Capítulo 17: O ponto da chegada

Uma silhueta se destacava no meio da neve, uma figura imponente e estranha. Não possuía pernas, nem um corpo normal. Apenas uma cabeça gigantesca se tornava visível entre a névoa gelada.

Mark estreitou os olhos e se preparou para atacar. Seu coração martelava no peito, o medo crescendo a cada segundo. O sistema branco e preto já havia alertado sobre a força esmagadora daquela criatura. 

Ele sentia suas pupilas tremendo, a adrenalina pulsando em suas veias. Igris, com um movimento preciso, levou a mão direita até sua máscara. O olho flutuante que observava tudo à distância deslizou até ele, dissolvendo-se em névoa no instante seguinte. 

Em sua mão esquerda, uma pequena corrente roxa se formava, pulsando com uma energia desconhecida.

Ele olhou para as meninas e falou com firmeza:

— Melhor nos unirmos por enquanto. Depois resolvemos nossas diferenças. 

As duas assentiram em silêncio, compreendendo a gravidade da situação.

Layos, apesar do medo, já se preparava para lutar. Símbolos amarelados brilharam em suas mãos enquanto ele girava o corpo para encarar Takeshi.

— Takeshi, venha rápido! Tem algo aqui perto! — gritou, sua voz carregada de urgência.

Takeshi, confuso, franziu a testa.

— Hã?! 

Takeshi sentiu o frio rasgar sua pele. Um único floco vermelho pousou sobre seu ombro. No instante seguinte, seu corpo congelou.

Ele tentou dar mais um passo… mas sua perna falhou. A dor explodiu em sua carne, e ele caiu de joelhos. Quando olhou para baixo, o vermelho já havia se espalhado.

No instante seguinte, seu corpo travou, e ele caiu de joelhos no chão. Uma linha fina e escarlate surgiu em sua perna direita. Um segundo depois, o sangue jorrou.

A dor veio de imediato, afiada e insuportável, como se uma lâmina invisível tivesse atravessado sua carne sem aviso.

O calor crescia dentro do corpo de Takeshi, contrastando com o frio cortante da neve ao seu redor. O sangue manchava o chão branco, tingindo-o de vermelho. Sua perna ainda estava ali, mas a dor era tão intensa que parecia ter sido arrancada.

Os outros ficaram em choque. Mark e Layos abriram a boca, incrédulos, mas a surpresa logo deu lugar à raiva. Sem hesitar, partiram para lá com tudo.

Mark correu tão rápido que deixou marcas negras na neve, enquanto Layos, apesar da velocidade, não deixou nenhum rastro. O vento se intensificou apenas com o deslocamento deles, uivando ao redor.

Assim que chegaram, Mark segurou Takeshi com força, erguendo-o sem dificuldade. Layos permaneceu atento, seus olhos varrendo o ambiente, esperando o próximo ataque.

Igris não perdeu tempo.

Com um movimento preciso, invocou duas correntes enormes que brilharam em tons arroxeados. Ele girou as correntes no ar e, com um golpe violento, lançou-as contra a silhueta misteriosa.

BANG!

O impacto ressoou como um trovão, mas a criatura sequer se moveu. Continuava ali, imóvel, indiferente ao ataque, como se nada tivesse acontecido.

A silhueta se moveu como uma cobra, deslizando rapidamente e se enroscando nas correntes de Igris. Seu corpo parecia uma massa indefinida, retorcendo-se de maneira anormal.

Quando emergiu completamente da névoa, sua aparência ficou mais clara. Sua cabeça tinha aproximadamente um metro de diâmetro e era completamente branca, sem olhos. 

No entanto, dos buracos onde os olhos deveriam estar, um líquido azul-claro misturado com tons de cinza escorria lentamente. Seus dentes, humanos e aparentemente normais, estavam quebradiços, com manchas de sangue escorrendo entre as fissuras.

De repente, a criatura disparou para frente com uma velocidade absurda, surgindo bem diante de Igris antes que ele pudesse reagir.

A mulher de cabelos azuis agiu imediatamente. Com um movimento rápido dos braços, uma energia densa, de tom marrom terroso, se formou ao seu redor.

A energia se espalhou como rachaduras pelo ar antes de se comprimir violentamente, explodindo contra a criatura e lançando-a para trás como se tivesse sido esmagada por uma montanha invisível.

Atingindo o solo nevado, o monstro começou a se contorcer, rolando e se enroscando na neve como se tentasse recuperar o controle. 

Seu corpo deformado se ajustava a cada segundo, como se não tivesse uma forma fixa, tornando seus movimentos ainda mais estranhos e imprevisíveis.

