Capítulo 40: Portões da Carne Pulsante

Após os intensos acontecimentos envolvendo a luta. O grupo voltou suas atenções para cuidar de Layos, Igris e Luna, que estavam exaustos e feridos.

Corpos estavam espalhados pelo chão, sinal claro da guerra recém-travada. Ao todo, sessenta pessoas haviam morrido ali, sem contar os que fugiram, dominados pelo medo.

O grupo permaneceu alguns minutos em silêncio, aproveitando para se recuperar e comer algo.

Layos estava relativamente bem. Pequenos cortes marcavam sua pele, mas já começavam a cicatrizar.

Luna, por outro lado, tinha uma marca visível na testa, vermelha e coberta de sangue seco. Ainda assim, seu corpo dava sinais de melhora.

Igris era o que mais sofria: estava visivelmente exausto. Havia forçado demais suas habilidades, usando-as sem pausa — e agora seu corpo cobrava o preço por isso.

Mark também estava estável, embora ainda sentisse pequenos choques em um dos braços, consequência dos efeitos da restrição que enfrentaram.

Todos começaram ali sem dizer nada. Eles estavam apenas aproveitando a comida.

A porção nutritiva da comida era um arroz e um feijão meio estranho com uma cor vermelha. Uma carne de boa qualidade com bastante massa.

Tudo aquilo custou no máximo 80 moedas. Igris que pagou todas moedas e deu para o grupo.

Depois de comerem e recuperarem parte das energias, todos se sentiram um pouco mais aliviados. Com os estômagos cheios, voltaram a atenção para a imensa porta do castelo à sua frente.

— Ele é ainda maior de perto… — comentou Layos, passando a mão pela testa.

— Sem dúvida — William respondeu, olhando para o alto. — Mas a missão ainda não terminou. Temos que lidar com aquilo.

Ele apontou com o polegar para cima do castelo, mais precisamente para o horrível coração de massa pulsante preso à estrutura.

Todos observaram com atenção. A coisa monstruosa batia sem parar, com veias que emanavam tons vermelhos e azulados em um contraste perturbador — quase belo, se não fosse tão grotesco.

De repente, a carne grudada nas paredes do castelo começou a se mover, como se estivesse respirando. Olhos, antes inertes, abriram-se e começaram a piscar lentamente, todos focando no grupo.

— É melhor acabarmos logo com isso — disse Luna, enquanto amarrava algo na testa para esconder o ferimento.

— Eu apoio essa ideia — murmurou Mark, bocejando discretamente.

Luna olhou ao redor, vendo apenas o céu estrelado e a falsa lua pairando acima. Com um movimento suave da mão em círculo, disse com seriedade:

— Vamos entrar no castelo. Seria bom deixar algumas pessoas do lado de fora, observando os olhos… por precaução.

Todos baixaram os olhos, refletindo em silêncio por alguns segundos, até que uma voz se pronunciou com firmeza:

— Eu fico aqui — disse Tsukiko, com confiança evidente no tom.

Luna sentiu um aperto no peito. As duas já haviam criado um forte laço de amizade, o que tornava natural o medo e a dúvida em vê-la se separando do grupo.

— Eu também fico — declarou Layos, pousando a mão direita sobre o peito, com um leve aceno de cabeça.

— Também — acrescentou Igris, levantando a mão direita. — Podem ir. Se os olhos se moverem, usarei minhas correntes.

Com a decisão tomada, William, Mark e Luna seguiram em frente. Cada passo em direção ao castelo aumentava o desconforto. Os olhos cravados na estrutura os seguiam em silêncio, observando atentamente.

O interior do castelo era envolto em trevas. Não havia como enxergar a longa distância — nem mesmo de perto. Tudo parecia envolto em um véu de mistério opressivo.

Um peso crescia no peito de cada um, como se algo os alertasse a recuar. A vontade de desistir quase os venceu. Mas então, se entreolharam.

Sem dizer uma palavra, afirmaram com o olhar que seguiriam juntos até o fim.

E assim, atravessaram os portões sombrios, adentrando o desconhecido.

Layos observou os amigos entrarem no castelo e, em seguida, virou-se para trás, soltando um leve suspiro.

— Bem… espero que tudo dê certo — murmurou, tentando conter o nervosismo.

Sentia o peito apertado. Ver seus companheiros cruzarem aqueles portões o fazia lembrar das perdas anteriores. Não queria perder mais ninguém nesse caminho. Agora, tudo o que podia fazer era torcer por eles em silêncio.

……..

