O céu estava tingido de cinza quando Aiden deixou Pedra Clara para trás. A vila, com suas casas de pedra e campos silenciosos, desapareceu na névoa enquanto ele avançava pela estrada de terra, o som das botas ecoando no chão endurecido. Nas costas, a foice de seu pai balançava, o metal frio um peso constante, enquanto o saco de moedas da venda da fazenda tilintava no bolso. Ele não olhou para trás — o passado estava lá, mas seu futuro estava à frente, em Akasall, a cidade onde poderia encontrar respostas sobre Elara e se tornar forte o suficiente para trazê-la de volta.
Aiden respirou fundo, o ar cortante da manhã enchendo seus pulmões, e apertou o passo. A estrada serpenteava entre colinas e bosques, um caminho incerto que o levaria ao desconhecido. Ele sabia que não seria fácil — a fome, o frio e os perigos da estrada o esperavam —, mas desistir não era uma opção. Com os olhos verdes fixos no horizonte, ele começou sua jornada, determinado a sobreviver e a dominar o poder que despertara dentro dele.
Os primeiros dias na estrada foram impiedosos. O sol do meio-dia queimava sua pele, o suor escorrendo em riachos que embaçavam sua visão. Quando a chuva vinha, transformava o caminho em um lamaçal escorregadio, as botas afundando na terra mole. Aiden carregava apenas o essencial — um cantil, um cobertor puído e a foice —, mas o peso parecia dobrar a cada hora. Suas pernas doíam, os músculos gritando por descanso, mas ele seguia em frente, os dentes cerrados contra a exaustão.
No quarto dia, ele encontrou um riacho raso entre as árvores. A água estava gelada, aliviando a sede que arranhava sua garganta, mas o alívio era temporário. A floresta ao redor era densa, os galhos baixos rasgando sua túnica enquanto ele abria caminho. Uma vez, tropeçou em uma raiz escondida e caiu de joelhos na terra úmida, o impacto reverberando em seus ossos. "Levante," murmurou para si mesmo, as mãos trêmulas enquanto se apoiava para ficar de pé. Não havia espaço para fraqueza.
O terreno mudava constantemente. Campos abertos cediam lugar a matas fechadas, onde o sol mal penetrava, e o ar cheirava a musgo e folhas podres. A estrada, em alguns trechos, era pouco mais que uma trilha coberta de ervas, forçando Aiden a adivinhar o rumo certo. Ele passou por ruínas de vilarejos antigos — casas desmoronadas, uma carroça abandonada com a roda quebrada —, sinais de um mundo que seguia sem ele. À noite, o vento uivava entre as árvores, apagando sua fogueira e deixando-o tremendo no escuro. Lobos cantavam ao longe, e Aiden segurava a foice com mais força, os olhos fixos nas sombras.
Em uma clareira rodeada por pinheiros altos, Aiden decidiu que era hora de enfrentar a foice. Ele a retirou das costas, as mãos calejadas segurando o cabo com firmeza, e encarou uma árvore robusta como se fosse um inimigo. Desde a noite do ataque, ele sabia que a "Ceifadora das Sombras" era mais que uma arma — era parte dele. Girou a lâmina em um arco, o metal cortando o ar com um assobio, mas o golpe mal arranhou a casca. "Vamos lá," grunhiu, tentando novamente, com mais força. Nada.
A frustração crescia como uma chama. Ele atacou repetidas vezes, a clareira ecoando com o som dos golpes, até que o suor pingasse na terra. "Por que não funciona?" gritou, o peito arfando. Então parou, respirando fundo, e fechou os olhos. Lembrou-se daquela noite — o medo, a raiva, o desespero para proteger Elara. Canalizando essa emoção, ele girou a foice mais uma vez, exclamando "Ceifadora das Sombras!" A lâmina vibrou, uma energia quente subindo por seus braços, e o golpe abriu uma fenda no tronco, lascas voando.
Não era o poder avassalador de antes, mas era progresso. Aiden sorriu, limpando o suor da testa. "Vou aprender," prometeu a si mesmo. Nos dias seguintes, ele transformou o treinamento em rotina. Em cada parada, escolhia um alvo — uma árvore, uma rocha — e praticava: golpes laterais, ataques em sequência, movimentos mais fluidos. A foice ficava mais leve em suas mãos, e a energia vinha com mais facilidade, embora ainda instável. Ele imaginava o líder dos bandidos à sua frente, os olhos cruéis, e usava essa imagem para alimentar cada golpe.
