𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐨𝐥𝐨 3: Segredos E Laços De sangue
Helena acordou em seus aposentos, o cheiro do café da manhã ainda distante. Ela se levantou, vestiu seu vestido e desceu as escadas apressada, ansiosa para reencontrar Eduardo. Mas, enquanto descia, um barulho estranho surgiu vindo dos porões do castelo. O som parecia um golpe surdo, repetido várias vezes. Helena parou, surpresa, e olhou ao redor.
Ao descer mais um degrau, ela avistou uma pequena dispensa à esquerda, mas o barulho parecia vir de um ponto mais fundo, do outro lado da parede. Ela franziu a testa, sentindo o coração bater mais rápido. O que seria aquilo?
Sem pensar duas vezes, Helena decidiu investigar. Encontrou uma marreta encostada em uma das pilastras e, sem hesitar, a pegou. Com toda a força, ela quebrou a parede, os estilhaços de pedra se espalhando pelo chão. Algo estava ali, e ela precisava descobrir o que.
Logo em seguida, Helena avistou uma criança, que aparentava ter cerca de 8 anos. A garota estava caída no chão, com o corpo coberto de machucados—arranhões profundos, hematomas roxos e cortes frescos. O quadro era desesperador. A luz do ambiente parecia incomodar seus olhos, que estavam inchados, como se a jovem tivesse passado dias nas sombras.
Helena sentiu um aperto no peito. Algo estava muito errado. A cena diante dela era estranha demais para ser ignorada. Quando se aproximou, a garota recuou rapidamente, aterrorizada, como se temesse que Helena fosse uma ameaça. O medo naqueles olhos foi o suficiente para calar qualquer tentativa de questionamento.
— Não tenha medo — disse Helena, tentando se aproximar com calma.
Mas a jovem não parecia entender. Seus olhos estavam vazios de compreensão, como se ela não soubesse sequer como falar. Helena franziu a testa, cada vez mais preocupada com a condição da menina. Sem saber o que fazer, decidiu tentar algo mais. Com paciência e gestos suaves, foi conquistando a confiança da garota aos poucos.
Depois de alguns momentos de silêncio tenso, ela conseguiu convencer a jovem a seguir com ela. Levou-a até o curandeiro do castelo, onde ele poderia tratar os ferimentos. Helena não sabia quem era aquela garota, nem como ela havia chegado ali, mas algo dentro de si dizia que ela não poderia deixá-la sozinha.
Helena permaneceu ao lado da jovem enquanto o curandeiro aplicava a medicação nos ferimentos dela. A sala estava envolta em um silêncio, quebrado apenas pelos sons suaves do curativo sendo feito. A garota, ainda assustada, parecia mais calma, mas a expressão em seu rosto denunciava um medo profundo que não conseguia dissipar.
Foi quando a porta se abriu, e o rei Ragnar entrou na sala. A presença imponente do pai de Helena,o rei,logo causou um impacto visível na jovem. Ao avistá-lo, seus olhos se arregalaram em puro pavor. A calma que ela tinha até então se desfez como vidro quebrado. Em um movimento rápido, a garota saltou para o canto da sala, sentando-se no chão, abraçando os joelhos contra o peito. Seus olhos, cheios de terror, fixaram-se no rei, como se ele fosse uma ameaça mortal.
Helena percebeu imediatamente a reação da garota. O medo era palpável, e algo não estava certo. Sentiu seu coração apertar. Sem hesitar, ela se levantou e se colocou entre a menina e o rei, como um escudo protetor.
— Pai, por favor, saia da sala — pediu Helena com firmeza, sua voz carregada de preocupação. Ela sabia que sua autoridade não era suficiente para afastá-lo, mas sentia que algo precisava ser feito para proteger a menina.
Ragnar a olhou com desconfiança, mas, ao ver o desespero nos olhos da filha, hesitou. Helena aproveitou o momento e se aproximou da garota, estendendo a mão em um gesto suave e acolhedor. Ela sabia que deveria ganhar a confiança da jovem, e talvez afastar o rei fosse o primeiro passo.
