Aiden pisou na terra revirada da fazenda, os pés firmes apesar do tremor sutil que percorria suas pernas. A foice, afiada e reforçada, repousava em suas mãos calejadas, o cabo de madeira áspero contra sua pele, um peso reconfortante contra a incerteza que o envolvia. O ar estava carregado, denso com uma quietude que parecia sufocar qualquer som de vida. À sua volta, a devastação se estendia como uma pintura sombria: cercas de madeira quebradas jaziam espalhadas pelo chão, suas estacas partidas apontando para o céu como dedos acusadores. As plantações, outrora um mar verdejante de milho e trigo, estavam reduzidas a um campo de destruição — talos dobrados e esmagados, a terra revirada em sulcos profundos, como se garras invisíveis tivessem rasgado o solo em um frenesi selvagem. O celeiro ao longe, uma silhueta torta contra o céu que se tingia de vermelho com o pôr do sol, parecia gemer sob o peso de seu telhado afundado, as portas pendendo em dobradiças tortas, balançando ao sabor da brisa.
A brisa soprava fria, um sussurro que agitava os cabelos castanhos de Aiden e trazia consigo um cheiro que ele não podia ignorar: terra úmida misturada a um toque leve, quase imperceptível, de podridão. Era um odor que se infiltrava nos pulmões, agarrava-se à garganta, um prenúncio silencioso do horror que espreitava nas sombras. Não havia canto de pássaros, nem o zumbido distante de insetos — apenas o vazio, um silêncio que pesava mais que qualquer grito. Aiden apertou os olhos, varrendo a paisagem desolada, o coração batendo em um ritmo que misturava coragem e temor. Ele havia enfrentado bandidos antes, mas aquilo era diferente. Aquilo era o desconhecido, as criaturas das trevas que Oloorin descrevera com tanta gravidade. Ainda assim, a chama de determinação ardia em seu peito, alimentada pelas imagens de Elara e sua mãe, Liana, dependendo dele para voltar inteiro.
Com passos cautelosos, ele avançou em direção à casa principal, uma estrutura de dois andares que se erguia como um último bastião em meio à ruína. As janelas estavam quebradas, os vidros estilhaçados como estrelas caídas, refletindo fragmentos do céu avermelhado. A porta da frente pendia precariamente, uma das dobradiças arrancada, a madeira marcada por arranhões profundos que pareciam obra de algo desumano. Aiden parou diante dela, o som de sua própria respiração ecoando em seus ouvidos. Foi então que ouviu: um choro abafado, quase um soluço, vindo de dentro da casa. O som cortou o silêncio como uma faca, carregado de uma tristeza que fez seu peito apertar.
Ele hesitou por um instante, os dedos apertando o cabo da foice, antes de erguer a mão livre e bater na porta danificada. O som ecoou, seco e oco, reverberando pela fazenda deserta. "Olá? Tem alguém aí?" chamou, a voz firme, mas tingida de uma gentileza que ele esperava pudesse tranquilizar quem quer que estivesse lá dentro.
Por um momento, houve apenas silêncio. Então, a porta se abriu lentamente, rangendo em protesto contra as dobradiças tortas. Uma mulher apareceu no vão, os cabelos castanhos desgrenhados caindo em mechas desordenadas sobre os ombros. Seus olhos eram fundos, cercados por olheiras escuras que denunciavam noites sem sono, e o rosto, pálido como cera, estava marcado por linhas de exaustão e medo. Ela segurava uma criança pequena, uma menina de não mais que cinco anos, que se agarrava a ela com força, os bracinhos magros envolvendo o pescoço da mãe. O rostinho da menina estava sujo, manchado de terra e lágrimas, os olhos grandes e castanhos brilhando com um terror que parecia engoli-la inteira. As duas tremiam, os corpos frágeis envoltos em roupas rasgadas, testemunhas mudas do caos que as cercara.
