Sombras Na Casa

Capítulo 10 – Sombras Na Casa

Depois de alguns dias tranquilos no vilarejo escondido, Helena e Eduardo decidem ir até a cidade costeira de Arindor, aquele pequeno povoado entre a floresta e o mar, para comprar mantimentos. Isolde permanece em casa com o príncipe Levítio.

O mercado está movimentado, cheio de barulhos, sorrisos e o cheiro doce das frutas locais. Eduardo permanece ao lado de Helena, atencioso como sempre — mas seus olhos parecem divagar por segundos demais quando uma voz familiar surge.

— Ora, ora... — disse uma figura elegante, de postura altiva e sorriso confiante. — Então é aqui que vocês estavam escondidos?

Helena ergueu o olhar devagar, sentindo um frio correr pela espinha.

Era Selene, irmã de Levítio.

— Selene? — murmurou Eduardo, surpreso. Mas não parecia exatamente desconfortável.

— Que coincidência… — Ela sorriu, jogando os cabelos para o lado. — Eu vim explorar a costa, e olha só com quem eu me deparo.

Sem que pudessem impedir, Selene decidiu acompanhá-los, com um ar de falsa gentileza e curiosidade exagerada. Helena trocou um olhar desconfiado com Eduardo, mas ele deu de ombros, como se não houvesse nada a temer.

O que Helena não sabia… é que essa caminhada até a casa seria o começo do fim.

Agora, mais uma pessoa sabia onde estavam escondidas.

E essa pessoa… não era confiável.

Enquanto caminhavam pelas trilhas estreitas da floresta, Helena não conseguia tirar os olhos de Selene. A irmã de Levítio conversava animadamente com Eduardo, como se fossem velhos conhecidos — íntimos até demais.

Ela ria de qualquer coisa que ele dissesse. Tocava no braço dele com naturalidade. E, o mais estranho: Eduardo não parecia incomodado.

Pelo contrário, pareciam íntimos.

— Vocês dois... já se conheciam? — Helena perguntou com um tom de voz neutro, tentando esconder o incômodo.

Eduardo respondeu rápido demais:

— Nos vimos algumas vezes no castelo de Arindor, quando Levítio me levava para treinar por lá.

Selene completou com um sorriso enviesado:

— E a gente sempre se deu muito bem, não é, Dudu?

Helena sentiu o estômago virar. "Dudu?" Desde quando?

Eduardo disfarçou, limpando a garganta.

— Vamos logo, está anoitecendo — murmurou, acelerando o passo.

Ao chegarem à casinha escondida no vilarejo, Isolde correu até a porta para receber Helena. Ela parou no batente, assustada ao ver a estranha atrás da irmã.

— Tá tudo bem, Isolde. Essa é... Selene, irmã do Levítio — explicou Helena, ainda tentando assimilar a presença inesperada.

Selene olhou para a menina, e por um instante seu sorriso se desfez. Havia algo nos olhos dela, julgamento, talvez. Ou apenas curiosidade maldosa.

— Então essa é a irmã escondida? — sussurrou baixinho, só para Helena ouvir. — Vocês vivem mesmo uma vidinha de contos de fadas aqui, hein?

Antes que Helena pudesse responder, Levítio apareceu, saindo da lateral da casa. Quando viu Selene, seus olhos se arregalaram.

— O que você está fazendo aqui?

— Ué, vim visitar. Tô com saudade do meu irmãozinho. — Ela caminhou até ele e o abraçou, mas ele não retribuiu.

— Você não devia estar aqui, Selene.

— E por que não? Agora que sei onde é o esconderijo da sua querida princesa, acho que vou passar uns dias por aqui.

Helena sentiu um arrepio.

Selene sabia.

E agora ela estava dentro.

Naquela noite, o clima na casa estava carregado.

Selene se acomodou como se fosse dona do lugar, jogando o casaco no encosto da cadeira e se servindo de um pouco da sopa que Levítio havia preparado. Eduardo parecia tranquilo demais, como se nada estivesse fora do comum. Já Helena observava tudo em silêncio, sentindo que algo estava errado, mesmo que ainda não soubesse explicar o quê.

Levítio, por outro lado, não disfarçava a irritação.

— Selene — chamou ele, cruzando os braços —, podemos conversar? Lá fora.

Ela deu um sorriso irônico.

— Claro, irmãozinho.

Os dois saíram e caminharam até o jardim nos fundos. Helena, curiosa, aproximou-se da janela para ouvir sem ser vista.

— O que você está tramando, Selene? — perguntou Levítio, direto.