Helena, ao ver o estado da menina, soube que algo precisava ser feito imediatamente. A garota, estava imunda e magra, parecendo ter sido negligenciada por muito tempo. Com cuidado, Helena a levou para um banho quente, tratando-a com a paciência e ternura que sempre teve. Depois, trocou suas roupas esfarrapadas por um vestido novo, digno de uma princesa, feito com o melhor tecido que o castelo tinha. A menina, agora mais limpa e com um semblante mais tranquilo, olhou para Helena com gratidão, mas ainda com um certo receio.
Após ajudá-la, Helena decidiu que a menina precisava de alguém para ficar com ela. Levou-a até a casa de Eleonor, uma senhora de sua confiança, que sempre oferece abrigo a quem precisasse, embora fosse uma fofoqueira de plantão. Sabia que Eleonor cuidaria bem da menina, mesmo que a senhora adorasse contar histórias sobre todos ao seu redor.
Deixou a menina lá, com Eleonor, e voltou ao castelo, sentindo um peso no peito. Precisava entender o que estava acontecendo. Ao chegar, foi direto ao encontro de seu pai, Ragnar, para confrontá-lo.
— Pai — disse Helena, a voz fria e carregada de tensão —, encontrei uma menina. Ela estava suja, ferida, em péssimas condições. Eu a limpei e vesti-a com roupas novas.
Ragnar a olhou com um semblante impassível, mas o olhar que trocou com a filha traiu um leve desconforto. Ele parecia relutante, como se tentasse encontrar uma forma de contornar a situação.
— Onde ela está? — perguntou Ragnar, tentando manter o controle.
Helena, agora irritada, não se conteve.
— Com Eleonor — respondeu Helena. — Mas eu preciso saber quem ela é. Não posso simplesmente ignorar o que encontrei.
O rei respirou fundo, e por um momento, o silêncio entre eles se alongou, pesado com a tensão. Então, Ragnar deu um passo à frente, a expressão séria.
— Ela… — começou o rei, com uma hesitação rara em sua voz. — Ela é minha filha, Helena. A minha filha bastarda.
As palavras caíram como uma bomba no ar. Helena ficou atônita, incapaz de processar o que acabara de ouvir. Por um instante, não sabia se deveria sentir raiva, choque ou confusão. Seu pai tinha uma filha fora do casamento? E por que ela estava naquele estado deplorável?
Ragnar, percebendo o impacto de sua revelação, tentou continuar.
— Eu… eu cometi erros no passado. E a garota... ela foi escondida de todos. Eu não queria que você soubesse. Não agora.
Helena, ainda em choque, não conseguia reagir de imediato. Sua mente girava com a nova informação. Uma irmã bastarda. Uma criança abandonada. Como seu pai poderia ter escondido algo tão grande dela?.
O que o rei havia dito a deixou atordoada, mas não podia deixar sua irmã sozinha. Helena decidiu ir ao encontro da pequena,mas antes de sair, ela subiu aos seus aposentos para fazer as malas, decidida a tirar a pequenina daquele lugar e cuidar dela como deveria ter feito desde o início.
Enquanto estava arrumando suas coisas, ouviu passos pesados atrás de si. Era seu pai, Ragnar, que entrou na sala com um semblante grave.
— Helena, o que está fazendo? — Ele perguntou, tentando se aproximar.
Sem pensar duas vezes, ela o encarou, já com as malas prontas.
— Vou buscar minha irmã, pai. Não vou deixá-la mais lá com Eleonor,estou saindo de casa, e vou levá-la comigo.
Ragnar avançou, colocando a mão no ombro dela, tentando impedi-la.
— Não faça isso, Helena — disse ele, a voz tensa, mas carregada de arrependimento. — Eu não posso permitir.
Helena o olhou com fúria, sentindo a raiva crescer dentro de si.
— E por que não, pai? Por que você escondeu isso de mim? Por que deixou a sua filha viver daquele jeito? Por que ela estava naquela condição?
O rei suspirou profundamente e, antes de conseguir impedir, soltou algo que não pretendia.
— Eu… eu não queria que você soubesse, mas ela... Isolde foi fruto de um erro. Uma criança que não deveria ter existido. Eu a mantive escondida, porque, se soubesse dela, os outros nobres, o reino, as pessoas ao seu redor... tudo mudaria. Eu precisava controlá-la, mantê-la longe da corte. Ela não deveria ter nascido.
A revelação de seu pai foi como um soco no estômago de Helena. Como ele podia justificar o abandono de sua própria filha? A raiva tomou conta dela, mas a dor foi ainda mais forte.
