Dias se arrastaram até que as florestas de Thalgal enfim deram lugar a campos mais abertos. A fronteira de Lunaris era visível ao longe — uma linha tênue entre o refúgio e a morte. Dorian cambaleava, com o bebê nos braços, envolto no cobertor já gasto. Seus pés estavam feridos, os lábios rachados, e cada passo exigia mais do que o corpo parecia aguentar.
Mas ele não parou.
Guiado apenas pela lembrança da esperança e o instinto de um pai, atravessou vales e colinas até que, ao amanhecer, viu algo que o fez cair de joelhos: os portões de Lunaris.
Guardiões patrulhavam as muralhas. Quando o viram se aproximando — sujo, fraco, e com um bebê ao colo — ergueram as lanças em alerta.
— Pare onde está!
Dorian ergueu uma das mãos com dificuldade, a voz rouca quase não saiu.
— Sou... Dorian... Rei de Lunaris...
Os soldados se entreolharam, incrédulos. Um deles desceu correndo para confirmar, enquanto outro tocava a trombeta de alarme.
Em poucos minutos, Cedrik estava nos portões, montado em seu cavalo. Ao ver o homem ajoelhado, a respiração de Cedrik falhou.
— Majestade?
Dorian tentou se levantar, mas as pernas não obedeceram. Cedrik correu até ele, segurando-o antes que caísse de vez.
— Está seguro agora, Alteza — sussurrou o conselheiro, pegando o bebê de seus braços com cuidado. — Está em casa.
As portas se abriram.
E pela primeira vez desde o início da guerra, Lunaris celebrou não a vitória de uma batalha, mas o retorno de sua chama mais antiga: a esperança.
Do outro lado da fronteira, ainda em terras de Thalgal, a chuva da noite anterior deixara o solo enlameado e pesado. Um grupo de soldados avançava entre as árvores cerradas, os olhos atentos a cada sinal deixado pelo fugitivo.
— Aqui — chamou um dos homens, agachando-se próximo a uma pedra manchada. — Sangue seco... não muito, mas recente.
Outro soldado aproximou-se, examinando o chão ao redor.
— E essas marcas... passos arrastados, profundos. Alguém ferido. E pequeno demais para carregar armamento. Talvez desarmado, cansado...
O comandante do grupo se aproximou com o cenho franzido. Ele analisou as marcas e apontou para o que parecia um leve afundamento no barro.
— Isso é de um joelho — murmurou, quase para si mesmo. — Ele caiu aqui.
Mais adiante, entre as folhas, um tecido puído, enroscado em um galho baixo, chamou a atenção. Um dos soldados o retirou com cuidado. Era parte de um cobertor. Pequeno, simples… e com uma delicada costura nas bordas — um padrão que lembrava os bordados usados para envolver bebês.
— Não estava sozinho — disse o comandante, encarando a trilha com olhos frios. — Ele está com uma criança.
O silêncio que se seguiu foi carregado de tensão.
— Estamos perto — concluiu. — Continuem. Ele não pode ter ido longe.
E com isso, os cavalos avançaram novamente, desaparecendo entre a névoa da manhã.
A névoa se adensava à medida que os primeiros raios do sol tentavam atravessar o céu cinzento. Os galhos úmidos arranhavam os rostos dos soldados enquanto cavalgavam, atentos a qualquer som que rompesse o silêncio abafado da floresta. O comandante, em silêncio, mantinha os olhos fixos no rastro quase invisível à frente — como se cada pegada, cada marca no chão lhe contasse uma história.
Mais à frente, o caminho se dividia. Um dos batedores puxou as rédeas do cavalo e fez sinal para o grupo parar. Agachou-se, estudando a terra.
— Pegadas leves aqui… — murmurou. — Ele seguiu pela trilha da esquerda, contornando as pedras. Mas... — apontou com o queixo — ali tem marcas recentes, de alguém que caiu. — Está perdendo força.
O comandante assentiu com um breve movimento de cabeça.
— Ele está fraco. Não vai durar muito tempo sem ajuda. Se atravessou a fronteira, teremos problemas.
Ao mesmo tempo, do outro lado da fronteira, Dorian repousava numa câmara modesta no castelo de Lunaris. Seu corpo, envolto em ataduras, lutava para se manter firme, mas sua mente permanecia desperta — sempre voltada ao bebê que dormia num berço improvisado ao lado da cama.
Eleonor havia sido avisada, mas ainda não acreditava. Assim que entrou no quarto, os olhos da rainha marejaram. Cedrik ficou à porta, observando em silêncio o reencontro que jamais acreditou que veria.
— Dorian... — sussurrou ela, ajoelhando-se ao lado da cama. — É mesmo você?
O rei sorriu com esforço.
— Achei que nunca mais veria este lugar... ou você.
Eleonor segurou sua mão com delicadeza, mas antes que pudesse dizer mais, um dos guardas bateu à porta.
— Perdão, Majestade... há movimento incomum nas florestas do norte. Um grupo avançando em direção à fronteira.
O olhar de Dorian endureceu.
— Eles nos seguiram.
Cedrik franziu o cenho.
— Mesmo com todos os riscos?
— A criança — respondeu Dorian, com um fio de voz. — Eles sabem que estou com ele. E não vão parar.
O silêncio caiu como uma sentença no quarto.
Do lado de fora, as muralhas se preparavam. Sentinelas dobravam a vigília e arqueiros tomavam suas posições. A esperança havia retornado a Lunaris — mas não sem um preço.
E a sombra de Thalgal não pretendia recuar tão facilmente.