— Eu? Nada. Só vim visitar você... e reencontrar velhos amigos — respondeu ela, jogando o cabelo para trás.

— Para de fingir. Eu vi a forma como você olhou pro Eduardo. Desde quando vocês têm essa proximidade?

Ela riu, sarcástica.

— Ah, então agora você virou o protetor da princesa? Levítio, você está envolvido demais nessa história. Dá pra ver nos seus olhos o quanto se importa com ela.

Ele ficou em silêncio por um segundo.

— Isso não importa agora. Só quero que você fique longe do Eduardo.

— Por quê? Tá com medo do que ela vai descobrir?

— Do que você tá falando?

Selene se aproximou dele e sussurrou:

— Talvez o seu amiguinho não seja tão perfeito quanto parece.

Levítio a encarou com uma expressão sombria.

— Se você sabe de algo… tem a obrigação de falar.

— Ou talvez você tenha a obrigação de abrir os olhos. — Ela deu um passo para trás. — Você sabe o que fazer, irmão. Só não finja que não está vendo.

E então ela voltou para dentro da casa, deixando Levítio sozinho com seus pensamentos.

Enquanto isso, Helena ajudava Isolde a se deitar. A menina parecia desconfortável com Selene ali, e Helena também. Eduardo entrou no quarto e deu um beijo na testa de Helena como sempre fazia. Mas ela sentiu o toque... frio.

— Está tudo bem? — ela perguntou, baixinho.

Eduardo forçou um sorriso.

— Claro que está.

Mas Helena não acreditou.

Não mais.

Na cabeça de Levítio, tudo era caos.

Ele precisava decidir: continuaria calado, protegendo a paz temporária...

Ou abriria os olhos de Helena para a verdade, mesmo que isso destruísse tudo?

E ele sabia.

O que quer que Eduardo estivesse escondendo, mais cedo ou mais tarde, viria à tona.

Nos dias que seguiram, Selene parecia disposta a testar todos os limites.

Ela se oferecia para ajudar em tudo, fingindo bondade, mas seus olhares para Eduardo eram constantes e carregados de intenções que só Levítio parecia perceber. Helena, mesmo sem ter provas, começou a se incomodar. Ela conhecia mulheres perigosas, afinal, fora criada entre elas e aquela ali não era inocente.

Eduardo, por outro lado, continuava o mesmo em gestos… mas havia um certo distanciamento. Ele ainda sorria, ainda dizia que a amava, ainda a abraçava mas faltava alma. Como se a presença dele fosse automática, como se estivesse tentando manter algo que já não estava inteiro.

Certa noite, Helena acordou com um barulho leve. Saiu do quarto em silêncio e passou pelo corredor. Luz fraca na cozinha.

Ela foi até lá.

Quando chegou, apenas encontrou Selene sentada à mesa, tomando um copo de vinho e sorrindo com malícia.

— Tá perdida, princesa? — perguntou a loira, com a voz doce e venenosa.

— Acordei com barulho. Pensei que fosse Isolde — respondeu Helena, firme.

— Ah... Não. Isolde dorme como um anjo. Eu estava... conversando. — Selene passou os dedos pelo pescoço com calma. — Mas ele já subiu.

— Ele? — Perguntou Helena.

— Você sabe de quem eu tô falando.

Helena ficou em silêncio. O estômago revirando.

— Boa noite, Selene — disse, por fim, e se virou para sair.

Selene apenas sorriu. Como quem sabia demais.

Lá fora, Levítio observava pela janela.

Sabia que alguma coisa estava acontecendo.

E se ele estivesse certo, se Eduardo estivesse mesmo cruzando aquela linha…

Logo Helena estaria em pedaços novamente.

E ele…

Ele não conseguiria ver isso de novo.

Dois dias se passaram desde a chegada de Selene.

A casa estava cheia de silêncios estranhos, olhares escondidos e gestos que pareciam inocentes… demais.

Naquela manhã, Helena acordou cedo. O sol ainda nem tinha subido totalmente, e ela decidiu aproveitar o silêncio da casa para tomar um pouco de ar. Passou pela sala devagar, indo em direção à varanda. Ao chegar, viu que a porta dos fundos estava entreaberta.

Curiosa, caminhou até lá.

Ouviu vozes.

— Você devia tomar mais cuidado... — disse Selene, em tom baixo e provocativo.

— A Helena tá dormindo — respondeu Eduardo, quase sussurrando. — Isso é errado...

— Mas você não me afastou — disse ela, se aproximando. — Desde que eu cheguei, você deixou claro que... não esqueceu.