— Então, a culpa foi dela, pai? Ela não tinha direito a uma vida digna, só porque você errou? — A voz de Helena estava carregada de decepção e indignação.
Ragnar, vendo o olhar de desgosto da filha, tentou se justificar, mas as palavras falharam. Ele sabia que, agora, havia perdido a confiança dela.
Helena não conseguiu mais ouvir o que seu pai tinha a dizer. Com o coração pesado, ela pegou suas malas e saiu rapidamente do quarto, sem olhar para trás. O caminho até a casa de Eleonor foi um borrão de emoções. Ao chegar lá, encontrou Isolde brincando com Eleonor, mas quando viu Helena, seus olhos brilharam com um sorriso tímido e grato. Helena se aproximou, ajeitando as malas e colocando-as ao lado da pequena.
— Vamos, minha irmã. Eu vou cuidar de você agora.
Isolde parecia não entender completamente o que estava acontecendo, mas, ao ver a determinação nos olhos de Helena, sentiu-se segura. As duas, com suas malas, partiram rumo à praia que Helena conhecia bem. O vento suave e o som das ondas eram como uma melodia suave para os corações delas. A tarde passou rapidamente, com as duas brincando na água, rindo, e se divertindo como se o mundo ao redor não existisse.
Helena cuidou de Isolde como nunca imaginara, com amor, proteção e carinho. Quando o sol começou a se pôr e a pequena adormeceu em seus braços, exausta de tanto brincar, Helena olhou para o céu, sentindo uma dor profunda no peito. Sua irmã, que nunca teve o amor e o cuidado que merecia, finalmente estava ao seu lado.
Enquanto o sol começava a se pôr, a luz dourada tingia o céu, refletindo em pequenas partículas de areia que se espalhavam pelo litoral. Helena observava Isolde, ainda dormindo tranquilamente ao seu lado. A brisa suave tocava seus cabelos e acariciava seu rosto, mas seu coração estava apertado. O dia de alegria e liberdade parecia ter sido um breve refúgio, uma pequena fuga da realidade sombria que se escondia atrás das muralhas do castelo.
Ela olhou para o horizonte, onde o mar se encontrava com o céu, e pensou nas palavras de seu pai. "Eu fiz o que achei que fosse o melhor." Como ele pôde acreditar que esconder a sua própria filha, que a rejeitou e condenou à solidão, seria a melhor escolha? A dor e a raiva começaram a tomar conta de Helena novamente, mas ao olhar para Isolde, algo mudou.
Ela apertou a pequena mão de Isolde, ainda dormindo. A menina estava em paz agora, ao menos por enquanto. Helena sabia que precisava ser mais do que uma irmã. Precisava ser sua protetora, sua guarda, seu refúgio. Não mais como filha de Ragnar, o rei que a traiu, mas como alguém que daria àquela garota o que ela sempre mereceu: um lar, amor, e a chance de viver sem medo.
O vento parecia sussurrar segredos, lembrando-a de que sua jornada estava apenas começando. Ela não poderia mais ficar à sombra do passado. Helena precisava traçar seu próprio caminho agora, não só para si, mas para Isolde, para proteger a menina de tudo o que o mundo cruel ainda poderia lançar sobre elas. Sua luta não seria apenas contra o castelo de Harvel, mas contra as próprias sombras do seu sangue.
A dor de saber que seu pai, o homem que ela sempre amou, tinha sido responsável por tanto sofrimento ainda queimava em seu peito. Mas ao olhar para Isolde, sentiu que seu coração se aquecia, e a raiva começava a se dissipar, dando lugar a uma força renovada.
Helena pegou Isolde no colo com cuidado, os braços firmes e seguros. A pequena sorriu ainda sonolenta, sentindo a proteção que Helena oferecia sem dizer uma palavra. Elas caminharam juntas, rumo à casa de Eleonor, onde passariam a noite. No entanto, ao longe, em algum lugar nas sombras, o futuro já as esperava com desafios imprevistos.
E, enquanto Helena caminhava em direção ao desconhecido, uma certeza se formou em sua mente: ela lutaria, com todas as suas forças, para garantir que, ao menos uma vez, o destino fosse gentil com sua irmã. E, de alguma forma, ela também encontraria sua própria redenção.