SONHOS REDUZIDOS A CINZAS

No majestoso palácio real de Dagura, sob os vitrais que filtravam uma luz âmbar e sombria, reuniam-se o rei Jawin Damak, seus paladinos e toda a nata da nobreza draguriana. O ar pesava como um véu úmido, carregado do desespero silencioso de um reino à beira do colapso.

O assunto que ecoava pelos corredouros de mármore negro não era somente mais uma crise, mas a guerra inevitável que se aproximava como uma tempestade prestes a devorar a costa. Dagura definhava em miséria e fome, estrangulada pelo aumento repentino de naufrágios que asfixiavam seu comércio marítimo. Sem exportações, o tesouro real minguara, e a fúria da nobreza crescia na mesma medida em que os campos secavam. Para piorar, a Nações das Bestas, além das montanhas do Leste, expandia suas fronteiras com uma fome territorial que não conhecia limites.

O rei Jawin Damark, outrora um líder resoluto, agora via seu reino definhar como um animal encurralado. Ele sabia: se não agisse, Dagura seria reduzida a um nome esquecido nos mapas, engolida por vizinhos famintos. E foi nessa fraqueza real que Baraki, como uma víbora a farejar sangue, enfiou suas presas.

Tudo ocorrera como planejado. A audiência que Baraki tanto cobiçara estava agora diante dele, no salão real, onde os nobres mais influentes de Dagura se debruçavam sobre mapas e relatórios, tentando enxergar alguma saída que não fosse a guerra.

— Invocar as hostes agora seria suicídio! — bradou um duque de sobrancelhas grisalhas, esmurrando a mesa. — Nossos cofres estão vazios, e os semi-humanos possuem uma força bruta que não subestimaremos!

Os murmúrios de concordância duraram pouco. Baraki, sentado à sombra do trono, ergueu-se lentamente. Seus passos ecoaram no silêncio súbito quando se postou ao lado do rei — um movimento tão ousado que fez um barão mais jovem engasgar com seu vinho.

— SEU PLEBEU IMUNDO! — rugiu o velho marquês de Valtor, empalidecendo de fúria. — QUE ATREVIMENTO É ESSE? VOCÊ OUSA COLOCAR-SE AO LADO DO REI SEM PERMISSÃO? SUA CABEÇA ROLARÁ POR ISSO!

Baraki não respondeu. Apenas sorriu, um gesto lento que não alcançou seus olhos mortos. Então, riu. Uma gargalhada que cortou a sala como uma lâmina, tão carregada de desprezo que até o rei Jawin sentiu um arrepio.

— Você me diverte, velho… — sibilou Baraki, fixando o nobre com um olhar que parecia arranhar a alma. — Mas não se preocupe. Logo entenderá por que estou aqui.

O marquês de Valtor recuou, as mãos trêmulas agarrando o brasão de sua casa. Algo naquele olhar não era humano. Era como encarar o vazio de um abismo — e o abismo olhava de volta.

Aproveitando o silêncio gelado, Baraki ergueu os braços, teatral.

— Nobres de Dagura! — anunciou, sua voz, um veneno sedutor. — Sabem por que estamos aqui. Dagura sangra, e vocês discutem como crianças assustadas. Mas eu lhes trago a verdade… e a solução.

Os olhares desconfiados persistiam, mas ninguém o interrompeu. Baraki caminhou entre eles, como um predador circulando suas presas.

— Os naufrágios não são acidentes. — deixou a frase pairar, gozando com a tensão. — E a ascensão da nação das Bestas? Coincidência? Oh, não... Os semi-humanos sabotam nossos navios há meses. E eu tenho as provas.

Com um gesto fluido, sacou pergaminhos selados com um símbolo que fez até o rei Jawin estremecer: a marca de Galdryz, o Dungeon Lorde. Um nome que mesmo os nobres mais arrogantes sussurravam com medo.

— Sim… — Baraki sorriu ao ver o terror nos rostos. — Galdryz, o Devorador de Reinos, generosamente me forneceu essas informações. Dois nobres da nação das Bestas ordenaram os ataques. Aqui estão suas assinaturas, seus selos… sua traição.

O salão explodiu. Nobres gritavam, esmurravam mesas, exigiam sangue. Baraki viu o ódio germinar como desejava.

— ACALMEM-SE! — ordenou, erguendo a voz. — A fúria cega não trará vitória. Mas eu... eu já planejei tudo.

E então, revelou seu plano: um ataque relâmpago aos pontos estratégicos da nação das Bestas, enquanto ele próprio, com uma tropa de elite, infiltrar-se-ia na capital.

