Capítulo 6 - A Verdade

Andávamos pelo Céu como um cortejo fúnebre, mas não carregávamos flores, nem lamentos. Carregávamos a verdade como uma lâmina afiada, prontos para enfiá-la no peito de quem ousasse negar. O que eles chamavam de divino não passava de um espelho trincado, refletindo apenas a podridão que tentavam esconder.

— O que é Deus? — perguntei, sentindo o gosto metálico das palavras na boca.

Avareza riu, uma risada seca, oca, sem nada além de desprezo.

— Deus é o primeiro tirano, a estátua de bronze que ergueram para justificar suas correntes.

— Deus é um carcereiro que convenceu os presos de que a cela é o paraíso. — Preguiça murmurou, arrastando os pés como se o próprio ar fosse pesado demais.

— Deus é a faca que um pai esfrega contra o pescoço do filho, sussurrando que é para seu próprio bem. — Luxúria sorriu, os dentes brancos como marfim recém-lapidado.

— Deus é o fantasma de um rei morto, governando um reino que já virou cinzas. — Ira estalou os dedos, os olhos queimando com a fúria de mil eras reprimidas.

— E a Fé? — continuei, sentindo o peso da palavra como um prego sendo cravado na carne.

Gula lambeu os lábios, como um cão farejando um cadáver fresco.

— A Fé é o laço no pescoço do enforcado, mas ele chama de abraço.

— A Fé é um rio que corre para o nada, mas os tolos continuam a beber. — Inveja riu, um som curto, afiado, como uma lâmina deslizando pelo osso.

— A Fé é um barco furado, e mesmo enquanto afundam, eles gritam que é a única salvação. — Avareza cuspiu no chão.

Eu sentia o Céu estremecer sob meus pés. Os alicerces da mentira estavam ruindo, rachaduras profundas se espalhando como veneno nas veias de um moribundo.

— E a Humanidade?

Dessa vez, foi Luxúria quem respondeu primeiro.

— A Humanidade é um animal morrendo de sede diante do oceano, recusando-se a beber porque a água tem gosto de desespero.

— A Humanidade é um grito no escuro, esperando uma resposta que nunca virá. — Inveja sussurrou, encarando o horizonte como se visse além dele.

— A Humanidade é um rato preso em um labirinto, correndo em círculos, convencido de que há uma saída. — Gula suspirou.

— A Humanidade é uma casa pegando fogo, mas todos dentro continuam discutindo sobre quem acendeu o fósforo. — Avareza rosnou.

— A Humanidade é um suicida que teme a morte. — Ira cuspiu.

Eu ri. Um riso curto, seco, uma rachadura se espalhando por algo que já estava prestes a desmoronar.

— Então me digam… O que somos nós?

Silêncio.

Aquele tipo de silêncio que antecede um desastre, o respiro profundo antes do mergulho, o instante de paz antes da lâmina tocar a carne.

Então Luxúria sorriu, e sua voz era tão doce quanto veneno misturado ao vinho.

— Nós somos os coveiros.

— Nós somos o vento que apaga a última vela na catedral dos justos. — Inveja acrescentou.

— Nós somos os olhos que veem a podridão que todos fingem ignorar. — Avareza murmurou.

— Nós somos a mão que empurra o mundo na direção do abismo. — Ira rosnou.

— Nós somos o que sobra quando a mentira evapora. — Gula sussurrou.

E eu olhei para o Céu, para suas muralhas imaculadas, suas torres erguidas sobre promessas quebradas, e vi que estavam trêmulas, rachadas, prestes a cair.

— Então vamos terminar o serviço. — murmurei.

O caminho era marcado por ossos quebrados e ecos de orações sufocadas pelo silêncio. O Céu, um dia prometido como morada da paz, agora se erguia como um altar profanado. O sangue escorria pelas escadarias que levavam ao último reduto dos fiéis, dez sombras trêmulas que ainda sustentavam a ilusão de que suas palavras poderiam lhes conceder misericórdia.

Eles estavam ali, ajoelhados, envoltos em túnicas que já não eram brancas, mas tingidas pelo massacre. Os últimos. Os últimos de uma fé que nunca foi deles, de um juramento selado com mentiras, de uma devoção moldada pelo medo.

Parei diante deles, e os Pecados se espalharam ao meu redor, como se fôssemos os carrascos de um julgamento há muito decretado.

— Vocês já entenderam que seus deuses não vão lhes responder, não é? — minha voz cortou o ar como uma lâmina fria.

Um dos homens ergueu a cabeça, olhos avermelhados, lacrimosos. Ele não pedia piedade, ele não suplicava por sua vida. Ele queria que sua fé fosse reconhecida.

— Nós... nós seguimos "Jesus" e "Maomé"... nós não somos pecadores... nós somos os escolhidos...

— Escolhidos? — Luxúria riu, passando os dedos pelo rosto do homem, sentindo o calor da febre que queimava sua pele. — Então por que vocês sangram como qualquer outro?

— Se são escolhidos, onde estão os sinais? — Inveja cuspiu no chão. — Onde estão os milagres?

Avareza observava os poucos tesouros que ainda carregavam, os anéis sujos, as escrituras rasgadas.

— Eles já deram tudo o que tinham... não há mais o que tirar.

Gula inspirou profundamente, sentindo o cheiro de corpos apodrecendo sob o falso brilho do Paraíso.

— Mas ainda há o que consumir.

Ira apenas esperava, punhos cerrados, pronto para esmagar qualquer último resquício de resistência.

