Capítulo 47: bonecos (1)

Tsukiko caminhava à frente, acompanhada pelos dois. A cada passo, o chão parecia mais instável, mole, e o som de pequenas pedras caindo ecoava ao redor, aumentando a tensão no ar.

— Parece que isso vai desabar a qualquer momento — comentou Layos, levando a mão esquerda ao queixo, observando o ambiente com cautela.

— Não fala isso, Layos... — retrucou Igris, com os dedos trêmulos, já imaginando os piores cenários possíveis.

O que os outros não sabiam era que Igris tinha um profundo medo de alturas. Só de pensar em olhar novamente para o buraco imerso, ele sentia que poderia desmaiar ali mesmo.

Logo, perceberam que o caminho à frente formava uma espiral descendente. O chão seguia em curvas até um ponto desconhecido, mergulhando na escuridão. Não era possível enxergar o fim — como se o abismo engolisse qualquer sinal de luz.

— Parece que o único jeito é descer — disse Tsukiko, refletindo em voz alta.

Igris caminhava com dificuldade, mantendo uma das mãos na parede para não perder o equilíbrio. Seu rosto estava pálido, e ele lutava para não desmaiar ou vomitar. Layos, por outro lado, seguia com firmeza. O ambiente parecia familiar para ele, como se não fosse nada fora do comum.

De repente, um brilho alaranjado surgiu à esquerda de Layos. Ele virou a cabeça e viu uma mensagem se formando diante de seus olhos:

『Oi!... Demorei, mas estou aqui. Estava tentando manter contato com o sistema de Takeshi.』

Ao ler aquelas palavras, uma lembrança atravessou sua mente — memórias de quando Takeshi cuidava dele e o ajudava em momentos difíceis. A saudade o atingiu com força, e seu semblante se entristeceu.

Tsukiko percebeu o olhar abatido do amigo e, com uma expressão suave, perguntou enquanto caminhavam:

— Você conseguiu falar com ele? — perguntou Tsukiko, com um tom cuidadoso, notando o semblante entristecido de Layos.

O sistema brilhou suavemente diante deles e respondeu com voz lenta e carregada de pesar:

『Infelizmente, não. Depois da morte dele, o sistema desapareceu. Tentei usar a Comunicação Estelar para rastreá-lo, mas não encontrei absolutamente nada.』

As palavras atingiram Layos como uma lâmina silenciosa. Saber que não restava sequer um vestígio de Takeshi — nem mesmo no sistema — apertou ainda mais o vazio que ele sentia no peito.

— Entendi... — murmurou Layos, desviando o olhar.

— Mas... o que é exatamente essa Comunicação Estelar? — perguntou Tsukiko, com curiosidade genuína.

Layos chegou a franzir o cenho, incomodado por ela mudar de assunto tão repentinamente, mas logo compreendeu: ela apenas queria aliviar o clima, afastar a tristeza que ameaçava dominar o momento.

O sistema respondeu logo em seguida, com sua voz mecânica e pausada:

『A Comunicação Estelar é um recurso comum entre todos os sistemas. Ela permite trocar informações a grandes distâncias, mas possui limites — e esse limite é justamente a distância. Eu a utilizei, mas nem mesmo consegui me aproximar do corpo dele. O sistema de Takeshi simplesmente sumiu.』

Todos permaneceram em silêncio por alguns instantes, absorvendo o peso da conversa.

— Realmente, isso é estranho... — disse Tsukiko, quebrando o silêncio com um tom reflexivo. — É a primeira vez que algo assim acontece?

『Sim. Segundo os dados registrados, quando alguém morre, o sistema se torna livre, aguardando uma nova missão.』

Layos e Tsukiko trocaram olhares. Havia algo desconcertante naquela explicação.

— Isso não parece certo — comentou Tsukiko, cruzando os braços. — Parece muito estranho.

A incerteza pairava no ar como uma nuvem densa, e a sensação de que algo maior se escondia por trás daqueles acontecimentos apenas crescia dentro deles.

『Como assim?』

— Parece que alguém mentiu para vocês — Tsukiko afirmou com naturalidade, mantendo o olhar atento ao redor.

O sistema de Layos brilhou por um instante, como se hesitasse, até emitir uma resposta com um leve atraso, quase surpreso.

— Talvez... talvez aquele sistema tenha simplesmente morrido — continuou Tsukiko, com um tom mais sério. — É só uma teoria, claro, mas tudo aponta nessa direção.

