Capítulo 36: Alguém sem ajuda (2)

Numa sala envolta por névoa escura, onde mal se distinguiam formas além do trono imponente ao centro, uma figura permanecia sentada.

A cadeira lembrava um trono real, adornado em azul profundo, amarelo queimado e detalhes negros que pareciam pulsar com uma energia sombria.

Nenhuma feição do ser sentado ali era visível — a neblina envolvia tudo, ocultando sua verdadeira forma.

Diante da figura, uma tela pequena e vermelho l flutuava. Nela, Mark e William apareciam se preparando para lutar.

Em volta, outras telas pairavam no ar, cada uma em tons diferentes, exibindo diversos indivíduos de lugares desconhecidos, todos assistindo atentamente.

A figura encostou o dedo indicador — longo e envolto em sombras — na pequena tela azul.

Sua voz ecoou, grave, densa como trovão abafado:

— Eu voto neles… nos Monitores.

O som dessas palavras fez o ambiente estremecer levemente. Vários olhares se voltaram imediatamente para a figura no trono, surpresos e desconfiados.

A palavra ‘Monitores’ causava desconforto ali. Era uma designação para aqueles que possuíam modificadores para ter habilidades além do natural.

Para muitos naquele salão, isso era uma aberração. Uma nojeira.

Logo, uma nova voz surgiu. Elegante, fria e com um toque provocador.

Uma silhueta feminina destacou-se entre a névoa, com cabelos longos ondulando levemente e olhos verde-escuros brilhando com arrogância.

— Hum… por que você escolheu eles? Olhe para esses dois. São fracos. Aposto que o meu monitor derrotaria os dois de olhos fechados — disse ela, com um leve sorriso debochado.

O homem de olhos laranja não respondeu imediatamente. Em vez disso, criou entre os dedos uma moeda vermelha viva, com um dragão de três cabeças gravado em alto-relevo.

A moeda irradiava uma energia quente, como se contivesse fogo em seu núcleo.

Os olhares se voltaram novamente, desta vez não apenas curiosos, mas atentos.

A moeda subiu ao ar lentamente, girando no eixo, até pairar entre todos.

Com firmeza, ele declarou:

— Este será meu valor. Venha, Bionde.

Do alto, uma esfera de energia amarela-escura se abriu. Dela desceu uma criatura de aparência curiosa:

Tinha pelos azul-escuros e olhos pretos que pareciam poços de calma e inteligência. Apesar do rosto fofo e arredondado, sua postura era surpreendentemente nobre.

Vestia uma camisa fechada por dentro de um terno preto bem cortado. A calça era roxa, decorada com pequenos relâmpagos prateados.

Apesar da estatura baixa — não maior que uma bola de futebol — e da barriguinha saliente, havia algo de imponente naquela criaturinha.

Ele ergueu as pequenas mãos peludas em direção à moeda, que imediatamente desapareceu em partículas vermelhas.

O ser piscou devagar, confuso por um segundo com o valor apostado, mas logo sorriu com um ar diplomático e disse:

— Um voto nos Monitores, então… alguém mais deseja se juntar a essa escolha?

O salão mergulhou num silêncio profundo. A tensão parecia crescer como uma pressão invisível no ar.

Então, como se todos tivessem combinado, as vozes se ergueram ao mesmo tempo:

— Votamos nos inimigos.

A declaração foi unânime. Fria. Impiedosa.

A criatura encarregada dos votos — o pequeno ser de pelagem azul-escura — apenas sorriu com o canto da boca. 

Todos o chamavam de Bionde, embora esse fosse, na verdade, o nome de seu rank — o Rank 8. Uma posição altamente respeitada em alguns círculos, mas frequentemente subestimada por outros. 

Sua função era clara: recolher os votos, administrar os sistemas e manter o equilíbrio burocrático daquele lugar. Em troca, recebia uma porcentagem em créditos de energia, o que fazia de seu trabalho algo burocrático, mas extremamente valioso.

Era um trabalho burocrático, mas de prestígio. E ele o realizava com elegância e uma pitada de ironia.

Com um gesto suave, Bionde levou a mão esquerda à boca e riu discretamente.

— Muito bem… — disse, fitando os presentes com seus olhos brilhantes. Então vejamos, nobres modificadores… o resultado da escolha.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, apenas saboreando a expectativa no ar.

Em seguida, abriu um sorriso largo e continuou:

— Os vencedores… receberão o item especial…

As janelas flutuantes, antes mostrando cenas das batalhas, mudaram de imagem de forma repentina.