Aiden baixou a foice ligeiramente, mantendo-a visível mas não ameaçadora. "Meu nome é Aiden," disse ele, a voz calma mas firme, cortando o ar pesado. "Fui enviado pela guilda de Akasall para ajudar as vítimas das criaturas que atacaram esta região. Não vim para machucar vocês. Estou aqui para proteger."
A mulher — a mãe — o encarou com olhos estreitados, uma mistura de pânico e desconfiança brilhando neles. Seus lábios tremiam enquanto ela tentava encontrar palavras, a respiração entrecortada. "A guilda?" perguntou, a voz rouca e quebrada, quase um sussurro. "Eles... eles finalmente mandaram alguém? Depois de tudo?"
Aiden assentiu, mantendo o olhar fixo no dela. "Sim. Eu sei que deve ser difícil confiar em mim agora, mas prometo que estou aqui para ajudar. Por favor, me deixem entrar e me contem o que aconteceu."
A menina soltou um soluço mais alto, enterrando o rosto no ombro da mãe, e a mulher a apertou contra si, tentando confortá-la com um gesto instintivo. "Não sei se posso confiar em você," disse ela, a voz falhando enquanto lágrimas frescas escorriam por seu rosto. "Depois do que aconteceu... meu marido... ele..."
Aiden sentiu uma pontada de empatia atravessá-lo como uma flecha. Ele conhecia aquela dor, o desespero de perder alguém amado para forças além do controle. "Eu entendo o que você está sentindo," disse ele, suavizando a voz, os olhos verdes brilhando com sinceridade. "Minha irmã, Elara, foi levada por bandidos. Minha mãe está sozinha em casa, esperando que eu volte com alguma esperança. Eu sei o que é ter uma família em perigo. Por favor, me dê uma chance de ajudar vocês."
As palavras pareceram atingir a mulher como um raio de luz em meio à escuridão. Ela o encarou por um longo momento, os olhos procurando algo em seu rosto — talvez a verdade, talvez a força que ela mesma havia perdido. Finalmente, com um suspiro cansado que parecia carregar o peso do mundo, ela assentiu e deu um passo para o lado, permitindo que ele entrasse.
Aiden cruzou a soleira, entrando na casa que, apesar da destruição, ainda guardava ecos de um lar perdido. O chão de madeira estava coberto de destroços — fragmentos de móveis quebrados, cacos de vidro, uma boneca de pano rasgada jogada em um canto. As paredes exibiam marcas de garras, sulcos profundos que cortavam a pintura descascada, como se algo selvagem tivesse tentado rasgar seu caminho para dentro. Ele seguiu a mulher até a sala de estar, onde ela se sentou em um sofá rasgado, a filha ainda agarrada a ela como se fosse sua última âncora.
"Por favor, sente-se," disse a mulher, apontando para uma cadeira quebrada próxima. Aiden obedeceu, colocando a foice ao seu lado, mas mantendo-a ao alcance.
"Qual é o seu nome?" perguntou ele, tentando iniciar uma conversa que pudesse acalmá-las.
"Sou Mara," respondeu ela, a voz ainda trêmula. "E esta é minha filha, Lia."
Aiden ofereceu um sorriso gentil à menina, que o observava com olhos arregalados e assustados. "Oi, Lia. Eu sou Aiden. Vou fazer o possível para manter vocês seguras."
Lia não respondeu, apenas apertou o rosto contra o peito da mãe, mas Aiden notou que seus soluços diminuíram, talvez reconfortada pela presença dele.
Mara respirou fundo, tentando reunir forças. "Meu marido, Joren... ele lutou contra aquelas coisas horríveis," começou ela, a voz quebrando enquanto as lembranças a engoliam. "Eram zumbis, eu acho. Mortos-vivos, com a pele podre e os olhos vazios. Eles vieram à noite, atacaram a fazenda. Joren pegou sua espada e tentou detê-los, mas eram muitos. Ele... ele foi arrastado por eles para a floresta." Ela apontou vagamente para o oeste, onde uma linha escura de árvores se erguia como uma muralha sombria contra o horizonte vermelho.
