Sonhos

Toda noite eu tenho o mesmo sonho, não exatamente os mesmos acontecimentos, somente duas coisas sempre se repetem. A primeira é que eu estou em uma floresta correndo em direção de uma montanha e a segunda é que sempre há um monstro me perseguindo.

Tive esse mesmo sonho muitas e muitas vezes, em uma noite estou correndo de um lobo do tamanho de um ônibus, na outra de uma centopéia que podia se equiparar a um prédio.

Sempre, sem exceção, tenho o mesmo sentimento, medo. Medo da morte, da dor, de nunca mais ver minha mãe ou meus amigos. No começo, pensei que era algo temporário que passaria em uma semana ou duas, não foi o caso.

Eles continuaram, cada noite mais perigosos, mais rápidos, mais assustadores e mais mortais.

Em um piscar de olhos, dias viraram semanas, que, por sua vez, tornaram-se meses. Ao dedorrer desses pesadelos horendos, eu me amedrontava como um coelho fugindo de um lobo.

Afinal, embora seja um 'filme' projetado pelo meu cérebro ainda parecia real demais: as cores, os cheiros, as sensações. Em determinada vez percebi no lugar em que estava, um sonho, e eu poderia controlar qualquer coisa que acontecesse, assim acreditei fielmente.

Criei coragem e por fim decidi enfrentar os mostros os quais me perseguiam, me senti confiante e poderoso. Saquei uma espada a qual não tinha a mínima ideia de onde tinha vindo até encontrar uma bainha na minha cintura.

Nunca nem encostei em uma espada antes, não sabia se ainda existiam, contudo quando aprontei a espada para uma aranha de três metros de altura sabia exatamente o que estava fazendo.

Corri na direção dela, depois de alguns passos em o mostro estava no meu alcance, eu ignorei esse fato pois era um sonho e tudo de irreal acontece aqui. Dando uma cambalhota para ficar abaixo do aracnídeo, mirei em suas patas.

Cortando três delas em só um ataque fiquei satisfeito, sem perder tempo girei a espada em um arco acima da minha cabeça e dividi a aranha ao meio. Fiquei tão feliz que acordei gritando. "Eu sou foda!"

Com o passar do tempo eles foram me entretendo, estava ... Me divertindo. Meu medo foi em bora e minha coragem surgiu.

Esses sonhos me davam adrenalina e eu gostava disso, achava interessante e bem legal. Mas um dia, tudo mudou, me preparei pra dormir, estava ansioso pra ver qual seria o sonho de hoje, deitei na cama, fechei os olhos e com isso, eu caí no sono.

Imaginei que estaria na floresta correndo de um monstro, assim como sempre acontecia, mas quando virei a cabeça não me deparei com uma aranha gigante ou uma centopéia enorme, eu vi uma pessoa pálida com cabelos e olhos pretos.

Não conseguia ver a expressão do homem, porque a única fonte de luz era a lua, tomei a decisão por impulso de parar e perguntar quem ele era e o que estava acontecendo, afinal não é normal sonhar com o mesmo lugar por meses. Já estava na hora de saber o porquê de estar sonhando com esse lugar todo dia.

Como planejado eu parei e esperei o desconhecido correndo atrás de mim, ele chegou cada vez mais e mais perto, quando ficou perto o suficiente a expressão dele ficou visível para mim. Um sorriso, não qualquer um, mas um sorriso maníaco de uma pessoa rendida a loucura, esse era o sorisso mostrado no rosto daquela pessoa.

Meus instintos berraram, praticamente imploraram para eu sair correndo e foi o que eu fiz, usei toda a minha velocidade pra fugir o mais rápido possível de lá. Infelizmente era tarde demais, o homem me alcançou e deu uma rastera em mim.

No chão, encarando um possível psicopata, tive medo da morte mais uma vez, ele agarrou meu braço e puxou. Percebi a lástima do que aconteceu depois de vê-lo segurando um braço, aquele era o meu braço.

Um grito agonizante escapou da minha garganta, o suposto humano caiu em gargalhada, sua voz era aterrorizante e seu hálito repugnante. Meu corpo todo parecia estar queimando de tão quente que estava.

