Takeshi se levantou, deixando para trás a figura de si mesmo em forma de criança, caída no chão. A criança o observava, os olhos marejados, mas sem gritos, sem desespero. Apenas uma dor silenciosa, pesada.
— Por que parou...? — sussurrou, com a voz fraca. — Continua fazendo o que você quer de verdade...
Takeshi, ainda tremendo, com os olhos cheios de lágrimas, respondeu com a voz baixa, mas firme:
— Não... Não é isso que eu quero fazer comigo mesmo.Claro que estou cansado desse mundo. Tudo ao meu redor tenta me matar… eu matei pessoas... Usei outras... — ele apertou os punhos. — Quem eu sou agora, de verdade?
O vento passava entre eles, mas não trazia frio. O silêncio parecia natural naquele espaço, como se fizesse parte da dor.
— Eu perdi Koda nesse mundo… e depois disso... já não há mais nada a perder.
Ele suspirou fundo, levou a mão à cabeça e murmurou, com a voz pesada:
— No final... não há mais nada a perder nesse mundo. O hábito de matar já virou algo normal aqui.
A criança arregalou os olhos, como se, por um instante, tivesse reconhecido aquela parte verdadeira de Takeshi — crua, sem máscaras.
Takeshi continuou, agora com um olhar vazio, sem qualquer brilho de emoção:
— Afinal… não tem como perdoar um assassino, não é? Eu matei… e matei de novo. Não tem como voltar ao passado e consertar isso.
Fez uma breve pausa, respirando fundo, e disse:
— Mas… isso seria diferente da sociedade de antes? Pessoas ainda matam, roubam, usam as outras…
Takeshi balançou lentamente a cabeça de um lado para o outro, sentindo o vento tocar seu rosto. Seus olhos, perdidos na imensidão acima, pararam naquela lua falsa. E então ele disse, em um tom baixo e carregado de saudade:
— Eu me lembro… meu sonho era simples. Ter um bom trabalho, pessoas ao meu lado, dinheiro suficiente… e, no fim, ver o mar. Só isso.
A palavra ‘praia’ podia soar banal para qualquer um, mas para Takeshi significava tudo. Na sua visão, a praia era um lugar de paz — um refúgio silencioso, confortável e acolhedor. Um lugar onde a vida não pesava tanto.
Com a voz enfraquecida e o corpo cansado, ele continuou:
— Claro… eu nunca vou me perdoar por ter matado aquelas pessoas… por ter usado os únicos amigos que tive neste mundo.
Koda também… ele era um deles. Um dos poucos.
Takeshi abaixou a cabeça, os olhos molhados, e finalizou num sussurro quase inaudível:
— A verdade… é que eu tô cansado. Cansado de viver. Cansado de lutar o tempo todo…
As lágrimas escorriam em excesso pelo rosto da figura diante dele — não eram apenas lágrimas de dor, mas de uma verdade que se tornava impossível ignorar. Aquele ser não gritava, não implorava, apenas chorava... como alguém que já sabia o final de uma história cruel.
Takeshi permanecia imóvel. Seus lábios estavam entreabertos, como se quisesse dizer algo, mas não conseguisse encontrar força nem palavras. Os olhos, abertos e fixos, pareciam não piscar mais. O tempo em volta desacelerou — o vento cessou, o ar ficou mais pesado, como se até o próprio mundo estivesse prendendo a respiração.
E então, com uma lentidão carregada de resignação, ele virou-se para trás.
Olhou nos olhos da figura que era, ao mesmo tempo, ele mesmo e o reflexo daquilo que mais temia. A voz de Takeshi finalmente quebrou o silêncio. Não havia raiva. Nem dor. Só aceitação. Um sussurro frio, mas nítido como uma lâmina:
— Eu não sou um herói…
Nem um vilão…
Uma pausa longa, sufocante. Seu olhar escureceu, e o último fio de esperança pareceu cair junto com a frase final:
— …sou um monstro
Takeshi caminhou lentamente, os passos pesados, mas decididos. Parou diante da criança caída no chão — a versão mais crua e antiga de si mesmo — e estendeu o braço esquerdo.
— Na verdade… — sua voz saiu baixa, mas firme. — Nós dois somos.
Naquele instante, algo se quebrou dentro da figura à sua frente. Não apenas nela, mas também dentro de Takeshi. Uma rachadura silenciosa se espalhou por ambos. Um silêncio cheio de entendimento e dor.
A criança hesitou… então, aceitou a mão estendida. Foi puxada de volta para cima.
Takeshi a encarou com um olhar cansado, mas verdadeiro.
