Takeshi sentiu uma pontada no peito por tratar Anika daquela forma. Foi algo tão estranho e repentino que, por um momento, ele sequer se reconheceu.
Havia algo mudando dentro dele — algo silencioso, invisível — mas ele ainda não conseguia compreender o que era.
Suas atitudes começavam a refletir justamente o tipo de pessoa que ele costumava criticar no antigo mundo.
— Está bem... Agora me ajuda — murmurou Ethan, quase em súplica.
Seu corpo estava fraco, debilitado pela restrição que drenava suas forças. Takeshi analisava as possibilidades, refletindo sobre os efeitos colaterais de suas habilidades.
Ambos estavam pagando um preço alto. Ethan, pela perda de força e controle. Takeshi, por algo ainda mais profundo: o desgaste mental crescente. Usar sua habilidade estava o consumindo por dentro, tornando difícil distinguir razão de impulso.
Ele suspirou e disse com a voz endurecida, sem qualquer gentileza:
— Sistema, quero uma poção de recuperação.
As palavras não carregavam mais compaixão — apenas uma frieza sombria que crescia a cada passo.
Anika o observava com um olhar trêmulo, claramente inconformada.
— Por que vai deixá-lo vivo? Precisamos matá-lo para completar a tarefa, não?
O sistema azul piscou, processando a compra. Logo, uma pequena poção vermelha surgiu na mão de Takeshi, ao custo de vinte moedas.
— Preciso dele por um motivo específico. E, sim, podemos concluir a tarefa sem escolher nenhuma das opções apresentadas. A única consequência... são as penalidades.
O olho de Takeshi, ativado pela habilidade, exibia agora uma coloração entre o vinho e o laranja, pulsando de forma estranha.
— Você sabe que ele pode te trair — insistiu Anika, desconfiada. — E nem temos certeza de que conseguiremos sobreviver a isso.
Takeshi se abaixou, sem hesitar, e despejou o conteúdo da poção diretamente na boca de Ethan.
— Se ele tentar algo... eu o matarei novamente. Então, Ethan... tente algo. Você só vai perder.
Ethan engoliu o líquido, sentindo seu gosto amargo e desagradável. Mesmo assim, os ferimentos em seu corpo começaram a cicatrizar lentamente. Suas pernas tremiam, e ele mal conseguia encarar Takeshi. O medo era evidente, paralisante.
Takeshi, no entanto, dizia aquilo apenas para intimidá-lo. No fundo, ele sabia que não tinha certeza de como vencer Ethan novamente. Sua vitória anterior fora baseada em sorte — e, mesmo assim, custara uma penalidade severa.
Ainda assim, naquele momento, o medo era uma arma poderosa.
O sistema parecia satisfeito com as ações de Takeshi. Reconhecia que, apesar de sua impulsividade, ele era surpreendentemente astuto nos momentos certos. Mais do que isso, o sistema apreciava o fato de que a penalidade da habilidade estava surtindo efeito — observar Takeshi perder lentamente a sanidade e mergulhar em um estado mental instável era exatamente o tipo de entretenimento que ele desejava.
Takeshi girou levemente o punho, puxando a lâmina cravada em Ethan. O som do metal deslizando pela carne foi abafado pela regeneração que começou quase de imediato. O buraco em seu corpo começou a se fechar.
— Agora fale as informações, árvore dourada — ordenou ele, com a voz firme e o olhar tingido de vermelho.
A árvore tremeu levemente, como se hesitasse diante da autoridade repentina em sua presença.
— Como você... sabe sobre poções?
Takeshi balançou a cabeça com desdém, limpando a lâmina da espada no próprio manto.
— Isso não importa. Agora fale o que sabe... e me entregue sua energia. Vamos destruir aquela lua vermelha.
Ethan se levantou com dificuldade, os joelhos ainda trêmulos. Seu corpo se recuperava lentamente graças à poção, mas a sensação de vulnerabilidade permanecia. Ele arregalou os olhos ao ver Takeshi simplesmente virar as costas, caminhando como se não temesse absolutamente nada. A ideia de atacá-lo por trás passou brevemente por sua mente… mas o medo o impediu.
Takeshi parou ao ouvir sua voz.
— É... quase impossível. — Ethan disse, respirando fundo, com o semblante carregado de frustração.
