Capítulo 34: Celular ?

Takeshi caminhava pela neve tingida de vermelho, com as pernas nuas, sentindo tanto o calor quanto o frio ao mesmo tempo. A temperatura já não o incomodava como antes. Ao seu lado, o sistema azul o acompanhava silenciosamente, enquanto sua mente fervilhava de pensamentos.

“Certo... vamos lá. Primeiro, tem essa galera da Camada 1... alguns deles conhecem esse lance de transcendência...” suspirou, pressionando os dedos contra a testa, tentando organizar a enxurrada de informações.

“Tem um poder novo no status... mas só funcionaria se eu tivesse devorado outro ser. Espera... ainda tem aquelas plantas vermelhas, mas parece que não posso usá-las pra ganhar um aspecto…”

Enquanto seguia, um som inesperado ecoou ao longe — um toque de telefone vindo da direção do acampamento. Um arrepio percorreu sua espinha.

Takeshi se virou devagar, os olhos arregalados de surpresa. Depois, lançou um olhar à frente, para o grupo que o acompanhava. Respirou fundo, tentando manter a calma.

— Ei, Rave... tem um negócio estranho ali atrás. Que tal darmos uma olhada? — disse com um sorriso discreto, disfarçando o medo e a ansiedade que pulsavam dentro de si.

Rave abriu um sorriso largo, os olhos brilhando de empolgação.

— Oh! Até que enfim você falou algo. Claro, vamos lá! — disse, colocando as mãos na cintura e soltando uma risada leve.

Takeshi não perdeu tempo. Disparou em direção ao som estranho, com passos apressados e atentos. Os demais, ao notarem o mesmo barulho vindo da direção do acampamento, também decidiram investigar.

Ao se aproximar, Takeshi logo percebeu que o ruído vinha do corpo do velho — o mesmo homem cujo corpo estava gravemente ferido, largado entre os escombros.

Curioso, Takeshi se ajoelhou e puxou a camisa rasgada do homem, vasculhando entre os tecidos até encontrar o objeto escondido.

Era um pequeno celular de formato triangular, com detalhes nas cores verde e preto. A parte inferior possuía nove pequenos pontos de borracha, alinhados como se fossem botões sensíveis ao toque. A tela era estreita e simples, e no centro havia um botão em forma de seta. Acima dele, um símbolo maior e iluminado indicava a ativação do aparelho.

No instante em que Takeshi o tocou, o celular parou de emitir qualquer som. Um silêncio estranho caiu ao redor, e por um breve momento, tudo pareceu suspenso no ar.

Takeshi observou o estranho aparelho em suas mãos, os olhos estreitos em concentração.

“Então era com isso que ele se comunicava com o chefe dele… Talvez essa galera da Camada 1 saiba mesmo como criar tecnologias avançadas.”

Ao seu redor, os outros apenas observavam em silêncio, curiosos com o objeto desconhecido. Sem perder tempo, Takeshi pressionou o botão central.

Bli!

Um som agudo ecoou, e uma tela com visual antiquado se acendeu — lembrava um computador velho, daqueles que demoravam minutos para ligar.

Takeshi fez uma careta.

“Ah, ótimo… Isso aqui me lembra aquele computador horrível que eu usava. Nostalgia nada agradável.”

Na tela, surgiram três pequenos ícones, parecendo documentos digitalizados. Cada um com um título:

Extração

Missão

Inimigos

Ele encarou os nomes com atenção, tentando entender. Mas quanto mais olhava, mais confuso ficava. As letras tremiam levemente, como se fossem feitas de código instável ou linguagem oculta.

Takeshi recuou um passo e murmurou, com a expressão completamente chocada:

— Eu… eu não entendo nada do que está escrito aqui…

Rave riu da situação, divertido com o constrangimento de Takeshi. Anika apenas cruzou os braços, como se já esperasse por algo assim. Yoko, por outro lado, se aproximou lentamente, curiosa.

Takeshi sentiu um leve perfume vindo dela — um cheiro suave e envolvente. Por instinto, tentou ignorar, afastando os pensamentos.

Yoko se inclinou um pouco, olhando para a tela do dispositivo, e disse com um tom direto:

— Você não sabe ler? Aqui está bem claro: Extração, Missão e Inimigos. Está com algum problema para não entender o idioma principal?

As palavras bateram forte em Takeshi. Ele tentou disfarçar o incômodo com um sorriso forçado.

— Hahaha… é, eu sou meio burro mesmo. Não manjo dessas coisas. Mas valeu por ler pra mim — disse, rindo de vergonha.