— Você me entende — disse com um pequeno suspiro. — É o único que realmente sabe tudo o que eu passei. Talvez você seja uma ilusão, ou alguma manifestação do meu poder… não importa. Foi bom conversar com você… comigo mesmo. Obrigado por me ouvir. Por me entender.
A criança não respondeu. Não precisava.
Mesmo que uma parte de Takeshi ainda resistisse em aceitar completamente cada palavra dita, no fundo… ele sabia. Aquela era a verdade. Sua verdade.
E aquele momento, silencioso e sombrio, marcou o maior pecado que ele poderia carregar.
Mas apesar disso… Takeshi aceitou. Aceitou o peso. Aceitou o destino.
E seguiu em frente.
Takeshi pegou o terno escuro do chão e, com delicadeza, colocou-o sobre os ombros da criança à sua frente. Um gesto silencioso… quase paternal. Em seguida, forçou um leve sorriso, como se ainda tentasse esconder o caos dentro de si.
— Eu criança…
A figura levantou o olhar, confusa e frágil.
— Nessas horas… o que eu faço agora?
Os olhos da criança já não choravam. Havia neles um brilho diferente, como se enfim compreendesse: Takeshi não estava mais se lamentando… ele estava aceitando. Aceitando quem era. Aceitando suas escolhas. Aceitando a dor.
Takeshi respirou fundo, a voz mais firme:
— Você muda suas ações. Ajude eles. Encontre a Árvore Dourada… mas não tente carregar tudo sozinho. Você tem amigos agora. Pessoas que vão caminhar ao seu lado. Não esqueça disso.
A criança, em silêncio, encostou a cabeça no peito de Takeshi. E ali, pela primeira vez, os dois sentiram um calor verdadeiro. Um alívio que não vinha de redenção… mas de compreensão.
Então, o corpo de Takeshi começou a se desmanchar em pequenas faíscas douradas, desaparecendo aos poucos no ar.
Mas ele não sumia para morrer. Ele desaparecia… para retornar. Para viver novamente. Não como um herói, nem como um vilão — mas como alguém que enfrentaria seu próprio destino. Como um monstro… que escolheu fazer diferente.
A criança, agora sozinha, caminhou sobre a neve tingida de vermelho. Olhou para o céu falso e murmurou:
— É… como o tempo passa rápido. Eu espero ver ele de novo.
Fez uma pausa, virou levemente o rosto para o lado esquerdo e perguntou:
— E você? Por que ainda não disse nada?
Do nevoeiro, surgiu uma mulher misteriosa envolta por um véu roxo intenso, tão profundo que parecia impossível de descrever.
— Oh… — ela disse, com um leve tom de surpresa — não esperava que você conseguisse me ver.
A criança a encarou, desconfiada.
— Então você é real? Como ainda está viva? E… como você existe?
O silêncio que seguiu carregava mais perguntas do que respostas.
A mulher misteriosa levou a mão esquerda aos lábios, um leve sorriso se formando sob o véu roxo.
— Hmmm… então você é uma parte dele. Uma nova habilidade, talvez? — Seus olhos brilharam de interesse, como se observasse algo raro e precioso. — Fascinante…
A criança a fitou com desconfiança. Um só olho semicerrado, voz carregada de ironia:
— E você adora se meter nas memórias dos outros, não é? Não tem nada melhor pra fazer? Ou é só mais um daqueles caras que fingem ser sábios, mas parecem velhos cansados?
A mulher apenas sorriu, o véu balançando levemente com o vento que não existia. O silêncio entre os dois dizia mais do que qualquer resposta.
…….
Naquele mesmo instante, em um mundo muito mais concreto — mas nem por isso menos cruel — Takeshi abriu os olhos de repente.
Sua respiração estava pesada. Suas pupilas se ajustavam à luz fria e estática da realidade.
Ele havia voltado.
Ao seu redor, parados e em silêncio, estavam as duas meninas… e o homem.
Todos o observavam com expressões indecifráveis. Não sabiam o que havia acontecido dentro dele.
O homem soltou uma leve gargalhada, descontraído, como se não houvesse tensão alguma no ar.
— Então era esse cara! Hahahaha! O sujeito gosta mesmo de tirar um cochilo, hein? Vai ser um bom companheiro de viagem — disse ele, batendo o braço direito no ombro de Takeshi com familiaridade. — Ei, mano! Qual é o teu nome?
Takeshi, ainda sentindo uma dor leve latejando na cabeça e tentando se situar, respondeu com a voz arrastada:
— Takeshi… só isso.
Ele evitou mencionar o “Kairu”. Já havia aprendido que esse nome causava reações estranhas nos seres dali, como aconteceu com Layos e Mark. Melhor manter as coisas simples.