Helena congelou.

O coração acelerado. O corpo imóvel.

Ela queria ouvir mais, confirmar. Mas antes que pudesse dar mais um passo, Levítio surgiu atrás dela, a segurando suavemente pelo braço.

— Não — sussurrou ele, com a voz firme e baixa. — Você não precisa ouvir isso.

Ela o olhou, confusa, quase em pânico.

— Eles…?

Levítio fechou os olhos por um segundo, como se aquilo doesse mais do que deveria.

— Eu ainda não tenho certeza. Mas... eu tô tentando descobrir. E se for verdade, Helena, você vai saber. Eu prometo.

Ela recuou um passo, com a respiração trêmula.

— Por que ele faria isso? Por que agora?

— Eu não sei — respondeu Levítio. — Mas ele mudou. E eu vejo coisas que você não vê… porque tá machucada, e ele sabe disso. Ele sabe onde pode tocar pra te manter ali.

Helena ficou em silêncio por um longo tempo. Depois, apenas balançou a cabeça e voltou para dentro, com o rosto pálido e o olhar distante.

Naquela mesma noite, a casa adormeceu cedo.

Mas Eduardo não estava no quarto.

Helena ficou ali, deitada, olhando para o teto. Sentia o vazio ao lado dela, e o peso no peito era quase insuportável.

Do outro lado da casa, Levítio observava pela janela da sala.

E então viu.

Eduardo e Selene… próximos demais… na escuridão do quintal.

Ela riu baixinho, e ele passou a mão nos cabelos dela.

Foi o suficiente.

Levítio fechou as cortinas com força.

A mão trêmula.

A raiva presa no peito.

E a certeza:

Eduardo tinha cruzado a linha.

Na manhã seguinte, Levítio esperou Eduardo sair para buscar água no poço próximo à casa. Seguiu atrás dele, sem dizer uma palavra, até estarem longe o bastante para não serem ouvidos.

— A gente precisa conversar — disse Levítio, firme.

Eduardo parou, olhou por cima do ombro, mas não respondeu. Continuou enchendo o balde como se nada tivesse acontecido.

— Você vai mesmo fingir que não tá fazendo nada de errado? — insistiu Levítio, se aproximando.

Eduardo soltou um suspiro leve e finalmente se virou.

— Eu não sei do que você tá falando.

— Não? Então me diz o que você fazia ontem à noite no quintal… com a Selene.

Um silêncio pesado se instalou entre os dois.

Eduardo, por um breve momento, pareceu hesitar. Mas logo o olhar voltou a ser calmo, quase arrogante.

— Não é da sua conta. — Respondeu Eduardo.

Levítio deu um passo à frente, agora com o rosto a poucos centímetros do dele.

— Quando envolve a Helena, é sim. Você pediu ela em namoro, Eduardo. Ela confiou em você. Ela te ama. E você… você traiu tudo isso por um momento com a Selene?

Eduardo abaixou o olhar por um segundo, como se carregasse o peso do que fez. Mas não pediu desculpas. Não negou.

— Você não entende, Levítio. Isso… isso é mais complicado do que parece.

— Não é complicado. É errado. E se você não tiver coragem de contar pra ela, eu vou.

— Você vai jogar tudo fora por causa de um erro? — questionou Eduardo, mais sério agora. — Isso vai destruir a Helena.

— Ela merece saber a verdade. E se tem alguém aqui que jogou tudo fora… foi você.

Levítio virou as costas e caminhou de volta à casa, com o coração acelerado e a decisão tomada: ele não protegeria mentiras.

Não mais.

Horas depois, Helena estava no quarto, penteando o cabelo de Isolde, quando Levítio entrou. O olhar dele dizia tudo.

Ela largou a escova devagar.

— Levítio? O que houve? — Perguntou Helena.

Ele respirou fundo.

— Eu queria que você soubesse por ele. Mas não vai acontecer. Então… eu vou te contar.

Helena se virou, o coração já doendo antes mesmo de ouvir as palavras.

— O que foi?

Levítio engoliu seco, tentando ser o mais delicado possível.

— O Eduardo... ele... ele te traiu, Helena. Com a Selene.

Um silêncio cortante tomou o ambiente.

Helena fechou os olhos devagar. Uma lágrima escorreu.

Mas ela não gritou. Não chorou alto. Só ficou ali, parada, sentindo o mundo desabar mais uma vez.

E dessa vez… era amor que doía.