Mesmo sendo arremessada para longe, a criatura não emitiu som algum. Seu corpo se contorceu em ângulos impossíveis, como se não tivesse ossos, e então, lentamente, começou a rastejar de volta, suas mandíbulas estalando como se mastigasse o próprio ar.

Igris olhou para a menina de cabelos azuis e disse, com um leve aceno de cabeça:

— Obrigado. 

Ela o encarou com um olhar vazio, quase sem reação, e respondeu, sem emoção:

— De nada. 

O monstro, com movimentos lentos, girou a cabeça e a ajustou, revelando um sorriso grotesco, quase rasgado, como se a própria carne estivesse se partindo.

Com um movimento abrupto, ele avançou sobre a menina de cabelos azuis. Sua boca se abriu por completo, exibindo dentes ensanguentados e um hálito fétido, prestes a morder a cabeça dela. Mas, antes que o monstro pudesse atacar, Igris usou sua corrente. 

Ele fez com que ela se estendesse e a lançou direto na boca do monstro. O impacto foi brutal, e, com um estrondo, o monstro mordeu com força, quebrando a corrente em pedaços.

Fragmentos roxos caíram no chão, mas logo se desintegraram em pó.

Igris colocou a mão direita sobre a esquerda, e uma pequena chama começou a se formar em sua palma esquerda, iluminando a cena com um brilho suave, mas ameaçador.

A menina de cabelos pretos estalou os dedos. No mesmo instante, blocos azuis e brancos, densos como aço, surgiram em sua mão direita. 

Sem hesitar, ela lançou um dos blocos contra o monstro. O impacto ecoou pelo campo de batalha. Em seguida, pegou outro e arremessou na garota de cabelos azuis.

O monstro parou por um momento, confuso. Seu ataque cessou, como se tentasse entender o que estava acontecendo.

Então, a aura ao redor da menina de cabelos azuis escureceu. Um brilho sombrio a envolveu, e seus olhos, antes comuns, tornaram-se vermelhos como brasas vivas.

Sem aviso, ela avançou. Seu punho se ergueu e, com um golpe brutal, acertou em cheio o rosto do monstro. O impacto foi devastador, jogando a criatura para trás como se fosse um mero boneco.

Layos, observando a abertura, apertou os punhos. Faíscas douradas dançaram ao seu redor, crepitando como relâmpagos prestes a cair.

Ele disparou contra o monstro. A criatura, percebendo o ataque, virou a cabeça rapidamente, os olhos famintos fixando-se nele. Tentou reagir, mas era tarde demais.

Layos desferiu um soco com toda a sua força. O impacto foi tão avassalador que a neve sob seus pés explodiu para cima, espalhando-se como uma nuvem branca ao redor do campo de batalha.

Layos assoprou o punho que havia usado para golpear. Seu olhar seguiu até onde o soco havia atingido.

Quando a neve, antes agitada pelo impacto, começou a assentar, ele finalmente pôde ver. O monstro estava caído no chão, imóvel… mas não morto. Seu peito ainda subia e descia lentamente, como se lutasse contra a inconsciência.

Igris sorriu de alívio, satisfeito com o resultado. As garotas apenas suspiraram, exaustas. Mark também relaxou os ombros, sentindo a tensão diminuir.

Mas então, ele olhou para Takeshi.

Seus olhos arregalaram-se de imediato.

Os olhos de Takeshi estavam vermelhos, ardendo como brasas. Suas pupilas tremiam, como se fossem se despedaçar a qualquer momento. Sua respiração, antes firme, começou a vacilar.

Mark sentiu o desespero apertar sua garganta.

— O que foi? O que aconteceu?! Ei, aguenta firme! — sua voz tremeu.

Mas Takeshi não respondeu.

Seu corpo perdeu a força e escorregou das mãos de Mark. Ele caiu no chão, e os outros apenas olharam, paralisados. Layos, que já sentia as lágrimas arderem nos olhos, desabou de vez.

O peito de Takeshi ardia em uma dor insuportável. Cada respiração parecia rasgar sua alma, como se estivesse sendo despedaçado por dentro. Então, o sangue escorreu. Um corte profundo se abriu bem no centro de seu peito.

A visão dele se tornou um borrão escarlate.

O som de passos esmagando a neve ecoava em sua mente, cada pisada reverberando como um tambor de guerra. A luz das estrelas parecia mais fraca, e o vento soprava frio demais. Era como se o mundo estivesse se despedindo dele.

Ele sentiu o peso do próprio corpo afundar na neve, os olhos ardendo. Sua respiração falhava, cada vez mais fraca.

E a dor continuava. Sem parar. Sem descanso. Sem fim.

O sangue manchava a neve, tingindo de vermelho o branco puro ao redor. A cada segundo, a cor se espalhava mais, como uma tinta vazando sobre um papel em branco.