Uma manhã, em um bosque de carvalhos, ele tentou algo diferente. Correu entre as árvores, girando a foice enquanto se movia, a lâmina cortando galhos finos no ar. Era cansativo, mas realista — em uma luta, ele precisaria de agilidade. Um golpe mais forte partiu um pequeno tronco ao meio, e Aiden caiu de joelhos, ofegante, mas satisfeito. "Estou ficando mais forte," murmurou, o coração disparado. Em Akasall, ele precisaria disso — e de muito mais.
Numa tarde quente, Aiden parou às margens de um riacho, o murmúrio da água acalmando seus pensamentos agitados. Ele pegou um graveto carbonizado da fogueira da noite anterior e um pedaço de tecido rasgado, sentando-se contra uma pedra musgosa. Sem planejar, começou a desenhar o líder dos bandidos — os olhos frios que o haviam encarado, a cicatriz que cortava seu rosto, o sorriso que zombara de sua impotência. Suas mãos tremiam, o traço saía torto, mas ele continuou, cada linha um esforço para dar forma àquele pesadelo.
Não era apenas um desenho. Era um jeito de enfrentar o que acontecera, de transformar o medo em algo tangível. Quando terminou, o rosto do bandido o encarava do tecido, e Aiden sentiu um arrepio. "Você não vai vencer," sussurrou, dobrando o pano e guardando-o com cuidado. Não sabia se algum dia usaria aquilo para encontrá-lo, mas o ato o ajudava a focar no futuro — no dia em que estaria pronto para confrontá-lo. Levantou-se, jogou água no rosto e seguiu em frente, o peso no peito um pouco mais leve.
A fome tornou-se uma companheira constante. O pão que levara mofara, e a carne seca acabara rápido demais. Em um campo aberto, Aiden avistou um cervo, o sol refletindo em seu pelo castanho. Ele se aproximou lentamente, contra o vento, os passos abafados pela grama. Pegou uma pedra, mirou com cuidado e lançou. O projétil acertou a cabeça do animal, derrubando-o. Com a foice, Aiden cortou o pescoço com um golpe rápido, o sangue quente manchando suas mãos.
Ele trabalhou com eficiência, cortando a carne e assando uma porção na fogueira, o cheiro grelhado enchendo o ar. O resto ele secou em tiras, embrulhando-as em folhas largas para os dias seguintes. Enquanto comia, o sabor rústico trouxe um alívio agridoce. "Eu consigo," pensou, guardando as provisões. Cada caçada era uma vitória, uma prova de que ele podia sobreviver sozinho.
Nem todas as tentativas eram bem-sucedidas. Um coelho escapou dele em outra ocasião, rápido demais para sua mira inexperiente. Aiden xingou, mas aprendeu com o erro. Passou horas rastreando pegadas, notando galhos quebrados e sinais sutis na terra, como seu pai o ensinara. Quando abateu um faisão com a foice dias depois, sentiu um orgulho silencioso. O mundo era duro, mas ele estava se adaptando, passo a passo.
Conforme a viagem avançava, Aiden refinava seu treinamento. Em uma ravina cheia de rochas, ele praticou golpes precisos, a lâmina da foice cortando o ar com um zumbido. Canalizando a "Ceifadora das Sombras", ele partiu uma pedra ao meio, a aura negra da arma brilhando por um instante. Cambaleou, ofegante, mas sorriu. "Está funcionando," pensou, sentindo o poder pulsar em seu corpo. Ainda era instável, mas cada tentativa o aproximava do domínio.
Em outra sessão, ele treinou em movimento, correndo por uma floresta e atacando troncos enquanto passava. Seus músculos queimavam, bolhas se formavam em suas mãos, mas ele continuava. O treinamento era exaustivo, mas necessário — em Akasall, ele enfrentaria desafios maiores, e precisava estar preparado.
À noite, com o fogo crepitando, Aiden pensava na mãe. Imaginava Liana na igreja, sob os cuidados do Padre Elias, e esperava que ela estivesse bem. Elara vinha à mente, mas não como uma memória dolorosa — como um objetivo. Ele a imaginava lutando para sobreviver, e isso o mantinha firme. "Aguente firme," murmurou, a voz carregada de determinação.