Aiden sentiu o peso daquelas palavras como um golpe. A imagem de Elara sendo levada pelos bandidos voltou à sua mente, vívida e cruel, e ele entendeu o desespero de Mara. "Sinto muito," disse ele, a voz carregada de compaixão. "Mas não vou desistir dele. Talvez Joren ainda esteja vivo. Vou fazer o que puder para encontrá-lo."
Mara balançou a cabeça, os olhos cheios de lágrimas e desespero. "Você não entende. A floresta... é perigosa, especialmente à noite. E essas criaturas... elas voltam. Sempre voltam. Por favor, leve Lia e fuja antes que a noite chegue. Eu não suporto perder mais ninguém."
O sol estava se pondo agora, lançando sombras longas pela sala através das janelas quebradas, tingindo o céu de vermelho e roxo. Aiden sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas sua determinação permaneceu firme. Ele inclinou-se para a frente, os olhos encontrando os de Mara com uma intensidade que não admitia dúvidas. "Eu não vou abandonar vocês," disse ele, a voz baixa mas carregada de convicção. "Prometi ajudar, e é o que farei. Não vou deixar ninguém para trás. Vamos sobreviver a essa noite juntos, e depois eu irei atrás de Joren. Mas primeiro, precisamos nos preparar."
Mara hesitou, o medo lutando contra a fagulha de esperança que as palavras de Aiden acenderam. Finalmente, ela assentiu, rendendo-se à determinação dele.
"Mara, por favor, leve Lia para o andar de cima e fiquem lá até que eu diga que é seguro," instruiu Aiden, levantando-se com uma autoridade gentil. "Vou fortificar a casa o melhor que puder."
Mara pegou Lia no colo, os braços trêmulos mas firmes, e subiu as escadas rangentes, cada degrau gemendo sob seu peso. Aiden ficou sozinho no térreo, o silêncio da casa envolvendo-o como uma mortalha. Ele olhou ao redor, avaliando o que tinha à disposição. O sol havia desaparecido agora, e a escuridão começava a rastejar para dentro da casa, engolindo os últimos vestígios de luz.
Sem perder tempo, ele começou a trabalhar. Arrastou uma mesa de jantar quebrada até a porta principal, empilhando cadeiras partidas sobre ela para formar uma barricada improvisada. O som da madeira arranhando o chão ecoava pela casa, misturado ao martelar de seu próprio coração. Em seguida, ele encontrou tábuas soltas entre os destroços — fragmentos do assoalho arrancados pela violência do ataque — e as pregou nas janelas quebradas, usando um martelo e pregos que achou em uma caixa de ferramentas abandonada em um canto. Cada batida do martelo era um grito de desafio contra as trevas que se aproximavam, um esforço para transformar a casa em um forte contra o inevitável.
A corda que ele havia comprado na cidade provou ser útil. Ele a usou para amarrar as barricadas, reforçando-as com nós firmes que aprendera na infância, quando ajudava seu pai a consertar cercas na vila. Enquanto trabalhava, ele pegou o frasco de óleo da mochila e o abriu, o cheiro acre do líquido âmbar enchendo o ar. Lembrando-se do conselho de Oloorin — "O fogo é teu maior aliado contra eles" —, ele espalhou o óleo em pontos estratégicos: uma linha grossa ao longo da entrada, gotas espalhadas perto das janelas barricadas, e um círculo ao redor da lareira, onde planejava acender uma fogueira se as coisas ficassem desesperadoras.
Enquanto suas mãos se moviam, seus pensamentos giravam em um redemoinho de medo e resolução. Ele era jovem, inexperiente, um novato da guilda enfrentando algo que até aventureiros veteranos temiam. E se ele falhasse? E se os zumbis rompessem as defesas, alcançassem Mara e Lia? A imagem de Elara gritando enquanto os bandidos a arrastavam voltou à sua mente, e ele sentiu um nó na garganta. Mas então pensou em sua mãe, Liana, tossindo na cama, contando com ele para voltar vivo e trazer sustento. E agora havia Mara e Lia, duas almas frágeis que dependiam dele para sobreviver a essa noite.