Yoko ficou em silêncio por um momento. Não esperava gratidão. Seus olhos encontraram os dele por um instante — um olhar direto, firme. Takeshi sentiu o coração acelerar.

Ela manteve o olhar por alguns segundos a mais, mas logo desviou e voltou sua atenção ao aparelho, como se nada tivesse acontecido.

Takeshi abaixou as sobrancelhas e, com um tom sincero, disse:

— Me desculpa pelo ataque quando a gente se encontrou pela primeira vez — ele tentou ser amigável, querendo quebrar o gelo.

Yoko ainda parecia confusa, como se não conseguisse entender exatamente quem era aquele homem à sua frente. Ela não costumava aceitar desculpas sem motivo aparente, mas, para sua surpresa, respondeu de maneira tranquila:

— Não precisa. Naquela hora, pensei que você fosse realmente alguém ruim... Não que você seja 100% bom agora, mas... tô de boa. — Ela ficou mentalmente um pouco desconcertada por Takeshi pedir desculpas por algo que, para ela, não fazia tanto sentido.

Rave, que estava atrás, fez um biquinho e comentou de maneira irreverente:

— Ah, que coisa. Bem que a Yola merece, às vezes.

Mas antes que ele pudesse continuar, levou um soco forte no abdômen, dado por Anika. O impacto foi tão forte que ele colocou as mãos na barriga, soltando um gemido de dor.

— Aí, aí, aí... pra que isso? — reclamou, se curvando levemente.

Anika olhou para ele com raiva nos olhos e respondeu, firme:

— Você falou mal da mestre. Mesmo que ela tenha respeito por você, eu não vou parar de bater em você quando falar assim dela.

Rave se afastou rapidamente, gesticulando com as mãos:

— Tá bom, tá bom, menina. Af, não precisa exagerar.

Anika apenas bufou, claramente irritada.

Takeshi se levantou com determinação e disse:

— Eu acho que vou ficar com ele.

Anika o encarou com raiva e retrucou:

— Você? Você nem consegue ler isso! Então, por que ficar?

Takeshi não se abalou. Seus olhos se fixaram no castelo à sua frente, com suas imponentes massas de concreto, e ele respondeu com uma calma que contrastava com a tensão do momento:

— Porque eu vou aprender a ler e entender o que está escrito. Quero entender as coisas, quero entender o que está acontecendo.

Rave e Yoko trocaram olhares e, silenciosamente, concordaram com a cabeça. Anika, ainda sem reação, apenas deu um suspiro exasperado e concordou com um gesto.

Mas então, algo estranho aconteceu. Ao longe, como se fosse um erro de programação em um jogo, uma figura apareceu. Takeshi olhou para o que parecia ser uma versão bugada de si mesmo, os braços mexendo de forma descoordenada.

— Ei! Vai para a árvore dourada agora! — gritou a figura, sua presença distorcida e brilhando em cores aleatórias.

Takeshi, confuso e surpreso, parou de andar, observando o fenômeno diante dele. Antes que pudesse questionar o que estava acontecendo, a figura continuou com urgência:

— Você precisa ir. Aquela lua falsa vai ser o seu game over, entendeu?

Takeshi ficou em choque com as palavras da figura bugada, mas as informações começaram a se encaixar em sua mente. A luz da criança desapareceu gradualmente, até que se apagou por completo. Estreitou os olhos, tentando entender de onde vinha… até que reconheceu.

Era ele mesmo. Ou melhor, sua versão criança.

Ele ficou nervoso, tentando processar tudo o que estava acontecendo, mas tentou se manter calmo. Virou-se para os outros e, com um suspiro pesado, disse:

— Gente, eu vou para um lugar. Vocês podem ir para o castelo sem mim.

Antes que pudesse continuar, Rave interrompeu, confuso:

— Ah! Por que essa decisão do nada? Tá, pode ser, mas pelo menos você vai ter que levar alguém com você — ele franziu a testa.

Takeshi suspirou profundamente, tentando se concentrar nas palavras. Finalmente, respondeu:

— Não precisa. Eu vou sozinho.

Yoko, com uma expressão preocupada, falou com seriedade:

— Melhor levar alguém. Olha, eu e o Rave vamos para o castelo. Você pode ir com a Anika até o seu destino.

Anika, sem esconder a irritação, balançou as mãos e disse, quase em protesto:

— Por que eu? Por que o Rave não pode ir? Eu não quero ir com ele.