Certa manhã, enquanto seguia uma trilha estreita ladeada por arbustos espinhosos, Aiden ouviu vozes rudes cortando o ar. Escondeu-se rápido atrás de uma árvore larga, o coração disparando, e espiou com cautela. Dois homens estavam a poucos metros — bandidos, a julgar pelas roupas sujas e rasgadas, as espadas enferrujadas penduradas nos cintos. Discutiam sobre um roubo recente, rindo de um mercador que haviam deixado sem nada. Aiden apertou a foice, os dedos tensos no cabo, o sangue pulsando nos ouvidos.
Poderia enfrentá-los, testar o que aprendera, mas algo o segurou. Não sabia se estava pronto, e sua missão era maior que uma briga impulsiva. Respirou fundo, o ar saindo trêmulo, e decidiu contorná-los. Moveu-se pela mata com passos leves, evitando galhos secos que pudessem denunciá-lo, o corpo rente ao chão. Saiu dali sem ser visto, mas o encontro deixou um gosto amargo na boca e os sentidos mais afiados. O perigo estava por toda parte, e ele precisava estar preparado para quando não pudesse evitar o confronto.
Após semanas na estrada, com o corpo marcado por arranhões e os músculos endurecidos pelo esforço, Aiden avistou algo ao longe. Carroças coloridas moviam-se lentamente, os cavalos trotando com um ritmo constante, o som de sinos tilintando no ar fresco da manhã. Era uma caravana, aparecendo como um oásis após dias de solidão. Um mercador de barba grisalha e olhos vivos o viu e acenou.
—"Vai pra Akasall, garoto?" perguntou, a voz rouca mas amigável.
Aiden assentiu, exausto demais para falar muito, e aceitou o convite para se juntar a eles nos últimos dias de viagem. O homem, que se apresentou como Garrick, falava sem parar enquanto a caravana seguia.
Contou sobre Akasall — os mercados barulhentos cheios de especiarias e tecidos, as guildas de aventureiros onde homens e mulheres buscavam fama, as tavernas onde histórias eram trocadas por cerveja.
— "É um lugar onde você pode subir ou afundar," disse, rindo com os dentes amarelados. — "Mas com essa foice aí, aposto que vai fazer seu nome.".
Aiden ouviu em silêncio, imaginando-se na cidade — aceitando missões, ganhando moedas, buscando qualquer pista sobre Elara. À noite, sentou-se com os mercadores ao redor de uma fogueira crepitante, o ensopado quente de carne e raízes aquecendo seu corpo cansado. Eles contavam lendas de monstros escondidos nas montanhas e tesouros perdidos em ruínas, e pela primeira vez em semanas, Aiden se permitiu sonhar com algo além da sobrevivência.
Antes de dormir, deitou-se sob o céu estrelado, o cobertor puído sobre os ombros, e pensou em Elara. Lembrou-se de como ela ria enquanto corriam pelos campos da fazenda, o cabelo loiro voando ao vento. "Vou te encontrar," prometeu em silêncio, os olhos fixos nas estrelas.
Após dias viajando com a caravana, Aiden viu Akasall surgir no horizonte como uma visão viva. As muralhas cinzentas da cidade erguiam-se altas contra o céu, os portões principais abertos como um convite a todos que ousassem entrar. Torres esguias pontuavam a paisagem, fumaça subindo de chaminés em espirais preguiçosas, enquanto as ruas abaixo pulsavam com movimento — carroças rangendo, vozes gritando, o brilho distante de barracas coloridas. O som chegou primeiro: um rugido caótico de metal batendo, passos apressados e conversas emboladas.
A caravana cruzou os portões, os cavalos bufando enquanto passavam por guardas de armadura brilhante, e Aiden desceu da carroça de Garrick, os pés tocando o chão duro de paralelepípedos.
O ar da cidade o envolveu — um misto de pão fresco assando, suor de trabalhadores e um toque acre que ele não identificou. À sua volta, a vida explodia em cores e sons. Mercadores gritavam preços de frutas maduras, mulheres equilibravam cestas pesadas na cabeça, crianças corriam entre as pernas dos adultos, rindo alto.
Era um caos que o deixou tonto, mas também acendeu algo em seu peito — possibilidade. Parou no meio da rua, a foice ainda nas costas, o peso familiar um conforto em meio ao desconhecido, e respirou fundo, enchendo os pulmões com o ar denso da cidade. "Cheguei," pensou, o coração apertado entre esperança e incerteza. Akasall era tudo que Garrick descrevera e mais: um lugar onde ele poderia encontrar Elara, dominar o poder da "Ceifadora das Sombras", construir uma vida do zero.