A noite caiu completamente, e a fazenda foi envolta em uma escuridão tão densa que parecia sólida. Aiden acendeu uma vela que encontrou em uma prateleira quebrada, colocando-a sobre a mesa no centro da sala. A luz fraca tremia, lutando contra as sombras que dançavam nas paredes como espectros famintos. Ele sentou-se em uma cadeira, a foice ao seu lado, os ouvidos atentos a qualquer som além do crepitar da madeira da casa se acomodando.
Por um tempo, tudo permaneceu quieto, um silêncio opressivo que parecia zombar de sua vigilância. Mas então, ele ouviu: um estalo distante de galhos quebrando, vindo de algum lugar além das paredes da casa. Seu coração deu um salto, os dedos apertando o cabo da foice instintivamente. O som veio novamente, mais próximo agora, acompanhado por um gemido baixo, gutural, que carregava o peso da morte. Aiden levantou-se, a respiração acelerada, os olhos fixos na porta barricada.
A tensão cresceu como uma onda, enchendo a sala com uma energia quase palpável. Outro estalo, mais alto, e então um baque surdo contra a porta principal. A barricada tremeu, a madeira gemendo sob o impacto, mas resistiu. Aiden recuou um passo, a foice erguida, os músculos tensos como cordas de um arco. Outro baque, mais forte, e ele viu as tábuas começarem a ceder, rachaduras se abrindo como feridas na madeira.
Com um estrondo final, a porta se rompeu, fragmentos voando para dentro da sala enquanto uma figura grotesca entrou cambaleando. Era um zumbi, uma criatura saída de pesadelos: a pele cinzenta pendia em farrapos, em decomposição, revelando tendões e ossos amarelados. Os olhos eram buracos vazios, sem vida, mas fixos em Aiden com uma intensidade aterradora. Um cheiro fétido encheu o ar — carne podre misturada a terra úmida —, tão forte que fez Aiden engasgar. A criatura moveu-se com uma lentidão horrível, os braços esticados à frente, as mãos retorcidas como garras, arrastando os pés em um ritmo que parecia zombar da vida que outrora tivera.
Aiden sentiu o coração disparar, o sangue pulsando em seus ouvidos como tambores de guerra. No andar de cima, ouviu um grito abafado — Mara e Lia deviam ter sentido a presença da criatura. Ele não podia deixá-la subir as escadas. Plantando os pés no chão, ele ergueu a foice mais alto, a lâmina reluzindo à luz fraca da lareira que ele havia acendido minutos antes como precaução.
O zumbi avançou, um gemido baixo escapando de sua garganta, um som que parecia arranhar a alma. Aiden respirou fundo, os conselhos de Oloorin ecoando em sua mente: "Mira a cabeça, garoto — um golpe certeiro no crânio ou uma decapitação os manda de volta ao repouso eterno." Ele sabia que não podia hesitar. Não agora.
No escuro da casa, a luz trêmula da lareira projetava sombras dançantes nas paredes, refletindo-se na lâmina da foice que ele segurava com força. O zumbi estava a poucos passos dele, os braços podres esticados, os olhos vazios fixos em sua presa. Aiden o encarou, o medo e a coragem travando uma batalha silenciosa em seu peito. Ele estava pronto — ou pelo menos precisava estar.
E assim, naquele momento congelado no tempo, com o zumbi diante dele e o destino de Mara e Lia pendurado na balança, Aiden segurou a foice com ambas as mãos, os músculos tensos, o coração batendo como um trovão. O confronto estava apenas começando, e o que aconteceria a seguir permanecia envolto nas sombras da noite, um mistério que só o próximo amanhecer — ou a próxima batalha — revelaria.