Dentro do castelo, a atmosfera era opressiva. Uma pressão invisível pairava no ar, quase palpável. Curiosamente, o ambiente exalava um perfume agradável, contrastando com o clima sombrio.

O espaço interno era vasto e decorado com grandes luminárias alaranjadas, presas nas paredes. Apesar da iluminação intensa, a escuridão ainda dominava boa parte do lugar, como se a luz fosse engolida pelas sombras.

O chão seguia um padrão de listras pretas e brancas, semelhante a um tabuleiro de xadrez, com pequenas lacunas reforçando a estrutura pesada e imponente do ambiente.

O corredor era longo e imponente. Nas paredes, podiam-se ver bandeiras penduradas entre as lacunas — todas decoradas com linhas roxas. No centro de cada uma, havia a imagem curiosa de uma ovelha com quatro chifres dourados. 

A criatura estava de boca aberta, e seus dentes eram humanos. No entanto, dentro da cavidade bucal, pequenas esferas incolores se moviam lentamente, criando uma cena perturbadora.

Eles seguiram pelo corredor, observando as bandeiras e as luzes alaranjadas. O silêncio era absoluto — não havia um único som, como se o castelo estivesse selado em outra realidade.

— Isso é bizarro… Será que esse caminho leva até o coração lá em cima? — perguntou Mark, aproximando-se de uma das bandeiras e tocando-a com o dedo.

Luna franziu o cenho e fez uma expressão séria.

— Ei, não mexe nessas coisas! A gente nem sabe se são seguras. E… sim, eu acho que esse caminho leva até o topo.

William afastou os cabelos do rosto com um leve gesto, mantendo o olhar atento ao redor.

— Concordo. Mas conhecendo esse mundo agora, tenho quase certeza de que vamos encontrar alguma coisa no meio do caminho… e provavelmente não vai ser boa.

Ele estava sempre em alerta. Desde que tarefas secretas e secundárias passaram a surgir de maneira imprevisível, William sabia que qualquer descuido podia custar caro.

Mark retirou a mão da bandeira e voltou a andar ao lado dos outros.

— Por enquanto, essa droga de lugar não facilita nada. E ainda temos os outros guardiões por aí — comentou Luna, cerrando os punhos com força.

— Verdade… mas talvez outros grupos os encontrem antes e acabem enfrentando por nós — disse William, tirando algo do bolso e observando.

— Mesmo assim, isso ainda não faz muito sentido… — murmurou Mark, com um semblante cansado.

— Hã? Como assim? — perguntaram William e Luna ao mesmo tempo, confusos.

Mark passou a mão pela barriga, suspirando fundo.

— Não dá pra confiar 100% nisso. Mesmo que outros grupos encontrem os guardiões… eles ainda podem morrer. Lembrem-se: esses guardiões são absurdamente fortes. Nós quase não sobrevivemos. Não é qualquer um que consegue vencê-los...

As palavras de Mark caíram como uma verdade dura e inegável. Por alguns segundos, nenhum dos dois respondeu. A realidade os silenciou — e não havia como negá-la com otimismo vazio.

— Bem... você tem razão — disse William, sem saber exatamente como reagir.

Mark acelerou o passo, tentando quebrar o clima pesado.

— Vamos logo — murmurou, coçando a cabeça. — Melhor esquecer isso por agora e seguir em frente.

Ele queria aliviar a tensão do grupo, mesmo que fosse por um momento. 

Pouco depois, encontraram uma escadaria coberta por um tapete vermelho desbotado, coberto por uma fina camada de poeira.

Eles desapareceram na escuridão do castelo, até que chegaram a um ponto onde o caminho se dividia em dois: um corredor à esquerda e outro à direita.

— Vocês preferem seguir juntos ou nos separarmos? — perguntou Luna, voltando-se para William.

— Vamos todos juntos. Começamos pela direita — respondeu ele, com firmeza.

O som dos passos ecoava pelo corredor silencioso. As paredes ao redor eram estreitas, pintadas em um tom de marrom escuro que dava ao ambiente um ar claustrofóbico. Ao final da escadaria, depararam-se com uma pequena mesa de madeira, esculpida com curvas delicadas que se enrolavam pelas laterais como galhos.

Sobre ela, repousava um relógio de ouro, antigo, reluzente, mas com os ponteiros parados.

— Melhor quebrar, né? — sugeriu Mark, com um leve receio, já empunhando sua adaga.

— Não precisa disso — disse William, colocando-se à frente para impedi-lo.

Com calma, William observou o relógio sobre a mesa e o pegou com a mão.

Click!

