Uma aliança silenciosa

O sol mal havia despontado no horizonte quando Cedrik avistou os grandes portões de Sythara. As muralhas brancas reluziam sob a luz suave da manhã, um contraste gritante com a tensão e o sangue que ele deixara para trás em Lunaris. O reino de Cristal parecia intocado pela guerra — e ele se perguntava por quanto tempo ainda permaneceria assim.

Dois guardas armados bloquearam sua passagem assim que ele se aproximou. Suas armaduras reluziam como aço recém-polido, e seus olhares eram firmes, avaliando-o com cautela.

— Estado seu nome e seu propósito em Sythara — ordenou um deles.

Cedrik desceu do cavalo, mantendo-se firme. Ele sabia que sua presença ali não era bem-vinda, mas também sabia que não podia se dar ao luxo de recuar.

— Meu nome é Cedrik, conselheiro da rainha Eleonor de Lunaris. Venho em nome de meu reino, buscar uma audiência com o rei Locthar.

Os guardas trocaram olhares rápidos antes que um deles respondesse:

— O rei não recebe visitas sem aviso prévio.

Cedrik conteve a frustração. Ele sabia que seria difícil, mas o tempo corria contra Lunaris.

— Digam a ele que é urgente. Que se trata do futuro de todos os reinos.

Um dos guardas hesitou antes de dar meia-volta e desaparecer pelas portas do castelo. Cedrik permaneceu imóvel, sentindo a brisa fria da manhã roçar seu rosto enquanto aguardava.

O que ele não sabia era que, naquele momento, Selene já estava a par de sua chegada — e talvez fosse ela a chave para conseguir a audiência que tanto precisava.

Selene caminhava lentamente pelos corredores do castelo, uma das mãos pousada sobre o ventre, enquanto os primeiros raios de sol iluminavam as tapeçarias douradas de Sythara. Ouvira dos servos que um emissário de Lunaris chegara aos portões e soube de imediato que não se tratava de uma simples visita.

Encontrou Locthar no salão principal, debruçado sobre um mapa, analisando as fronteiras do reino. Mesmo sem que ele tivesse dito uma palavra, Selene sabia que o marido refletia sobre o futuro de Sythara e sobre a guerra que se intensificava.

— Ele chegou — disse ela, sua voz suave, mas firme.

Locthar não precisou perguntar de quem ela falava. Seu olhar encontrou o dela, e Selene viu a hesitação em seus olhos.

— E o que espera que eu faça? — Ele cruzou os braços. — Nossa decisão já foi tomada.

Selene aproximou-se, seus passos ecoando levemente pelo salão.

— Pelo menos escute o que ele tem a dizer. Se Lunaris caiu o suficiente para mandar um emissário até aqui, significa que a situação está pior do que imaginamos.

Locthar suspirou, passando uma mão pelo rosto.

— E se ele pedir mais do que podemos dar? Se aceitarmos, estaremos jogando Sythara nessa guerra, colocando você e nossa filha em risco.

Selene pousou a mão sobre a dele, seu olhar carregado de compreensão.

— Sei que deseja proteger nossa família… mas ignorar o que está acontecendo ao nosso redor não nos manterá seguros para sempre.

O rei permaneceu em silêncio, refletindo sobre suas palavras. O momento foi interrompido quando um dos guardas entrou apressado na sala, batendo uma das mãos sobre o peito em saudação.

— Majestade, o emissário de Lunaris aguarda nos portões. Devemos conceder-lhe entrada?

Locthar e Selene trocaram um olhar. Depois de um longo suspiro, ele assentiu.

— Deixe-o entrar.

O guarda fez uma reverência e saiu apressado para cumprir a ordem. Poucos minutos depois, os portões se abriram, e Cedrik atravessou o pátio de Sythara, sentindo o peso da viagem sobre os ombros. O caminho fora longo, mas a missão que carregava era ainda mais árdua.

A fortaleza de Sythara se erguia imponente diante dele, suas torres banhadas pela luz do amanhecer. O ar era frio, mas Cedrik não se deixou distrair. Um guarda o acompanhou pelo interior do castelo, guiando-o por corredores de pedra até uma ampla sala onde o rei e a rainha o aguardavam.

Locthar estava de pé, as mãos cruzadas atrás das costas, observando Cedrik com um olhar avaliador. Ao seu lado, Selene mantinha uma expressão serena, mas atenta. O silêncio na sala era pesado.