Helena levantou devagar, como se cada movimento exigisse esforço. O rosto estava pálido, e os olhos fixos em Levítio, como se quisessem ouvir dele que era mentira.

— Você tem certeza? — sussurrou ela, quase sem voz.

Levítio assentiu, com pesar.

— Eu vi com meus próprios olhos, Helena. Não dava mais pra fingir que não estava acontecendo.

Ela se virou, saindo do quarto sem dizer mais nada. Isolde tentou segurá-la pela mão, mas Helena apenas a tocou de leve, pedindo silêncio.

Desceu as escadas devagar, como se cada degrau a aproximasse de uma verdade cruel. Quando chegou à porta da frente, Eduardo estava lá fora, sentado no degrau, como se nada tivesse acontecido.

— Eduardo — chamou ela, com a voz fria como o vento da tarde.

Ele se virou, sorrindo ao vê-la… mas o sorriso sumiu quando percebeu a expressão dela.

— A gente precisa conversar — ela disse, firme.

— Claro. Aconteceu alguma coisa?

Helena cruzou os braços, encarando-o.

— Você me traiu?

Eduardo congelou. Não disse sim, nem não. Apenas desviou o olhar.

— Isso é verdade? — ela insistiu.

— Helena, eu… — ele tentou se levantar, mas ela deu um passo pra trás. — Eu cometi um erro. Eu não queria que você soubesse assim.

Ela riu sem humor.

— Não queria que eu soubesse? É sério isso?

— Foi um momento. Não significou nada.

— Mas pra mim significava tudo — ela retrucou, os olhos brilhando com raiva contida. — Você me fez confiar em você. Me fez acreditar que... que eu finalmente tinha alguém do meu lado. E aí você vai e faz isso?

Eduardo tentou se aproximar.

— Eu ainda te amo, Helena. Isso não muda.

Ela balançou a cabeça, dando um passo para trás.

— Não. Isso muda tudo. Porque agora eu vejo… que você não é quem eu pensei que fosse.

Ele tentou segurá-la, mas ela recuou.

— Eu não sou mais aquela garota que aceita calada. E eu não vou ficar ao lado de alguém que mente e me fere pelas costas.

Eduardo a observou em silêncio, vendo Helena se afastar.

Ela virou-se de volta para a casa. Antes de entrar, murmurou:

— Obrigada por me mostrar quem você realmente é.

E então ela subiu as escadas, deixando para trás não só Eduardo… mas o sentimento que um dia existiu entre eles.

No quarto, Levítio observou quando ela entrou, tentando manter a compostura.

— Você fez a coisa certa — ele disse, baixo.

Helena assentiu, engolindo o choro.

— Agora… é a minha vez de fazer o certo por mim. — Disse Helena.

Dois dias se passaram.

A casa parecia diferente. Mais silenciosa. Mais fria.

Eduardo mal aparecia nos cômodos comuns — e, quando aparecia, era como se fosse um estranho dentro de sua própria pele. Helena, por sua vez, passava o tempo com Isolde e, cada vez mais, com Levítio.

Ela não chorava mais.

Não porque não doía, mas porque estava cansada de derramar lágrimas por alguém que nunca mereceu seu coração.

Uma tarde, sentada na varanda dos fundos com Levítio, ela deixou o vento bagunçar seus cabelos. Os dois observavam Isolde correr atrás de algumas borboletas no jardim, uma cena simples, mas que aquecia algo dentro dela.

— Sabe o que é engraçado? — disse ela, sem tirar os olhos de Isolde.

— O quê?

— Eu sempre tive medo de perder o controle. De amar e me machucar. Mas o que mais me destruiu… foi confiar.

Levítio olhou para ela com pesar.

— Você não errou em confiar. Quem errou foi ele por não valorizar isso.

Ela desviou o olhar para ele, mais suave.

— Obrigada por me contar. Eu sei que deve ter sido difícil.

Ele respirou fundo.

— Foi. Mas… eu não conseguia mais fingir. Você não merecia continuar no escuro.

Helena encarou Levítio por alguns segundos. O olhar dele era firme, verdadeiro. Diferente do de Eduardo. Pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu algo diferente "calma".

— Eu gosto de estar perto de você — ela murmurou, sincera.

Levítio ficou em silêncio por um momento. Depois respondeu, com um pequeno sorriso:

— Eu gosto de estar perto de você também.

Eles voltaram a observar Isolde, e o silêncio entre eles era confortável.

Mas a paz duraria pouco.

Do alto da colina, escondida entre as árvores, Selene observava a cena. Um sorriso maldoso se formava em seus lábios.