O relógio se abriu, revelando as horas — ou, pelo menos, algo que se assemelhava a isso. Os ponteiros giravam sem parar, em movimentos desordenados, como se estivessem presos em um ciclo confuso e sem lógica.

William então tirou algo do bolso: um pequeno celular verde, em formato de triângulo. Era idêntico ao objeto que Takeshi havia usado. Ele o abriu, olhando fixamente para a tela.

“Af... até agora nada. Parece que eles realmente morreram. Pelo menos, por enquanto, tudo continua normal...” — pensou, com um suspiro silencioso.

Ele abriu a aba de mensagens, mas a tela continuava vazia. Nenhuma notificação. Nenhuma resposta.

Silêncio total.

William guardou o celular com cuidado e devolveu o relógio à mesa, deixando-o exatamente onde estava.

— Vamos indo — disse, tomando a dianteira.

Ele começou a caminhar pelo corredor escuro, enquanto Mark seguia atrás com passos hesitantes. A escuridão ao redor fazia sua mente pregar peças.

Luna percebeu o nervosismo e se aproximou dele com um sorriso provocador.

— Um homem com medo de escuro... que ridículo — disse ela, com tom brincalhão.

— Ha! Tá maluca. Eu não tô com medo — rebateu Mark, virando o rosto para o lado, sem coragem de encará-la.

Luna riu baixinho, satisfeita com a reação, e continuou caminhando.

William, por outro lado, parecia animado. Seus olhos brilhavam enquanto observava os detalhes do lugar. Apesar do abandono evidente, ele achava tudo misteriosamente belo. Havia algo no ar que o encantava — um sentimento de descoberta.

As paredes estavam cobertas por pequenas rachaduras e buracos, além de uma camada visível de poeira. Ainda assim, o lugar mantinha uma aura antiga e nobre.

No lado esquerdo, eles avistaram uma porta de madeira envelhecida.

— Fiquem atrás de mim — disse William, estendendo a mão até a maçaneta.

Com um giro suave, ele abriu a porta, revelando uma sala espaçosa. No centro, havia uma mesa enorme, com papéis espalhados pelo chão e pela superfície de madeira. Ao fundo, uma estrutura em forma de cúpula permitia uma visão ampla do céu, como se fosse feita para observar as estrelas.

— Que maneiro… — disse Mark, com os olhos brilhando de empolgação.

William entrou na sala, seguido por Luna e Mark. Os três observaram o ambiente em silêncio, sem saber ao certo como reagir àquela atmosfera estranha e antiga.

Mark se aproximou da mesa e percebeu uma cadeira de madeira parcialmente escondida embaixo dela. Com um leve arrastar, puxou-a para fora e sentou-se, olhando para o teto com curiosidade.

— Olha isso…

Os outros dois também olharam para cima. No alto da sala, havia uma estrutura metálica que cobria parte da cúpula — claramente um mecanismo que permitia abrir a visão para o céu.

— Essas coisas devem ser caríssimas… — comentou William, enquanto pegava uma folha de papel do chão.

O papel estava coberto por escritas curvas e estranhas, como se alguém tivesse rabiscado com pressa ou em um idioma desconhecido.

— Eu não consigo entender nada disso… — murmurou ele, franzindo a testa.

Luna pegou o papel das mãos dele, pronta para fazer algum comentário sarcástico. No entanto, ao examinar melhor, sua expressão mudou.

— Isso aqui é outra língua… também não consigo entender — admitiu, com um tom mais sério.

Mark nem pegou a folha, mas sabia que não ia entender. 

— Vamos deixar isso e encontrar outra coisa — Luna colocou a folha no chão.

Mark apenas assentiu com a cabeça, mas William parecia decidido.

— Podem ir. Quero dar uma olhada melhor nessas folhas… sinto que pode haver algo interessante nelas — disse, concentrado.

Luna bufou, claramente irritada.

— Mas que droga… — murmurou, virando-se. — Eu vou indo, então.

Mark não a seguiu.

— Por que não foi com ela? — William perguntou, curioso.

— Também quero explorar mais essas coisas, sabe? Tudo ainda está confuso… esses seres, esse lugar. Ainda espero encontrar alguma resposta — respondeu Mark, com um olhar pensativo.

— Que bom. Então vamos procurar juntos — disse William, e os dois começaram a vasculhar as folhas, na esperança de encontrar alguma escrita em sua língua.

Do lado de fora, no canto esquerdo do corredor, Luna permanecia em silêncio, encostada na parede, com um olhar sério e distante.

"Chato demais aqui… por enquanto, só me resta esperar." Pensou ela, com os braços cruzados.