia de besouros predadores na região ao sul. Eles possuem carapaças extremamente resistentes e um instinto voraz por destruição. O segundo governa um clã de aranhas nas montanhas ao leste. Criaturas silenciosas, pacientes, mortais. O terceiro…
Ele fez uma pausa antes de continuar.
— O terceiro é um mistério. Seus domínios ficam ao norte, em uma área onde a vegetação é densa e o solo úmido. Minhas patrulhas tentaram se aproximar, mas nenhuma retornou.
A informação fez Marcos refletir profundamente.
Até agora, ele tinha focado exclusivamente no crescimento de sua colônia e na superação dos desafios imediatos. Mas agora, com a certeza da existência de outros lordes, a situação se tornava muito mais complexa.
Ele precisaria expandir sua influência rapidamente.
— Você quer que nos unamos contra eles? — Marcos perguntou, analisando cuidadosamente a reação de Ragnor.
O Lorde dos Ratos deu um leve sorriso, mas não confirmou e nem negou.
— Eu quero que sobrevivamos, Marcos. E para isso, precisamos estar preparados para todas as possibilidades.
O silêncio que se seguiu foi quebrado pelo som repentino de passos apressados do lado de fora. Um dos guerreiros de Ragnor entrou correndo, curvando-se diante do lorde.
— Mestre Ragnor! Novas movimentações detectadas na fronteira!
Ragnor se ergueu de imediato, seus olhos se estreitando.
— Quem?
O guerreiro hesitou por um momento antes de responder.
— Não sabemos… Mas eles são muitos.
Marcos sentiu seu instinto de sobrevivência se aguçar. Algo estava prestes a acontecer.
— Podemos ver? — Marcos perguntou.
Ragnor não hesitou.
— Sim. Venha comigo.
Enquanto Marcos acompanhava Ragnor até a muralha improvisada do assentamento, sua mente continuava processando todas as informações recém-adquiridas. Ele não poderia simplesmente ignorar o fato de que havia outros lordes estabelecendo domínio sobre diferentes partes do planeta. A questão agora era: qual seria a sua abordagem?
Ele poderia se aliar a Ragnor temporariamente, mas precisaria garantir que isso não comprometesse o crescimento de sua colônia.
Falando nisso…
Marcos expandiu sua percepção para sua colônia por um instante, verificando o progresso das novas estruturas. As formigas voadoras já haviam mapeado uma vasta área ao redor do formigueiro, e a Rainha Geradora continuava a produzir novas unidades.
O processo de evolução havia sido um divisor de águas. Com o aumento de tamanho e força de sua espécie, novas possibilidades estratégicas haviam surgido.
As formigas voadoras garantiam reconhecimento de território e ataques aéreos inesperados.
As formigas venenosas podiam incapacitar alvos poderosos.
A estrutura da colônia estava mais desenvolvida, garantindo maior capacidade de defesa e produção.
Mas ainda não era o suficiente.
Se ele quisesse garantir a supremacia neste mundo, precisaria crescer ainda mais.
E rápido.
Ao chegarem à muralha de madeira do assentamento dos ratos, Marcos e Ragnor subiram rapidamente até uma plataforma de observação improvisada. Do alto, puderam ver o horizonte além das fronteiras.
E o que viram fez até mesmo Ragnor franzir a testa em preocupação.
Uma vasta sombra se movia entre as árvores, ondulando como uma maré viva. Eram centenas, talvez milhares de pequenas silhuetas, movendo-se em perfeita harmonia.
Marcos sentiu seus sentidos se aguçarem.
— Isso não são apenas insetos normais…
Ragnor cerrou os punhos.
— Não. Isso é algo muito pior.
Marcos focou sua visão aprimorada para identificar melhor a ameaça.
E então viu.
Entre a massa em movimento, criaturas semelhantes a gafanhotos, mas com carapaças mais resistentes e olhos brilhantes de cor âmbar, avançavam em uma marcha implacável. Suas mandíbulas eram longas e afiadas, projetadas para dilacerar qualquer coisa em seu caminho.
E eles estavam vindo direto para o assentamento.
Ragnor rangeu os dentes.
— Se isso for o que eu penso que é… estamos com problemas.
Marcos se manteve firme.
— Então é melhor começarmos a nos preparar.
A guerra estava apenas começando.