Ela não estava satisfeita com o estrago que havia causado. Ainda não.

Enquanto isso, Eduardo fechava a porta do quarto devagar. No espelho, encarou o próprio reflexo.

— Você arruinou tudo — murmurou para si mesmo.

Mas ele não chorou. Nem se arrependeu de verdade.

Porque, no fundo, Eduardo acreditava que poderia reconquistar Helena.

Ele só não fazia ideia… de que Helena já estava mudando.

E, dessa vez, ela não voltaria atrás.

Dois dias depois, no final da tarde…

Helena preparava chá na cozinha. Os dedos tremiam um pouco,não de nervoso, mas de ansiedade. Desde a conversa com Levítio na varanda, ela vinha sentindo algo novo crescer dentro de si. Um sentimento leve, diferente do que tinha vivido com Eduardo. Sem mentiras. Sem máscaras.

Ela olhou pela janela. Levítio estava ajudando Isolde a plantar flores no jardim. A cena era calma, bonita. De repente, ela queria estar lá com eles e não presa numa lembrança quebrada de um romance que só a machucava.

Antes que pudesse sair, a voz de Eduardo ecoou atrás dela.

— Acha que eu não percebo? — ele disse, encostado na porta.

Ela se virou, gelando por dentro.

— Percebe o quê?

— Você e o Levítio. Estão bem próximos ultimamente, não acha?

Helena levantou o queixo.

— E desde quando você tem o direito de falar alguma coisa? Depois do que fez… devia agradecer por eu ainda não ter arrancado sua cabeça.

Eduardo se aproximou com um sorriso frio.

— Você nunca foi boa em esconder seus sentimentos, Helena. E sabe o que é pior? Eu ainda consigo ver que parte de você me ama.

Ela riu, amarga.

— Não. Parte de mim ainda tenta entender como amei alguém tão falso. Mas não se engane, Eduardo. O que restou… é só desprezo.

Ele pareceu perder a paciência.

— E vai correr pros braços do meu melhor amigo? Assim, tão fácil?

— Fácil? — Helena se aproximou, os olhos faiscando. — Nada foi fácil pra mim. Você me traiu, me expôs, mentiu enquanto fingia ser diferente de todos. Levítio foi o único que teve coragem de me dizer a verdade. O único que realmente se importa.

— E você acha que ele é perfeito? — Eduardo cuspiu, enciumado.

— Não. Mas pelo menos ele é honesto.

Antes que Eduardo pudesse responder, ela saiu da cozinha, batendo a porta com força.

Mais tarde naquela noite…

Helena se deitou na rede que Levítio havia pendurado na varanda. O vento frio tocava sua pele, mas o coração dela estava quente — e confuso. Levítio se aproximou devagar, com um cobertor nas mãos.

— Trouxe isso pra você — disse ele, com um sorriso tímido.

Ela sorriu de volta, mais sincera do que nos últimos tempos.

— Obrigada. Você sempre aparece quando eu mais preciso.

— É porque eu gosto de estar por perto. E... eu me importo com você, Helena. Muito mais do que deveria.

Ela se sentou na rede, fitando-o.

— Não tem problema. Porque... eu também gosto de você, Levítio. Muito mais do que achei que um dia poderia gostar de alguém novamente.

Os dois ficaram se olhando por longos segundos. E naquela noite, mesmo sem beijos, mesmo sem promessas… os corações deles se aproximaram como nunca antes.

Alguns dias depois, Eduardo deixou o local. O clima estava tenso, pesado, e ele não suportava a ideia de ver Helena com Levítio. Não se sentia mais parte daquilo.

Na noite em que Eduardo retornou ao palácio de Yuna, Levítio estava no quarto contando histórias de dormir para Isolde. Enquanto isso, Helena lavava a louça do jantar na cozinha.

De repente, um envelope foi passado por debaixo da porta. Vinha do lado de fora — alguém havia o entregue da mesma forma como fizeram quando encomendaram o assassinato de Eduardo.

Ao abrir, Helena reconheceu imediatamente a caligrafia. Era a mesma da pessoa misteriosa que havia feito a encomenda.

Seu coração gelou. Um frio percorreu sua espinha. O medo bateu à porta mais uma vez — ela sabia que coisa boa não viria com aquela carta.

Ela leu em voz baixa:

"Você não sabe toda a verdade sobre o que aconteceu com Eduardo. Ele nunca deveria ter voltado."

Seu coração disparou.

Uma corrente de ar gelado passou por ela, fazendo a chama da vela estremecer como seu próprio coração.