— O que estão fazendo?
A voz ressoou como um trovão que rasgava os céus. Mas o que restava do céu já não era divino. Era uma imitação distorcida de um paraíso esquecido, agora transformado em um abismo de loucura e desespero.
— Acham que podem fazer isso com seu criador?
Os pecadores hesitaram por um breve momento, suas mentes fragmentadas tentando compreender a presença que agora os confrontava. Mas a dúvida durou pouco. O ódio, a fúria e a insanidade rapidamente tomaram conta novamente.
O paraíso havia se tornado um matadouro.
As ruas, antes douradas, estavam cobertas por vísceras e corpos despedaçados. A eternidade não os havia tornado mais santos, apenas mais famintos. Homens esmagavam crânios contra as pedras, rindo histericamente enquanto bebiam o sangue de seus irmãos. Mulheres, que um dia oraram por salvação, agora rasgavam suas próprias peles, arrancando pedaços para lançar contra os outros como se fossem oferendas profanas. Crianças brincavam com intestinos como se fossem cordas, enquanto velhos, cegos pelo próprio fanatismo, esfaqueavam qualquer um que se recusasse a segui-los.
O céu não existia mais.
O que existia ali era algo pior que o inferno.
E então, eles surgiram.
Dois.
Dois homens que deveriam ser lendas, mitos, nomes enterrados sob séculos de guerra e doutrina.
Jesus e Maomé.
Mas não eram deuses. Não eram juízes. Eram memórias vivas da fé que um dia guiou o mundo—e que agora testemunhavam a ruína do próprio legado.
Jesus olhou para a multidão. Seu semblante não era de raiva, nem de misericórdia. Era um vazio profundo, como se a própria esperança houvesse sido arrancada de sua alma.
— Vocês somente serão bem-vindos quando suas almas pararem de ser mais podres que a sua carne.
A frase cortou o caos como uma lâmina invisível. O ar pareceu ficar pesado. Os pecadores se entreolharam, confusos, inquietos. O sangue que cobria seus corpos já não parecia uma glória conquistada, mas um lembrete daquilo que se tornaram.
E então, alguns caíram de joelhos.
Não por arrependimento.
Mas porque, pela primeira vez, sentiram o peso da eternidade esmagando seus ombros.
Mas nem todos.
Um homem se ergueu entre a multidão. Um soldado de uma guerra esquecida, suas cicatrizes uma prova de quantas vezes já havia desafiado a morte. Seu rosto, uma máscara de ódio e desdém.
— Ajoelhar para vocês? Para fantasmas que morreram junto com suas mentiras?
Sua voz era veneno. Ele cuspiu no chão, onde o sangue de incontáveis almas já se misturava.
Maomé o encarou. Mas seu olhar não tinha fúria. Nem sequer tinha piedade. Apenas uma verdade cruel e inegável.
— O julgamento nunca partiu de nós. Vocês não estão presos aqui. Estão presos dentro de si mesmos.
O homem riu. Uma risada vazia, quebrada.
— Palavras bonitas. Mas olhem ao redor. Não existe mais céu. Não existe mais inferno. Nós vencemos. Nós quebramos suas correntes. E agora estamos livres.
Jesus deu um passo à frente. E então, tudo parou.
O vento cessou. Os gritos ficaram mudos. Até mesmo o cheiro da morte pareceu vacilar.
— Livres?
Ele ergueu a mão. E com um único gesto, a verdade se revelou.
Os pecadores viram seus reflexos nas poças de sangue. Mas o que enxergaram não foram rostos humanos. Foram feras. Monstros. Carcaças ambulantes, mantidas vivas por nada além de ódio e dor.
E então, o silêncio foi quebrado.
Gritos. Mas não de raiva.
Gritos de horror.
Porque, pela primeira vez, eles compreenderam.
— O inferno nunca precisou existir.
Jesus olhou para eles, sua voz carregada com um peso impossível.
— Vocês sempre o carregaram dentro de si.