Um brilho dourado cruzou os painéis até que, no centro, surgiu uma mensagem cintilante:

  『Canhão Duplo de Três Triles』

Um murmúrio coletivo de surpresa e empolgação tomou conta do salão. Os olhos brilharam, bocas se abriram em sorrisos gananciosos.

Era uma arma rara, poderosa… valiosa o suficiente para transformar uma guerra.

Um homem, cuja silhueta denunciava um corpo musculoso e vigoroso, soltou uma risada estrondosa:

— Hahahaha! — rugiu, com escárnio. — Você vai se arrepender de ter apostado nesses fracassados, monitores!

O salão explodiu em gargalhadas, cada uma carregada de deboche.

Todos riram... menos o homem de olhos laranjas.

Sentado no trono envolto por névoa, ele manteve a expressão serena.

Em silêncio, pegou uma lamparina antiga entre as sombras. A luz dentro dela era fraca, tremeluzente… quase nostálgica.

Seu olhar atravessava a névoa como se enxergasse algo além do tempo e espaço.

— Não vou mudar minha escolha — murmurou, com um tom melancólico. — Agora… apenas observarei.

Por dentro, porém, seu coração estava tranquilo. Um pensamento ecoava suavemente em sua mente:

“Isso será fácil… aquela criança avisou ele das coisas horríveis que estavam por vir. No fim das contas… eu saí ganhando. Eu confio em você… Kairu Takeshi.”

…….

O ambiente era frio, silencioso e sufocante. Mark e William observavam os dois à frente com medo e ansiedade, atentos a cada movimento.

Zhin e Leilani estavam exaustos, ofegantes após tantos ataques.

— Leilani... eu não consigo mais lutar. Estou fraco — disse Zhin, ofegante.

Eles eram, sem dúvida, os mais fortes entre os presentes. No entanto, devido às restrições impostas e à tarefa que estavam cumprindo, não podiam usar todo o seu poder. Isso os prejudicou a ponto de ficarem gravemente feridos.

Igris e Luna tentavam se recuperar, mas já haviam passado dos seus limites. Seus corpos estavam tão desgastados que mal conseguiam se mover.

Tsukiko era a única que ainda tinha forças para lutar um pouco, mas Mark e William não queriam envolvê-la naquele momento.

Mark fincou os pés na neve e, com um impulso repentino, disparou em alta velocidade. A corrida foi tão intensa que fez a neve tingida de vermelho subir no ar como poeira manchada de sangue.

William também correu logo atrás, mas era um pouco mais lento do que Mark. Apenas corria — sem nenhum movimento especial, apenas com o coração decidido.

Mark posicionou sua mão esquerda, fingindo um ataque direto com a adaga em direção a Zhin. Este, acreditando na finta, preparou-se para defender o golpe com a lâmina. No entanto, no último instante, Mark usou a mão direita para acertar um soco brutal na barriga de Zhin.

Zhin conseguiu bloquear o golpe parcialmente, mas sentiu uma dor lancinante nos braços, como se os ossos estivessem sendo esmagados por dentro.

Enquanto isso, Leilani, cega de ódio e consumida pelo desejo de vingança, não percebeu o que acontecia ao seu redor. Com o olhar fixo, avançou furiosamente contra William.

William se colocou em posição defensiva, atento. Mas, de repente, algo inesperado aconteceu.

Faíscas brancas surgiram nos corpos de Leilani, Zhin e Mark. Em questão de segundos, todos os três foram tomados por uma violenta descarga elétrica que os fez cair no chão, contorcendo-se.

William e Tsukiko observaram, chocados, incapazes de reagir.

Os três continuaram a se debater, os choques intensos fazendo seus corpos tremerem incontrolavelmente. 

A dor era insuportável — como se agulhas atravessassem a carne enquanto fogo percorresse cada nervo. Era uma tortura silenciosa, que roubava o ar e paralisava os sentidos.

A neve, tingida de vermelho, continuava a cair, cobrindo seus corpos convulsionando.

William, ainda paralisado, apenas observava, com os olhos arregalados.

Mesmo à beira da inconsciência, Mark reuniu suas últimas forças. Com dificuldade, jogou a adaga na direção de William, que a viu cravar-se na neve próxima aos seus pés. Com a voz falha e quase suplicante, Mark sussurrou:

— Mate... eles... é a única chance…

William pegou a adaga com as mãos trêmulas. Seu coração disparava, e ele precisou engolir em seco para manter o foco. Lentamente, começou a se aproximar de Zhin, que caía, exausto, ao lado de Mark.

Ao se aproximar, William olhou para baixo, hesitante. A cena diante dele era difícil de encarar.

Leilani, por sua vez, sentia uma dor intensa no peito. O desespero se misturava com um ódio silencioso. Pequenas lágrimas escorriam pelos cantos dos olhos, queimando como brasas.