O homem abriu um sorriso satisfeito.
— Olha só. Eu me chamo Rave. Aquelas duas ali atrás… — apontou com o polegar por cima do ombro — me deram uns bons socos, viu? A de cabelo roxo se chama Yoko, e a de azul escuro é Anika. Entendido, mano?
Takeshi ainda piscava devagar, tentando absorver tudo ao redor. Nada fazia muito sentido ainda.
Rave riu de novo, sacudindo a cabeça.
— Caramba, Yoko! Você quase fez o cérebro dele sair pela orelha com aqueles socos! Hahahaha!
Yoko cruzou os braços, fingindo indiferença, mas seus olhos ainda estavam atentos a cada movimento de Takeshi. Anika, mais reservada, apenas observava em silêncio, seu olhar firme, mas não hostil.
Rave olhou para ele, ainda rindo com aquele jeito descontraído e impulsivo.
— Agora você é um de nós, cara. Entrou porque eu aceitei você aqui. Então, bem-vindo ao grupo.
Takeshi apenas acenou levemente com o braço esquerdo, preferindo o silêncio. Mas Rave não parecia do tipo que deixava o ambiente calmo por muito tempo.
— Você é bem quieto, hein? Pensei que fosse mais agitado, tipo aquelas duas ou os outros. Enfim… se prepara, porque logo vamos enfrentar os guardas. Mas vou te deixar respirar um pouco… os socos foram realmente pesados.
Com um sorriso despreocupado, ele virou-se e caminhou para a direita, pisando firme na neve vermelha. As duas garotas o seguiram logo atrás.
Takeshi ficou parado, ainda tentando compreender tudo. Ele se ergueu com um leve estalo no corpo. Estava dolorido. Seus olhos passearam pelo ambiente silencioso.
Até que, subitamente…
『Você finalmente acordou. Preciso que veja algo.』
— Hã? Como assim? Mal voltei, e já tem mais coisa?
Uma mão brilhante se formou na interface azulada do sistema.
『Não me importa. Apenas olhe. Isso é... estranho.』
Takeshi manteve a expressão séria e levemente vazia, sem entender nada.
『Veja. Muito estranho mesmo.』
A interface carregou com um leve brilho e então exibiu:
『Status』
Nome: Kairu Takeshi
Estatísticas:
[Força: 4], [Velocidade: 5], [Mana: 0], [Magia: 0],
[Resistência: 1], [Constituição: 0], [Stamina: 2],
[Saúde: 2], [Defesa: 1]
Moedas: 1300
Habilidades:
[Verme dos Aspectos Lv.1]
[Visão da Noite Lv.1]
Modificador: ——
Takeshi franziu o cenho, ainda tentando processar.
— Você... mudou meu status? Tá bem mais organizado… até que ficou bonito.
『Seu idiota. Mas... obrigado. Agora preste atenção nisso!』
Takeshi arregalou os olhos ao notar algo.
— Espera… por que eu tenho uma nova habilidade?!
O choque percorreu seu corpo como uma onda elétrica. O sistema exibiu um rosto animado de surpresa, com pequenas faíscas de confusão girando ao redor da expressão:
『Nem eu entendo! Isso nunca aconteceu antes…』
Os três, que caminhavam pela neve vermelha, pararam ao notar que Takeshi não os seguia. Rave se virou com um sorriso provocativo no rosto.
— O que foi, Takeshi? Será que o soco fez você começar a ver coisas? Hahahaha!
Takeshi desviou o olhar da tela brilhante do sistema, respirou fundo e então respondeu com calma:
— Não é nada. Já tô indo.
Ele começou a caminhar, e o sistema — como se tivesse vontade própria — flutuou ao lado dele, emitindo um brilho intenso e silencioso.
Yoko e Anika trocaram olhares rápidos, enquanto Rave arqueava a sobrancelha, visivelmente intrigado.
— Esse cara é mesmo estranho… — murmurou Rave, ainda observando.
À sua frente, o caminho ainda era desconhecido, mas seu próximo destino já estava traçado: o castelo.
Lá, Layos e Mark estavam enfrentando os guardas, lutando para sobreviver. Takeshi, agora com a mente mais clara e o peso do passado um pouco mais leve, sabia que podia ajudá-los.
Além disso, havia a árvore dourada — uma peça central nos mistérios que começavam a se revelar. Talvez lá estivessem as respostas que ele tanto buscava.
Com o vento cortando silenciosamente ao redor, Takeshi apertou os punhos e seguiu em frente.
Agora era hora de lutar não apenas para sobreviver... mas para entender.