Yoko, com um tom sério, respondeu:

— Porque eu e o Rave vamos liderar o pessoal e lutar contra os guardiões. E você é forte — ela passou a mão suavemente pela cabeça de Anika, fazendo com que ela se sentisse mais tranquila. — Então, vá e ajude ele. A gente se encontra lá no castelo.

Anika suspirou, um pouco relutante, mas aceitando a situação:

— Está bem... — ela passou os dedos pelo cabelo, afastando os fios de maneira distraída.

Com isso, os dois começaram a caminhar em direção ao castelo. Eles trocaram olhares rápidos até que Takeshi, com um leve sorriso nervoso, disse:

— Bem, então vamos.

Os dois caminharam em direção ao norte, a atmosfera pesada entre eles. Anika, claramente incomodada com a presença de Takeshi, mantinha o olhar fixo à frente, tentando ignorá-lo. Takeshi, incapaz de suportar o silêncio por mais tempo, quebrou a tensão com uma pergunta:

— Você gostava bastante da Yoko. Vocês já se conheciam há um tempo? — ele tentou iniciar uma conversa, na esperança de ganhar algum tipo de confiança.

Anika bufou com impaciência e, sem sequer olhar para ele, respondeu:

— Isso não interessa. Agora me fala por que estamos indo para cá?

Takeshi deu de ombros, tentando parecer despreocupado, embora o peso da situação ainda o angustiasse.

— Está bem... aquela lua falsa. Ela vai acabar com a gente se a gente não fizer algo, por isso eu tô indo em direção a um lugar que pode ajudar.

Anika ficou em choque com a revelação e deu um passo para trás, os olhos arregalados.

— Se isso for verdade, então por que não contou pros outros? Você é burro — disse, irritada, começando a se afastar.

Antes que ela fosse longe, Takeshi falou com firmeza:

— Olha aqui.

Ela parou e o encarou, surpresa com o tom sério.

— A gente precisa de gente lutando contra os guardiões pra dar conta disso tudo. Precisamos terminar essa tarefa o mais rápido possível… por isso escolhi esse caminho.

Apesar da segurança em suas palavras, no fundo, Takeshi só queria que Layos e Mark ainda estivessem vivos para enfrentar tudo aquilo ao seu lado.

Anika parou por um instante, o vento frio balançando seus cabelos, depois apenas suspirou e voltou a caminhar ao lado de Takeshi, indo em direção ao norte.

— Entendi… só espero que isso funcione mesmo. Se não funcionar, eu juro que quebro você — disse com um olhar ameaçador, mas o tom tinha uma leve hesitação.

Takeshi deu um sorriso discreto, aliviado pela resposta, e continuou caminhando ao lado dela. Enquanto andava, pensava:

"Tá, eu criança disse pra seguir isso… só espero que realmente me leve a alguma resposta."

O silêncio entre eles durou alguns minutos, até Takeshi quebrá-lo com um tom mais leve:

— Você é bem forte. Aquela bola de energia que você jogou em mim... ainda bem que consegui desviar, ou teria virado pó.

Anika respondeu sem nem virar o rosto:

— Eu queria que você tivesse morrido naquela hora.

Apesar das palavras frias, havia algo diferente na forma como disse. Por dentro, Anika sentia uma calma estranha ao lado dele — algo que a incomodava por não entender.

Takeshi soltou uma risada leve, sincera:

— Eu não tenho medo, hahaha.

Anika olhou de relance para ele, e, antes que percebesse, um sorriso escapou. Pequeno, involuntário. Quando notou, franziu o cenho, confusa consigo mesma.

Takeshi não percebeu o sorriso contido de Anika. Continuou caminhando com passos firmes, mas silenciosos, sentindo o vento bater suavemente contra o rosto.

O som de seus passos sobre a neve úmida era tudo o que se ouvia… até que algo estranho começou a acontecer.

Pequenas partículas douradas começaram a surgir lentamente ao redor deles, como poeira mágica flutuando no ar. Primeiro vieram em poucos pontos dispersos, cintilando suavemente. Depois, aos poucos, foram se multiplicando, envolvendo-os em uma dança silenciosa e hipnotizante.

Takeshi parou, olhando ao redor com atenção.

Anika também parou, os olhos se estreitando diante do fenômeno incomum.

As partículas, então, começaram a se mover. Como se guiadas por um sopro invisível, elas deslizaram rapidamente para a esquerda, formando um rastro brilhante.

Nenhum dos dois disse nada por alguns segundos. Apenas observavam, hipnotizados por aquela luz suave que parecia chamá-los.

Então, sem trocar palavras, apenas com um olhar rápido de confirmação, os dois começaram a seguir o rastro.