Com dificuldade, ela começou a se arrastar, tentando impedir o que estava prestes a acontecer. A cada movimento, sua mente era invadida por memórias antigas, como relâmpagos cortando a escuridão.

— Fora desse lugar frio existem coisas horríveis lá... — a voz grossa de um homem ecoou em sua mente.

As palavras soaram como um golpe de realidade, cruel e inevitável.

— Você fica muito com esse coração... — dessa vez, era a voz de Zhin em sua memória, carregada de um tom sutil de aviso e dor.

Leilani não aguentou. Chorou de verdade. Um choro silencioso, pesado, de alguém que sabia que havia falhado. A culpa lhe rasgava por dentro. Ela não havia feito nada… e agora era tarde demais.

Zhin, mesmo à beira da morte, virou levemente a cabeça. Por trás do capacete, Leilani conseguiu vislumbrar algo: um sorriso calmo, quase reconfortante.

William se aproximou até ficar a centímetros de Zhin. E, com as mãos ainda tremendo, posicionou a adaga na cabeça dele.

Com um único movimento firme, a lâmina de William atravessou o capacete de Zhin.

Silêncio.

O corpo de Zhin, imóvel, e naquele instante algo se quebrou dentro de Leilani. Ela não aguentou. Gritou por dentro, mas só lágrimas escorreram. Seu choro era mudo, sufocado, como se o mundo tivesse congelado ao redor dela.

William ficou parado, encarando o corpo sem vida de Zhin. Um aperto profundo tomou conta de seu peito. Ele sentiu pena… dor… e até arrependimento. Mas não podia hesitar. Precisava sobreviver — era isso ou morrer.

Com passos pesados, ele se aproximou de Leilani.

Ela ergueu o rosto lentamente, os olhos manchados pelas lágrimas. E então viu a lâmina, reluzente, suja de sangue... pronta para acabar com tudo.

A mente de Leilani se encheu de pensamentos finais, como sussurros distantes no meio da tempestade.

"Eu não queria isso... Desculpa, todos. Zhin… eu queria ser forte como você."

A lâmina desceu.

Leilani morreu ali, com a neve manchada de vermelho sob seu corpo e o último vestígio de seu coração despedaçado.

Mark ainda se contorcia no chão, o corpo tremendo de dor. A eletricidade havia deixado seus músculos em choque, e a respiração era irregular.

William se aproximou, ofegante, ajoelhando-se ao lado dele.

— Aguenta... — disse, tentando manter a voz firme. — Conseguimos... matamos eles. Agora só precisa aguentar mais um pouco, Mark.

Mark tentou responder, mas apenas um som rouco saiu de sua garganta. Seus olhos estavam abertos, vidrados, lutando contra a inconsciência.

…..

Em outro ponto do campo...

— Corre rápido! — gritou Takeshi, a neve sendo cortada pelos seus passos.

Ele seguia uma trilha de pequenas bolas brilhantes no ar — esferas etéreas que deixavam para trás um suave cheiro de perfume doce, como se anunciassem algo importante.

Ao seu lado, Anika corria com determinação, os olhos fixos à frente.

Enquanto avançava, o sistema de Takeshi apareceu ao seu lado, flutuando com brilho intenso. A voz metálica ecoou:

『Ei! Dois guardiões foram mortos. Agora estamos em vantagem.』

Takeshi olhou para o sistema com um leve sorriso, mas não diminuiu o ritmo.

— Ainda não vencemos. Só vamos descansar quando chegarmos à Árvore Dourada… e resolvermos tudo.

O vento frio cortava o ar, mas o calor da esperança crescia dentro deles.

Os rastros à frente começaram a se mover de forma estranha, ondulando no ar como uma serpente dançante.

Takeshi estreitou os olhos, desconfiado. Aquilo não parecia natural.

“Quando tudo isso acabar, preciso organizar todas as informações que coletei sobre este mundo…” — pensou, correndo em silêncio.

Ele já havia formado uma conclusão em sua mente. A restrição era uma força quase onipresente, afetando todos os tipos de seres, sem exceção. 

Desde o encontro com o homem da lamparina, ele sabia: aquilo não era apenas uma limitação física — era algo que tocava a alma. Ele mesmo havia sentido os efeitos daquela força naquele momento.

Mas, ao invés de temê-la, Takeshi decidiu usá-la a seu favor. Seu plano para vencer envolvia explorar exatamente essa regra universal: manipular a restrição contra os próprios inimigos.

Ele apertou os punhos, determinado.

“Se esse mundo é regido por regras invisíveis… então eu vou usá-la da minha forma.”