Dei um passo à frente e olhei para cada um deles. Dez. Apenas dez. O último fôlego de uma mentira que perdurou tempo demais.

— Vocês passaram suas vidas matando em nome de algo que nunca viram. Ajoelharam-se, rezaram, sacrificaram e chamaram isso de devoção. Mas no final, tudo o que resta são vocês, sozinhos, diante da verdade que sempre ignoraram.

Um deles, um jovem de olhar vazio, murmurou:

— Mas nós fizemos o que era certo... nós seguimos a vontade deles...

— E eles? — perguntei. — O que fizeram por vocês?

Silêncio.

Nenhum deles soube responder. Nenhum deles pôde responder.

Dei a ordem sem hesitar.

— Terminemos isso.

Avareza arrancou os anéis de seus dedos antes de quebrá-los. Gula devorou seus gritos antes que pudessem se tornar preces. Luxúria cortou suas gargantas como se estivesse esculpindo uma nova história. Inveja apagou seus rostos, pois não mereciam ser lembrados. Ira esmagou seus crânios, transformando o que restava deles em pó.

E eu, apenas observei.

Quando o último caiu, olhei para cima. O céu estava manchado, o sangue que escorria refletia a verdade que sempre esteve ali.

"Jesus" e "Maomé" nunca os salvaram.

E agora, nem sequer havia quem pudesse ser salvo.

Antes da luta final, entre Jesus e Maomé.

Assim, os pecados, como ecos de um grito primordial, ressoam aos céus a cada noite, proclamando uma verdade amarga como um hino sombrio:

A avareza exclama: "Amo aquele que enfeitiça com promessas douradas, cujas palavras se estendem mais do que seus atos, e que sempre faz mais do que promete, pois na busca incessante por seu próprio triunfo, ele se precipita rumo à queda."

A gula declara: "Amo aquele cuja alma é tão transbordante que se perde em seu próprio apetite, fazendo de si um receptáculo do mundo, até que o mundo o consuma, levando-o à sua decadência."

A ira brada: "Amo aquele que se julga livre em espírito e coração, acreditando que sua cabeça é um reflexo das vísceras do coração, mas que, ao ceder à fúria, vê sua mente ser devorada pela tempestade do próprio sentimento."

A luxúria sussurra: "Amo aquele que carrega dentro de si o caos primordial, aquele que, na luta pela criação, engendra uma estrela ofuscante, mesmo que sua luz seja apenas uma centelha de destruição."

A preguiça murmura: "Amo aquele que se rende à sua própria virtude, permitindo que sua inclinação se torne seu destino, condenado a viver sem viver, perdido no marasmo que ele mesmo escolheu."

A inveja, com olhos vorazes, afirma: "Amo aquele cuja alma está tão cheia de desejo e cobiça que ele se esquece de si mesmo, e em sua busca desenfreada por tudo o que lhe falta, ele se perde, vendo em cada desejo um passo mais fundo em seu próprio abismo."

E assim, todos os pecados, unidos em um grito cósmico, ecoam simultaneamente, proclamando: "Void é o Super Homem!"

Assim falavam os pecados, dizendo a Naka e a todos os pecadores, aqueles que, ao subirem aos céus, antes de se perderem, encontraram suas almas cativas.

Naka não exterminou os chamados pecadores, pois a maioria já havia se transformado, já não carregava mais a marca do erro. Contudo, ele os livrou daquelas garras, que os demônios haviam tendido em seu caminho. Pois não foram os pecados que os mataram, mas a volta ao abismo, trazida por Belial e Dajjal.

Belial, o impostor de Cristo, arquitetou uma traição que aprisionou Void e a nós, seres perdidos, nas profundezas das jaulas do desespero. Ele manipulou a fé humana como uma ferramenta de engano, conduzindo todos por um labirinto de mentiras que distorciam a verdadeira essência da crença. Seu plano maligno culminou na libertação de Void, orquestrada por Mefistófeles, que, cegamente, acreditou que essa seria a solução. No entanto, essa liberação resultou em uma tragédia, pois Void, agora livre, retornou para destruir aqueles que o haviam libertado, incluindo Mefistófeles, que pagou com sua própria vida por sua ingenuidade.

Simultaneamente, Dajjal, uma sombra enganadora, se fazia passar por Maomé, tentando confundir os corações e mentes dos homens, trazendo aos céus uma ilusão de um guia espiritual. A figura de Maomé, distorcida e pervertida pela essência de Dajjal, foi usada para plantar falsas verdades e ideologias. Assim, ao invés de conduzir os homens à verdadeira luz, ele os afastava, guiando-os para um abismo de falsas crenças, onde a verdade era apenas um reflexo sombrio de si mesma. No fim, tudo o que restou foram ecos distorcidos da realidade, uma realidade onde as sombras da verdade se tornaram mais reais do que a própria luz.

Jesus, Void e Maomé repousam, pois cumpriram suas missões, levando boas novas. Mas Belial e Dajjal manipulam, corrompendo o caminho, semeando o erro onde antes houve luz. Eles destruíram o céu, enredando anjos e humanos na teia da falsidade. Os verdadeiros profetas repousam, não mais tocados pela carne, pois Void purificou suas almas. Eles, em espírito, seguem além da carne e do pecado, enquanto os demônios, na podridão de sua natureza, envenenaram as almas daqueles que os seguiram.

Esses foram os agentes da destruição, os causadores do colapso celestial.

O Criador, em sua infinita sabedoria, busca companheiros, não cadáveres.