Takeshi mal sentia o próprio corpo. Seu peito subia e descia em espasmos fracos, e cada nova respiração era uma lâmina atravessando seus pulmões. Seus dedos, rígidos, tentavam agarrar algo—qualquer coisa—mas só encontravam o vazio.

Seu olhar, desfocado, se perdeu no céu acima. O frio era cortante, mas nem mesmo isso ele conseguia sentir direito. Tudo estava se apagando, se distorcendo… até mesmo o som ao redor desapareceu.

Ele pensou, a única coisa que ainda era capaz de fazer:

"Isso é um sonho? Ou finalmente acabou?"

A resposta não veio. Apenas um gosto metálico invadiu sua boca. Ele tossiu, e mais sangue escorreu por seus lábios. A névoa vermelha cobriu sua visão, e, por um momento, pareceu que o mundo inteiro estava desmoronando.

Então, ele ouviu.

Uma voz familiar, ecoando no vazio de sua mente.

 『Parabéns. Você falhou.』

A voz carregava uma tristeza profunda, um lamento distante… mas não houve pausa.

 『Jogo encerrando.』

Os olhos de Takeshi começaram a perder a cor. O vermelho intenso que antes ardia em suas pupilas se dissolvia lentamente, tornando-se um vazio sem brilho. Sua respiração, já fraca e irregular, começou a falhar.

O mundo ao redor parecia distante, como se estivesse se afastando dele. O frio da neve ainda tocava sua pele, mas já não doía como antes. Era um toque suave, quase reconfortante, como se a própria terra estivesse tentando embalá-lo em seus últimos momentos.

Ele ergueu os olhos. O céu noturno se estendia acima dele, infinito e indiferente. As estrelas brilhavam, frias e distantes, como se estivessem assistindo sua queda em silêncio. 

Cada ponto luminoso no firmamento parecia pulsar lentamente, ofuscando-se e acendendo de novo, acompanhando o ritmo moribundo de seu coração.

"Então é assim que termina? Se eu fosse pelos forte como Mark e Layos eu poderia viver. O que eu devia ter feito?"

O pensamento se formou em sua mente, mas não houve resposta. Nem um som. Nem uma despedida.

Um último fio de ar escapou de seus lábios. Seus pulmões se recusaram a puxar mais oxigênio. Seu peito já não subia e descia.

Por um breve instante, pareceu que o tempo congelou.

Então, como uma chama que se apaga com o vento, Takeshi soltou sua última respiração.

E morreu.

Ah… então essa é a sensação da morte.

Um vazio. Um silêncio absoluto. Nenhuma dor, nenhum peso, apenas um alívio estranho percorrendo meu corpo, como se toda a angústia que carreguei por anos finalmente tivesse desaparecido.

Era isso. Meu inferno finalmente chegou ao fim.

Sempre achei que morrer fosse algo aterrorizante. A ideia de desaparecer, de deixar de existir, de ser esquecido… Mas agora, no instante em que deixo tudo para trás, percebo o quão insignificante fui. O quão fácil é ser apagado desse mundo.

O que eu fui para essa sociedade? Alguém sem nome, sem importância. Um garoto que não tinha roupas bonitas, que não tinha uma família para chamá-lo de filho, que nunca teve algo realmente seu. 

Desde o começo, o destino já estava selado. Não importa o quanto eu tentasse lutar, não importa o quanto eu tentasse alcançar o topo… no final, tudo desmoronava da mesma forma.

Mas talvez… talvez tenha valido a pena. Conheci pessoas boas. Pessoas que, ao menos por um instante, me fizeram sentir que eu fazia parte de algo. Se pelo menos elas puderem continuar vivendo, então talvez minha existência não tenha sido em vão.

Se ao menos minha habilidade fosse mais forte…

Se ao menos eu tivesse nascido em uma posição melhor…

Se ao menos eu fosse alguém rico, com poder, como Akira, Layos, Mark, meu chefe… como qualquer outra pessoa que já nasceu acima de mim.

Desculpem-me…

Layos, Mark… Eu falhei.

Eu nunca fui forte. Sempre fui um covarde. Sempre tive medo. Nunca consegui ficar na frente de alguém para protegê-lo. No final, tudo o que fiz foi apenas sobreviver, me agarrando a pequenas migalhas de esperança que nunca foram realmente minhas.

Mas, ainda assim…

Obrigado.

Obrigado por estarem ao meu lado neste mundo horrível. Obrigado por terem me tratado como alguém que realmente existia. Obrigado por me fazerem sentir, nem que fosse por um breve momento, que eu fazia parte de algo maior.

Se eu tivesse sido mais forte…

Se eu tivesse sido alguém melhor…

Talvez eu pudesse ter retribuído.