Seus movimentos, as expressões calmas porém determinadas e até o modo como ela cruzava os braços ao pensar… tudo aquilo fez Layos, por um breve momento, enxergar Takeshi nela. Foi o suficiente para que uma pontada de dor surgisse em seu peito — a culpa ainda viva por não ter conseguido ajudá-lo quando mais precisava.

『Realmente... pode existir essa possibilidade. Mas... é difícil acreditar que eles fariam algo assim.』

Antes que Tsukiko perguntasse quem eram “eles”, um som seco e profundo ecoou pelas paredes. Algo estava quebrando. O chão, as paredes e até o teto estremeceram, e pequenas pedras começaram a cair ao redor deles.

De repente, os sistemas de todos brilharam em uníssono. Uma mensagem clara surgiu diante de seus olhos:

『Coração morto. Última missão da tarefa: Eliminar o último Cavaleiro.』

O silêncio caiu por um momento.

Todos trocaram olhares surpresos, enquanto Tsukiko voltou sua atenção para o imenso coração pulsante no centro da sala. Uma dúvida inevitável surgiu em sua mente:

“Se o coração da tarefa foi dado como morto... então que tipo de coração é esse? O que ele representa?”

O ambiente continuava a tremer levemente, como se algo estivesse despertando nas profundezas daquele lugar…

…..

No andar mais alto do castelo, o vento uivava com força, fazendo a estrutura tremer levemente. Partes das paredes estavam desmoronando, e alguns tijolos soltos caíam sobre o chão de pedra rachado. No centro do local, havia um enorme buraco aberto, expondo os andares inferiores e revelando o caos que se espalhava pelo interior da fortaleza.

Rave permanecia de pé sobre o teto parcialmente destruído. Ao seu lado, estava Yoko, observando tudo com os olhos atentos. 

Também presentes estavam o adolescente de expressão arrogante — seu rosto marcado por confiança exagerada — e o homem do chapéu, aquele que muitos já haviam esquecido, mas cujo olhar escondia mais do que dizia.

— É, parece que você conseguiu... — Rave comentou, soltando uma risada rouca. — Hahahaha!

Ele encarava o adolescente, que exibia um sorriso convencido após realizar algum feito que, aparentemente, havia surpreendido até mesmo Rave.

O adolescente segurava, com firmeza, o coração completamente esmagado em sua mão direita. Um líquido espesso, de coloração roxa misturada a tons de azul-lilás, escorria entre seus dedos, gotejando no chão com um som viscoso.

Seus lábios se curvaram em um largo sorriso, satisfeito com sua conquista.

Rave, por outro lado, permaneceu em silêncio. Seus olhos observavam a cena sem emitir uma única palavra, carregando uma expressão difícil de decifrar.

Eles haviam chegado até ali de uma forma nada convencional. O adolescente, impaciente com a ideia de subir andar por andar pelas escadas, optou por um método direto — começou a saltar com força, destruindo o teto de cada nível, abrindo caminho até o topo.

A cada impacto, estilhaços de pedra e concreto voavam, e o som dos colapsos ecoava por todo o espaço vazio. Até que, enfim, alcançou o último andar... e ali, sem hesitar, eliminou o coração da tarefa.

No instante em que o golpe final foi desferido, as carnes ao redor começaram a escurecer. Seus tons vívidos se tornaram marrons, sem vida. Os movimentos pulsantes cessaram. Tudo ali... morreu.

— Vocês são todos fracos... imundos. — A voz do adolescente soou carregada de desprezo, enquanto seus olhos brilhavam com um tom intenso de roxo.

A transformação era evidente. Seus dentes tornaram-se afiados, revelando um sorriso perturbador manchado de sangue. O que antes parecia apenas um aluno comum agora exalava uma presença monstruosa, como se a sua própria existência tivesse sido moldada para destruir.

A aura ao seu redor já não lembrava em nada a de um estudante — era selvagem, sombria, letal. Ele ria, um riso frio e cortante, enquanto os traços humanos se perdiam naquele instinto assassino que tomava conta de si.

— Esse cara é meio irritante… — murmurou Yoko, com a voz baixa o suficiente para que só Rave ouvisse.

Rave apenas assentiu, concordando em silêncio.

O adolescente à frente deles continuava rindo, como se estivesse se divertindo sozinho. De repente, o sistema flutuante ao seu lado brilhou com uma tonalidade prateada, sua borda ondulando suavemente como se imitasse o fluxo de um rio calmo.

Uma mensagem surgiu no visor do sistema, mas estava voltada apenas para ele. Nenhum dos outros presentes conseguiu enxergar o conteúdo da notificação. Apenas o adolescente a leu — e seu sorriso cresceu ainda mais.