— Cinco mil homens me seguirão… mas apenas eu adentrarei as muralhas. — Seus olhos brilharam com perversidade. — E quando eu erguer meu cetro sobre a cidade, ela será reduzida a pó. Nenhum semi-humano sobreviverá.

Os nobres, agora embriagados pela promessa de vingança e riquezas, aprovaram a guerra ali mesmo. Baraki, ao sair do salão, deixou escapar um sorriso verdadeiro.

Tão previsíveis…

Em uma taberna no fundo, de uma vizinhança pobre nos confins de uma região precária de Dagura, dois homens meio elfo o aguardavam. Um deles tinha cabelo negro e curto com olhos heterocrômicos e usava uma máscara, o outro tinha cabelo, longo e negros com franja e os olhos também eram heterocrômicos com as cores azul e violeta, o mesmo também utilizava uma máscara, ambos inclinaram ao vê-lo.

Com movimentos sincronizados, os dois homens ajoelharam-se, suas capas negras formando poças no chão de terra batida. A reverência foi perfeita — cabeças baixas, mãos direitas cruzadas sobre o peito, onde um símbolo estava gravado a ferro e fogo: uma serpente devorando a própria cauda.

— Mestre — rosnou o primeiro, sua voz um sussurro rouco, como o arrastar de uma lâmina contra pedra.

— Sua vontade é lei — completou o segundo, mais jovem, mas com olhos tão vazios quanto os de um cadáver há muito desprovido de alma.

Baraki sorriu. Não um sorriso humano, mas uma fenda que se abriu em seu rosto como uma ferida infectada, revelando dentes brancos e afiados.

— É uma maravilha vê-los, meus queridos servos — sua voz era melíflua, mas o veneno escorria em cada sílaba. Tenho uma missão para vocês dois.

O mais velho ergueu o rosto, revelando cicatrizes que serpenteavam desde a testa até o pescoço, marcas de lealdade escritas em dor. O mais novo permaneceu imóvel, mas seus dedos tremiam levemente — um detalhe que Baraki notou com prazer. Medo. Bom.

— Falamos — o primeiro sibilou.

— E obedecemos — o segundo respondeu, como um eco treinado.

Baraki ergueu-se, seu manto de general arrastando-se como asas de um abutre. Ele circulou ambos, seus passos tão silenciosos quanto o deslizar de uma cobra.

— Vocês se juntarão às tropas de invasão — anunciou, pausando para sentir o alívio momentâneo que percorreu os corpos deles. Mas não como soldados... como facas.

O mais novo estremeceu. Baraki riu, um som úmido e gutural.

— Quando o exército tomar as cidades fronteiriças, vocês garantirão que ninguém sobressaia.

O silêncio que se seguiu foi tão denso que o tilintar de um copo caindo no balcão ecoou como um tiro. Eles entenderam. Não seria uma conquista — seria um massacre metódico. Líderes locais, heróis improvisados, qualquer voz que unisse os sobreviventes… desapareceriam. Sem rastros. Sem mártires.

— E os comandantes das tropas? — o mais velho perguntou, já sabendo a resposta.

Baraki inclinou-se, seu hálito quente roçando a orelha do homem.

— Eles acharão que vocês são enviados do rei. Acreditarão até verem suas lâminas cintilando… e aí será tarde.

Os dois trocaram um olhar. O mais novo apertou os punhos até os nós dos dedos ficarem brancos. O mais velho apenas assentiu.

— Como desejar.

Baraki colocou uma mão em cada um de seus ombros, seus dedos afundando na carne como garras.

— Não falhem.

E então, como fantasmas, os dois se ergueram e saíram, deixando para trás apenas os rastros de lama e sangue — e o sorriso de Baraki, que já saboreava o caos que viria.

A chuva havia parado, mas o cheiro de tempestade ainda pairava no ar quando Baraki cruzou os portões de sua mansão. O lugar era um monumento à decadência — colunas de mármore negro adornadas com relevos de criaturas retorcidas, jardins onde flores venenosas floresciam em meio a estátuas de figuras agonizantes.

A porta se abriu antes mesmo que ele a tocasse. Dúzias de escravas alinharam-se no hall, seus corpos curvados em submissão, olhos fixos no chão. Todas vestiam trapos finos que mal escondiam suas formas, uma demonstração calculada de poder. Entre elas, havia mulheres pobres vendidas por pais desesperados, vampiras com colares de prata que queimavam sua carne, e elfas com marcas de algemas mágicas em seus pulsos delicados.