Takeshi virou levemente o rosto por cima do ombro, curioso.
— Por quê? — perguntou em um tom direto, mas calmo.
Ethan apertou os punhos, hesitante, e então respondeu com a voz embargada:
— Aquela lua... tem uma resistência absurda. Algo comum não vai nem arranhar. A única coisa jáque talvez funcionasse… seria o canhão.
Takeshi se virou completamente para encará-lo, seus olhos brilhando em vermelho e dourado. Um leve sorriso surgiu em seu rosto, carregado de intenção.
— Um canhão, hein? — murmurou, satisfeito com a informação. — Isso já é um bom começo.
A árvore dourada permaneceu em silêncio por um instante, como se absorvesse cada palavra dita. Suas folhas cintilaram levemente com o brilho da lua artificial acima, e então, sua voz ecoou, suave e grave.
— Ele tem razão… — disse a árvore. — A resistência daquela lua é extrema. Mas… infelizmente, eu gostaria de poder ajudar mais neste momento.
Takeshi a observou com atenção. Aquela resposta, somada ao que acabara de ouvir de Ethan, fez uma peça se encaixar dentro dele. Talvez agora ele compreendesse o verdadeiro motivo de ter cruzado o caminho daquela árvore.
Ele deu um passo à frente e murmurou, com um olhar firme:
— Aquela lua... ela vai matar todos. Até mesmo a mim.
…..
Do lado de fora do castelo, a tensão pairava no ar. Layos caminhava em círculos, claramente impaciente, seus passos marcando o chão com inquietação.
— Nada até agora... — murmurou Igris, soltando um longo suspiro, os braços cruzados diante do corpo.
Tsukiko permanecia de pé, com os olhos fixos na imensa estrutura à frente. Seus ombros demonstravam certo cansaço, mas sua voz se manteve serena.
— Vamos esperar. O castelo é enorme... pode demorar para que algo aconteça lá dentro.
Mesmo exaustos pela espera, nenhum deles queria dar as costas para aquilo.
— Eu escolhi isso, mas está ficando entediante... — disse Layos, com os olhos secos e a voz arrastada pelo tédio.
O vento soprava fraco naquele momento. Diferente de antes, seus cabelos não se moviam, e o frio que antes cortava a pele agora parecia apenas uma brisa comum. A neve caía de forma silenciosa, sem transmitir qualquer sensação térmica — apenas presença.
— O que vocês acham que pode estar acontecendo lá dentro? — perguntou Tsukiko, quebrando o silêncio com um tom pensativo.
Layos e Igris se entreolharam, e então Igris respondeu com seriedade:
— Eles podem morrer. Aquela tarefa não é simples. Além disso, há muitas variáveis... muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.
— É... — completou Layos.
Os três permaneceram em silêncio após aquela troca de palavras. O tempo pareceu desacelerar por alguns segundos, envolvido por uma brisa suave e o som abafado da neve sob os pés.
Então, Igris quebrou o clima com firmeza na voz:
— Eles vão conseguir. Pare de pensar demais.
Tsukiko e Layos voltaram seus olhares para ele.
— Esqueçam essas suposições negativas. Confiem neles — completou Igris.
Layos, ainda inquieto, desviou o olhar para o horizonte. Seus olhos se arregalaram ao notar algo vindo na direção deles.
— Hã?! Olhem aquilo...
À distância, várias silhuetas humanas se aproximavam lentamente. Eram muitas — pelo menos setenta pessoas.
De repente, uma das figuras à frente acelerou os passos, correndo em direção ao grupo enquanto acenava com os braços, ofegante e gritando.
— Ei! Parece que tem uns malucos ali! — exclamou Rave, com um sorriso brincalhão no rosto enquanto se aproximava rapidamente.
Seu tom era leve, mas a situação não deixava espaço para relaxamento. Layos franziu o cenho, tentando entender o que aquilo significava.
Rave se aproximava com passos firmes, exalando uma aura vermelha intensa ao redor do corpo. Ao seu lado, Yoko caminhava de forma apática, com o braço direito apoiado sobre o esquerdo e o olhar apagado, quase sem vida.
— Não precisa gritar tanto… — murmurou Yoko, visivelmente desanimada.
Num instante, Rave acelerou com tamanha velocidade que foi difícil acompanhar. Layos, pego de surpresa, tentou erguer a guarda, mas Rave apenas apareceu bem diante deles, sem qualquer sinal de agressividade imediata.