O homem abriu a boca e onde antes eram seus caninos agora viraram presas, sua boca foi parar em meu pescoço em um segundo. No momento em que minha pele foi perfurada comecei a sentir como se estivesse morrendo, pouco a pouco minha vida se esvaia.

As pálpebras dos meus olhos ficaram mais pesadas, meu corpo mais leve e minha consciência quase deixava meu corpo. Aquilo podia ser qualquer coisa, menos um humano, porque depois de dez minutos sugando meu sangue ele tirou a boca do meu pescoço, sorriu e atravessou meu coração com a mão.

A dor não chegou a me atingir, despertei desse terrível sonho e eu levantei da cama num pulo aquela noite. Estava suado e ofegante, mas felizmente meu braço e meu coração estavam intactos.

Tive esperança de ser só um acontecimento singular, um que jamais se repetiria. No próximo pesadelo estava correndo de uma pessoa novamente, agora era uma mulher, corri com velocidade máxima outra vez, porém assim como o outro sonho ela me alcançou, me torturou e me matou.

O terror não se limitou aos meus sonhos, eu fiquei paranóico, sempre olhando em volta preparado pra correr a qualquer momento, preparado pra sobreviver.

Não sendo o suficiente agonizar da dor de uma tortura e logo em seguida morrer duas vezes, esses sonhos vomtavam toda noite. Membros diferentes eram arrancados: um braço, uma perna, ambos ou então membros oa quais nem sabia que tinha.

Não aguento mais.

Não suportaria sequer mais uma noite de tortura, estava a beira da loucura, isso precisava parar. Isso tinha que parar, a única solução imediata era morte. Não é como se eu nunca tivesse morrido, já experimentei muita dor, pelo menos esta morte seria definitiva.

Saindo dos meus pensamentos o despertador toca, de novo eu já estava acordado e dessa vez fui morto por um homem alto com cabelo azul claro. Preparo minhas coisas pra escola e desço pra tomar café pensando em como vou me despedir.

"Bom dia, filho." Anne, minha mãe adotiva me cumprimentou quando me viu descendo as escadas.

Fui abandonado quando era um bebê e então aos três anos fui adotado pela Anne, mesmo ela sendo uma ótima pessoa sempre senti ser um peso pra ela, um adolescente inútil que pode no máximo ajudar a kimpar a casa.

"Bom dia, mãe." Respondi alegremente.

"Mãe?" - Anne se espantou. - "Tá tudo bem com você?"

"Claro que está. Por que não estaria?" Disse sorridente pela surpresa da minha 'mãe'.

Evito ao máximo chamar Anne desse jeito por não consiguir me ver como filho dela, ela é boa demais pra mim. Mas já que eu vou morrer acho que posso chamá-la assim ao menos uma vez.

"Finalmente desistiu do 'Anne'." Minha mãe adotiva ria enquanto aceitava o doce sabor da vitória.

"Nunca se sabe quando eu posso voltar a te chamar assim." Zombei enquanto me sentava na mesa para comer ovos mexidos feitos por Anne.

"Agora que desistiu não pode mais voltar atrás!" Tentei segurar a risada, mas não aguentei e tanto eu quanto minha mãe caimos na gargalhada.

Recuperando a postura voltamos nossa atenção à comida, ao mesmo tempo que falávamos banais, como: 'dormiu bem?' ou vai querer sair pra jantar hoje?'.

A mulher podia não ser minha mãe biológica, porém ela, a pessoa que me criou e me amou, era a melhor mãe existente. Infelizmente, percebi isso tarde demais, embora tivesse a maior das considerações por Anne não queria continuar sofrendo.

"Luke, está tudo bem mesmo? Você parece distante..." A preocupação nítida da minha mãe fez o peso da culpa se intensificar.

Não, mãe, não está nada bem comigo.

"Sim, estou com sono, deve ser por isso." Uma alegria forçada saiu com a minha voz

"Já terminei, então vou indo pra escola. Tchau, te amo mãe." Me despedi as pressas com pesar em minha mente, porque se Anne falasse para eu ficar, eu ficaria.

"Tchau filho, até mais tarde. Te amo." Ela estava visivelmente feliz por chamá-la de mãe.

Ao sair da porta comecei a chorar.

Adeus Anne, muito obrigado por tudo.