Baraki olhou para elas como um açougueiro olha para gado. Seu coração batia mais rápido, não de desejo, mas de domínio.

— Minhas joias — murmurou, sua voz um veneno doce.

Seus olhos pousaram sobre uma das escravas — uma humana de cabelos escuros, cujo pescoço ainda carregava as marcas roxas de seus dedos da noite anterior. Ele avançou como um lobo, agarrando-a pelos seios com força suficiente para arrancar um gemido de dor.

— P-Por favor, mestre… — ela choramingou, mas Baraki já a empurrava contra a parede, suas mãos explorando cada curva como um colecionador inspecionando um troféu.

— Quietinha — rosnou, mordendo seu ombro até o sabor do sangue encher sua boca.

Não era prazer. Era posse.

Ele ordenou que todas o seguissem para seu quarto. Nenhuma ousou hesitar.

O aposento de Baraki era um templo de perversão. Cortinas de veludo vermelho, candelabros com velas de cera negra, e uma cama larga o suficiente para acomodar uma dúzia de corpos.

Uma a uma, as escravas foram usadas. Algumas choraram. Outras permaneceram inertes, mentes fugidas para lugares distantes onde ele não podia alcançá-las. Baraki não se importava. Seu gozo vinha da subjugação, não do êxtase mútuo.

Mas mesmo após todas, seu desejo permaneceu insaciável.

Ele saiu do quarto, seu corpo suado e marcado por arranhões que já cicatrizavam graças à sua runa de cura. Desceu as escadas, seus pés descalços fazendo pouco barulho contra os degraus de ébano.

Havia uma última escrava a ser visitada.

A porta do quarto no fim do corredor estava trancada por sete feitiços diferentes. Baraki sussurrou as palavras de desativação, e a madeira rangiu ao se abrir.

Dentro, a luz do luar entrava por uma janela gradeada, iluminando a figura esquelética de Kalmia, a elfa que outrora fora a nobre de uma cidade destruída. Seu cabelo rosa — antes vibrante como flores de cerejeira — agora pendia opaco e quebradiço. Seus olhos carmesim, outrora cheios de vida, estavam vazios como espelhos embaçados.

Ela não reagiu quando ele entrou. Não havia mais luta nela.

Baraki sentou-se ao seu lado, acariciando seu rosto com uma falsa doçura.

— Minha favorita — sussurrou. — Por que você insiste em me desafiar?

Kalmia não respondeu. Seus lábios estavam secos e rachados, suas mãos descansando inúteis no colo. Ela já tentara tudo para escapar — veneno, facas, fogo — mas Baraki sempre a trouxera de volta. Sua vida estava nas mãos dele, pois ele implantou nela uma runa que era mais forte que a morte… mesmo que o corpo de Kalmia fosse obliterado até pó, em questão de segundo ela estaria reconstruída completamente.

Ele a empurrou contra a cama, seus dedos apertando seus pulsos como algemas.

— Você é minha. Até o seu último suspiro.

Ela não chorou. Não gritou. Apenas existiu, um fantasma preso em carne viva.

Quando Baraki terminou, ele deixou o corpo dela lá, nua e imóvel, como uma boneca esquecida.

No dia seguinte, o exército de Dagura reuniu-se nos campos fora da cidade. Duzentos mil soldados enfileiravam-se sob um céu de chumbo, suas armaduras cintilando como escamas de peixe em um rio poluído.

Baraki, montado em um alazão de crina negra, ergueu sua espada — A Lâmina da Ruína, forjada no coração de um vulcão extinto.

— OLHEM PARA MIM! — seu rugido cortou o ar como um trovão. — OS SEMI-HUMANOS ROUBARAM NOSSA HONRA! NOSSA RIQUEZA! HOJE, DEVOLVEREMOS CADA GOTA COM O CENTUPLO DE SANGUE!

A multidão urrou, lanças batendo contra escudos em uníssono.

— NÃO HÁ PIEDADE! CRIANÇAS PODERÃO SER VENDIDAS! MULHERES, SUAS RECOMPENSAS! E OS INÚTEIS… — ele sorriu. — QUEIMEM-NOS EM PILHAS!

O exército partiu, dividindo-se em quatro colunas rumo às cidades da Nações das Bestas. Baraki, porém, seguiu sozinho.

Sua jornada o levaria à capital.

E lá, ele não conquistaria.

Ele destruiria completamente toda cidade até não sobrar um resquício de poeira.