— E aí, quem são vocês? — perguntou Rave, farejando levemente o ar. — Vocês têm cheiro de... algo morto em vocês.
……
Enquanto isso dentro do castelo.
— Já falei para não mexer, idiota — disse Luna, irritada, ao ver Mark tentando forçar uma das portas. Ela cruzou os braços, observando-o com um olhar reprovador.
— Deixa as portas por enquanto. A gente não sabe o que eles são. Vamos ir nesse aqui.
William se aproximou da primeira porta à esquerda, no andar superior. Seus passos eram cautelosos, e ele segurava a maçaneta com certa tensão, o nervosismo evidente em seu rosto.
Com um leve giro, a porta se abriu lentamente, revelando um corredor estreito com paredes de madeira bem cuidadas, adornadas com listras azuladas. No final, uma escada subia para o próximo nível.
— Conseguimos! Até que enfim! — exclamou Mark, correndo animado em direção à escada, um sorriso largo estampado no rosto.
— Ei, espera, idiota! — gritou Luna, tentando impedi-lo, mas já era tarde demais.
Mark subiu as escadas apressadamente, ignorando o aviso.
Do topo, ele olhou para baixo e falou com uma voz animada:
— Podem subir, pessoal! Está tudo seguro por aqui!
Os dois se entreolharam por um instante, trocando olhares silenciosos de cautela. Luna foi a primeira a subir, com passos firmes, e William a seguiu logo atrás, ainda desconfiado.
Assim que chegaram ao andar de cima, foram tomados por um cheiro forte e metálico — o aroma inconfundível de ferro no ar.
O ambiente era silencioso e carregado. Espelhos quadrados, grandes o bastante para refletirem uma pessoa por inteiro, estavam fixados em cada canto da sala, como se vigiassem quem entrasse ali.
A madeira das paredes era escura e bem cuidada, mas o tempo parecia ter deixado sua marca: havia poeira acumulada no chão e sobre os espelhos, turvando os reflexos.
— Isso aqui é... bizarro — murmurou Mark, os olhos arregalados enquanto observava cada detalhe ao redor.
Eles giravam lentamente no centro da sala, ainda tentando compreender o ambiente em que haviam entrado. Nada ali parecia se encaixar com a estrutura de um castelo tradicional.
— Isso não parece um castelo — comentou Luna, visivelmente desconfortável. Seus olhos se fixaram nos espelhos ao redor, refletindo suas imagens distorcidas pela poeira. — Esses espelhos… estão me dando uma sensação estranha.
O ar parecia mais denso ali dentro, como se algo estivesse observando-os por trás do reflexo.
— Eu também sinto isso... — disse William em voz baixa. — É melhor continuarmos andando. — Ele tomou a dianteira, avançando com cautela pelo corredor.
Mark e Luna o seguiram de perto, os passos lentos e atentos.
O corredor parecia se estender infinitamente, envolto em um silêncio quase sufocante. Os espelhos nas paredes refletiam suas imagens de forma impecável, como se estivessem sendo observados por múltiplas versões de si mesmos.
Nenhum passo produzia som — nem um rangido, nem o eco esperado.
— Tenho a sensação de que isso vai demorar — comentou Mark, desconfiado. Ele ergueu a adaga e apontou para um espelho no canto esquerdo, os olhos estreitos em alerta.
— É verdade... Só espero que os outros estejam bem — disse Luna, enquanto enrolava uma mecha de cabelo no dedo, o olhar perdido nos reflexos à sua volta.
William assentiu com um leve movimento de cabeça.
— Eles sabem se cuidar.
— Mas esse lugar não parece querer deixar ninguém sair inteiro — completou Mark, olhando para os espelhos com desconfiança.
O grupo seguiu em silêncio por mais alguns passos.
Tudo estava silencioso e tranquilo, até que algo se moveu de forma sutil no final do corredor. No instante seguinte, os espelhos ao redor começaram a refletir uma imagem estranha — algo que não era nenhum deles.
Luna se aproximou de Mark, sem desviar os olhos dos espelhos.
— Eu odeio esse lugar…
A figura refletida virou a cabeça lentamente, como se os observasse.
O ar ficou mais frio. E o silêncio... mais ameaçador.