— Falta tão pouco para terminar... — murmurou o homem de chapéu, com um sorriso estranho no rosto. Seu tom era tão inquietante que não parecia o de um ser humano comum.

Ele observava lá de cima, de uma altura assustadora. A queda dali certamente seria fatal para qualquer um.

Enquanto isso, Rave permanecia em silêncio. Seu olhar estava sério, fixo no homem, como se tentasse decifrar suas intenções apenas pelos olhos.

Depois de alguns segundos, ele finalmente quebrou o silêncio:

— E agora? O que você pretende fazer?

O homem de chapéu permaneceu em silêncio, imóvel, como se aguardasse algo.

Ao lado dele, o adolescente virou lentamente o rosto, os olhos afiados brilhando com determinação.

— Vamos atrás do último Cavaleiro! — declarou, a voz firme e carregada de convicção.

Seu olhar cortava como lâminas, refletindo a intensidade de quem não hesitaria diante do próximo desafio.

— Só acho que estamos cercados por problemas demais... — murmurou Yoko, pensativa.

"Anika... espero, de verdade, que você esteja bem." Yoko podia sentir, em seu interior, a vitalidade de Anika ainda presente — fraca, mas viva.

…..

Lá embaixo, o ambiente era úmido e silencioso, exceto pelo som das pequenas pedras que ainda rolavam, resultado do tremor anterior. A iluminação fraca deixava sombras longas nas paredes de pedra, enquanto o vazio do abismo abaixo continuava a emitir um frio quase sobrenatural.

Igris tremia de medo, os olhos arregalados e o corpo rígido. Seu rosto estava pálido, e gotas de suor escorriam por sua testa. Ele mantinha-se encostado na parede, tentando controlar o pânico crescente.

— A-ah... o que está acontecendo? — sua voz saiu trêmula, quase num sussurro. — Eu... eu não quero cair...

Ele lutava para conter o enjoo, o estômago revirando com a vertigem. Enquanto isso, Layos e Tsukiko observavam atentamente os arredores, mantendo a calma apesar da tensão no ar. Ambos pareciam concentrados, analisando cada detalhe ao redor, sem deixar que o medo os dominasse.

— Igris, respira fundo — disse Tsukiko, sem tirar os olhos do caminho à frente. — Estamos todos juntos aqui. Vai ficar tudo bem.

Layos assentiu silenciosamente, dando um leve sorriso em apoio, mesmo que também sentisse o peso do momento.

Igris respirou fundo, tentando controlar o enjoo e a tontura que ameaçavam dominá-lo. Seus passos estavam trêmulos, e ele fazia um esforço enorme para não desmaiar.

À frente, Tsukiko seguia com cautela, mesmo com o chão vibrando levemente sob seus pés. O ambiente instável não a detinha — seus olhos estavam fixos no caminho adiante, atenta a qualquer sinal de perigo.

Percebendo o estado de Igris, Layos estendeu a mão e segurou a dele com firmeza.

— Vamos juntos — disse, com um leve sorriso encorajador.

Igris assentiu em silêncio, aceitando o gesto. Com o apoio de Layos, seus passos tornaram-se mais seguros. Eles avançaram lado a lado, descendo ainda mais naquela espiral escura e incerta.

“Só aconteceu desgraça... Eu odeio tudo isso aqui.” — Tsukiko resmungou, com os olhos semicerrados e a voz carregada de frustração. Havia tensão em cada palavra, em cada passo.

O ambiente ao redor parecia refletir esse sentimento: o ar era denso, o solo tremia levemente, como se ameaçasse desabar a qualquer momento.

Foi então que, entre as sombras e a névoa leve que cobria o fundo do caminho espiral, Layos avistou algo.

— Olhem… ali — ele apontou com a mão direita.

Havia uma porta. Estava distante, sustentada por uma plataforma estreita de pedra, mas o chão ao redor já havia começado a ruir. Faltava pouco para aquela parte simplesmente desaparecer no abismo abaixo.

— Está quase caindo… — Igris sussurrou, com a voz embargada.

Tsukiko apertou os punhos e deu um passo à frente, determinada, apesar do cenário instável.

— Aquela porta... é a nossa única chance.

O grupo se entreolhou por um breve momento, o silêncio se estendendo como o abismo que os cercava. E então, como se algo maior estivesse prestes a acontecer, um som metálico, lento e grave ecoou ao longe.

Clang.

Como o arrastar de uma espada contra pedra.

Clang…

O som se repetiu. Cada batida fazia o coração acelerar. Algo — ou alguém — estava vindo.

E o tempo deles estava se esgotando.