Cedrik fez uma reverência respeitosa antes de falar:

— Majestade Locthar, Rainha Selene — sua voz era firme, mas sem arrogância. — Agradeço por me receberem.

Locthar inclinou levemente a cabeça, sua postura rígida.

— Imagino que não tenha viajado até aqui sem um bom motivo. Diga-me… por que Lunaris precisa de Sythara?

O olhar de Cedrik encontrou o de Locthar e, por um instante, ele sentiu o peso do que estava prestes a dizer.

Locthar manteve-se firme, seus olhos avaliando Cedrik com a paciência de um rei que já ouvira inúmeras súplicas antes.

— Sythara sempre se manteve neutra nos conflitos dos outros reinos — ele disse, a voz grave e controlada. — E não pretendo mudar isso agora.

Cedrik assentiu levemente, como se já esperasse essa resposta.

— Compreendo, Vossa Majestade — começou, mantendo a postura respeitosa. — Mas esta guerra não se trata apenas de Lunaris e Thalgal. Se Thalgal vencer, não haverá equilíbrio entre os reinos. A ganância deles não cessará em Lunaris… cedo ou tarde, Sythara será o próximo alvo.

Locthar permaneceu em silêncio, os músculos tensos, mas Cedrik percebeu quando seus olhos desviaram, mesmo que por um breve instante, para Selene.

Foi nesse momento que entendeu.

A recusa de Locthar não vinha apenas da prudência política. Ele não queria envolver Sythara porque tinha algo muito maior a proteger.

Cedrik olhou para a rainha e para o ventre que ela segurava de maneira instintiva. Uma criança estava prestes a nascer.

Respirando fundo, Cedrik escolheu suas próximas palavras com cuidado.

— Sei que sua prioridade é sua família, Vossa Majestade. E entendo que colocar Sythara nesta guerra pode significar um risco para eles. Mas quando essa criança nascer, que tipo de mundo encontrará?

Locthar estreitou os olhos, mas permaneceu em silêncio.

— Se Thalgal não for detido agora, a guerra não terminará em Lunaris. Cedo ou tarde, chegará até suas portas, e então não haverá escolha. Neste momento, o senhor ainda tem tempo para agir sob seus próprios termos. Se esperar demais… talvez não tenha essa opção.

O peso das palavras se acomodou entre eles. Selene, ao lado do marido, manteve-se calada, mas seus olhos se voltaram para Locthar, como se ela própria aguardasse sua resposta.

Por fim, o rei soltou um suspiro longo.

— E o que exatamente espera de Sythara?

Cedrik percebeu a brecha. Ele ainda não aceitara ajudar, mas ao menos estava ouvindo.

Cedrik manteve o olhar firme, escolhendo suas palavras com cuidado.

— Sei que pedir soldados agora é impensável, Vossa Majestade. Mas uma guerra não é vencida apenas com espadas. Informação pode ser a chave para evitar uma catástrofe. Se Sythara puder fornecer inteligência sobre os movimentos de Thalgal, isso já seria uma grande ajuda para Lunaris e, consequentemente, para a estabilidade de todos os reinos.

Locthar permaneceu em silêncio por um momento, avaliando a proposta.

— Espiões… — ele murmurou, os dedos tamborilando levemente sobre o braço da cadeira. — Isso não nos coloca em guerra direta, mas nos dá vantagem caso Thalgal tente algo contra Sythara no futuro.

Selene, ao lado do marido, inclinou-se levemente para frente.

— Isso permitiria que Sythara se preparasse sem tomar uma posição precipitada — acrescentou. — E se a ameaça crescer, ao menos não seremos pegos de surpresa.

O silêncio pairou no salão enquanto Locthar refletia. Por fim, ele expirou devagar e assentiu.

— Enviarei alguns homens para observar os movimentos de Thalgal e manterei contato com Lunaris. Mas se eu perceber que essa guerra pode nos arrastar para o caos… minha prioridade continuará sendo Sythara.

Cedrik assentiu, entendendo que aquilo era o máximo que conseguiria.

— Agradeço, Vossa Majestade. Farei com que Eleonor saiba de sua decisão.

Locthar fez um gesto para um dos guardas.

— Providencie uma escolta para que Cedrik retorne em segurança a Lunaris.

Cedrik fez uma reverência.

— Espero que esta guerra nunca chegue até aqui.

Locthar não respondeu de imediato, apenas desviou o olhar para Selene e para o ventre que guardava a herdeira do reino.

— Eu também.