Entre Facas,Promessas e Sangue

Capítulo 8: Entre Facas, Promessas e Sangue

O sol mal havia nascido quando Helena avistou os portões de Yuna no horizonte. O castelo que um dia a acolhera com sorrisos e promessas agora a aguardava com desconfiança e destino incerto. Cada passo seu pesava com o fardo do que viera fazer ali — uma missão imposta por Ragnar, disfarçada de reencontro.

Montada em seu cavalo, mantinha o rosto sereno, embora o peito pulsasse em agonia. Quatro guardas a acompanhavam de perto, homens leais ao rei de Harvel, encarregados de garantir que ela não se desviasse de seu objetivo sombrio. Cada um deles representava um lembrete vivo de que sua liberdade era uma ilusão. Helena não podia errar, mas também não podia ceder.

Logo ao chegar, o capitão da guarda de Yuna abordou o grupo com cautela. Levítio princepe de Arindor e grande amigo de Eduardo, sempre atento, apareceu ao lado dos soldados locais e os confrontou com autoridade.

— Não permitiremos homens armados de Harvel dentro dos portões — declarou. — Ela será recebida sob as leis de Yuna. Aqui, quem manda é o rei Edgar.

O líder dos guardas hesitou, mas Helena interveio:

Helena estava livre — ao menos por fora.

Os olhos do capitão arderam com a dúvida, mas a ordem fora clara: garantir que ela chegasse a Yuna. O restante... não era mais responsabilidade deles. Relutantes, os guardas retornaram, sob escolta yuniana, ao vilarejo mais próximo.

Helena estava livre — ao menos por enquanto.

As ruas da cidade pareciam diferentes. O povo murmurava, lançando olhares confusos. A princesa que fugira, agora retornava? Os boatos percorriam becos e tavernas. Alguns diziam que ela havia traído Eduardo. Outros, que voltava como espiã. Ninguém sabia a verdade, mas todos sentiam o peso de sua presença.

Ela seguiu direto ao castelo, onde Elísia, a rainha de Yuna, aguardava. Postada ao lado do trono, a expressão da mãe de Eduardo era dura, os olhos cravados em Helena como lâminas.

— Você tem coragem de voltar aqui depois de tudo? — sua voz soou fria.

Helena parou diante dela, sentindo a pressão das paredes douradas fecharem-se ao seu redor.

— Eu não voltei por mim — disse, com voz firme. — Voltei por ele. E por alguém inocente que pode morrer se eu não jogar esse jogo direito.

Elísia franziu o cenho, claramente tentando decifrar as entrelinhas.

— Que jogo?

Helena hesitou por um segundo.

— Um que ainda não posso explicar. Mas se eu falhar, o preço será alto demais.

A rainha manteve o silêncio. No fundo, via nos olhos da jovem uma dor que não podia ser fingida. Mas isso não bastava.

— Só espero que você não traga a guerra para dentro de nossas muralhas.

Naquela mesma noite, Helena saiu escondida pelos corredores, guiada por passos que conhecia de cor. No jardim de pedras, iluminado pela luz pálida da lua, encontrou Eduardo.

Ele a esperava, parado entre as sombras. O tempo o havia mudado. Os olhos, antes vibrantes, agora estavam mergulhados em cautela.

— Você voltou — disse ele, sem emoção.

— Voltei. Mas não como você pensa.

Eduardo cruzou os braços, observando cada movimento dela.

— Então como?

— Ragnar tem Isolde. E me deu uma ordem.

— Que tipo de ordem?

— Aquela que me destrói por dentro. Mas eu não vou cumpri-la. Não como ele quer. Preciso da sua ajuda.

— Ele te obrigou a vir?

Helena assentiu.

— Ele quer que eu... — a voz falhou. — Que eu te mate.

Eduardo não recuou. Seus olhos se mantiveram nos dela.

— Vai fazer isso?

— Não.

Ele viu a verdade ali, entre as rachaduras do medo e da coragem. A mulher que amava estava travando uma guerra interna. E ele queria lutar ao lado dela.

— Então vamos vencer esse jogo, Helena. Juntos.

Mas o palácio não dormia. Levítio, desconfiado, observava a movimentação silenciosa de Helena pelos corredores. Notava os olhares evitados, os passos rápidos, as palavras medidas. Algo estava errado, e ele sabia. Ela escondia mais do que dizia.

Na madrugada seguinte, um veneno foi encontrado na cozinha real. O conselheiro Tarel passou mal após o jantar. O alarme soou. A suspeita caiu sobre um dos criados, um jovem que havia servido vinho vindo das terras de Harvel. Nada foi provado. Mas a tensão cresceu.

Aos poucos, Helena sentia o cerco se fechar.

Eduardo a levou à biblioteca secreta do palácio — um lugar onde, antes, discutiam poesia e estratégias.

— Meu pai está suspeitando — ele disse. — Edgar sabe que há algo estranho na sua chegada.

— Ele sempre soube odiar o que não entende.

— Preciso que me diga a verdade. Toda ela. O que Ragnar realmente quer?

Disse Eduardo.

Helena, por fim, revelou. Contou sobre a chantagem. Sobre a faca que estava invisivelmente pressionada contra a garganta de Isolde. Sobre os olhos dos soldados que vigiavam seu quarto antes dela partir. Contou tudo, exceto um detalhe: o medo de falhar.

— A gente vai proteger Isolde — ele disse, firme. — Mas você não vai carregar esse peso sozinha. Não mais.

Na manhã seguinte, Elísia recebeu uma carta selada com o brasão de Harvel. O conteúdo era simples, mas cruel: "Ou o príncipe morre, ou a bastarda paga."

Elísia correu até Eduardo. A verdade, agora escancarada, os forçava a agir. Não havia mais espaço para dúvidas.

Naquela noite, Helena se ajoelhou ao lado de sua cama, os olhos marejados. Não era uma oração. Era uma promessa.

"Eu vou acabar com ele, Isolde. De um jeito ou de outro. Ele não vai mais te tocar."

Mas antes disso, ela teria que virar o jogo de Ragnar.

Nos dias seguintes, ela treinava sozinha no estábulo abandonado. Cada golpe era um grito silencioso. Cada movimento, uma lembrança. De dor. De perda. De ódio. Levítio a observava de longe. A dúvida em seu peito crescia.

— Você confia nela? — Levítio perguntou a Eduardo numa manhã.

— Confio — respondeu ele, sem hesitação.

— Mesmo sabendo o que ela foi treinada para fazer?

— Especialmente por isso. — Respondeu Eduardo

Na terceira noite desde a carta de Ragnar, Helena recebeu um bilhete sob sua porta: "Eles sabem. Encontre-me na capela."

Ela reconheceu a caligrafia — era de Elísia.

A rainha a esperava sentada, sob os vitrais coloridos, com um olhar abatido.

— Não temos mais tempo. Espiões de Harvel estão entre nós. Vi um deles nos corredores. Estavam tentando envenenar o príncipe esta manhã.

Helena sentiu o sangue gelar.

— Isso não estava nos planos do meu pai… Ele está se desesperando.

— E você? Ainda pretende seguir com isso?

— Eu nunca segui. Desde o início, tudo o que fiz foi para proteger o Eduardo... e minha irmã.

Elísia observou-a por alguns segundos. E, pela primeira vez, a expressão em seu rosto suavizou.

— Então, que os Deuses estejam com você, Helena de Harvel. Porque se falharmos... o sangue que cairá será o nosso.