Com um grito sufocado, Mara correu até Joren, caindo de joelhos ao seu lado. "Joren... meu amor..." Sua voz tremia, quase inaudível, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto. Ela tocou o rosto deformado dele, os dedos hesitando sobre a pele fria e cinzenta. Lia, ainda na porta, segurava o batente com força, os olhos fixos no pai, o rostinho pálido de medo.
Aiden abriu os olhos com dificuldade, a visão embaçada pela dor e exaustão. Ele viu Mara chorando sobre Joren, o desespero estampado em cada linha de seu rosto. Tentou falar, mas a dor em sua costela perfurada o silenciou, um gemido baixo escapando de seus lábios.
De repente, Mara se levantou, os olhos marejados, mas com uma determinação feroz. Ela virou-se para Lia, que tremia na porta. "Lia, querida, vá pegar a manta da vovó lá dentro, rápido!" Sua voz vacilou, mas ela forçou um tom urgente, tentando afastar a filha da cena horrível.
Lia hesitou, os olhos voltando para Joren. "Mas, mamãe... o papai..."
"Agora, Lia!" Mara insistiu, as lágrimas escorrendo enquanto lutava para manter a compostura. "O papai precisa de ajuda, vai logo!"
Com um aceno relutante, Lia correu para dentro, os pezinhos ecoando nas tábuas de madeira. Mara respirou fundo, as mãos tremendo enquanto se virava para Aiden e a garota inconsciente. Ela precisava ser forte.
Com esforço, Mara agarrou Aiden pelos ombros e o arrastou para dentro, os braços protestando contra o peso. Ele gemeu, o ferimento no flanco sangrando mais com o movimento. A garota era mais leve, mas ainda assim um desafio; Mara a carregou com cuidado, os músculos ardendo. Ela os deitou em um colchão improvisado perto da lareira, o calor do fogo oferecendo um pequeno consolo.
Lia voltou com a manta, os olhos arregalados enquanto observava a mãe. Mara pegou o pano e cobriu Aiden e a garota, escondendo os ferimentos da vista da filha. "Lia, lembra daquela brincadeira que você fazia com o papai? A 'mini soldadinha'?
Um leve sorriso surgiu no rosto de Lia. "Sim, mamãe. Eu era a guardiã do castelo!"
Mara forçou um sorriso, o coração apertado. "Que tal ser a mini soldadinha agora? Fique aqui e vigie o Aiden e a menina. O papai ficaria tão orgulhoso."
Lia assentiu com seriedade, pegando um graveto do chão e o segurando como espada. Ela marchou até o colchão, batendo continência de forma desajeitada. "Sim, senhora! Vou proteger eles!"
Mara acariciou a cabeça da filha, as lágrimas ameaçando cair novamente. "Boa menina. Fique aqui e não saia, está bem?"
Com Lia ocupada, Mara saiu silenciosamente, os ombros tremendo com soluços contidos. Pegou uma pá no celeiro e caminhou até um carvalho perto do chalé, onde Joren gostava de descansar. O som das folhas farfalhando ao vento misturava-se ao canto distante dos pássaros, um contraste agridoce com a tarefa à sua frente.
Ela começou a cavar, a pá cortando a terra úmida com um som seco e ritmado. Cada movimento era uma lembrança — Joren correndo à cidade para comprar um doce para Lia, o sorriso gentil que ele lhe dava ao voltar. As lágrimas caíam na terra, misturando-se ao solo. "Você sempre foi tão bom, Joren... sempre cuidando de nós." Sua voz era um sussurro rouco. "Eu sinto tanto a sua falta."
O buraco tomou forma, e Mara arrastou o corpo de Joren com cuidado, deitando-o na cova. Cobriu o rosto com um pano, incapaz de suportar a visão final. Com um último adeus, ela jogou a terra sobre ele, cada punhado um peso em seu coração. Quando terminou, caiu de joelhos, as lágrimas fluindo livremente. "Descanse, meu amor. Eu vou cuidar da nossa Lia."
Após um momento, ela se levantou, limpando o rosto com as costas da mão. Voltou ao chalé, o coração pesado. Dentro, Lia marchava de um lado para o outro, o graveto em punho, enquanto Aiden gemia baixinho e a garota começava a se mexer.
Mara ajoelhou-se ao lado de Aiden, pegando uma bacia de água e um pano. Limpou o ferimento no flanco, franzindo a testa ao ver a costela exposta e o sangue escuro. Pressionou um curativo improvisado contra a pele, usando tiras de tecido rasgado. No braço esquerdo, removeu a atadura suja, notando veias escuras pulsando de forma anormal sob a pele arranhada — algo sobrenatural, ela pensou, aplicando uma pomada de ervas.
"Aiden, fique quieto," murmurou, a voz firme mas gentil. "Eu vou cuidar de você."
Mara virou-se para a garota, que abria os olhos azuis, confusos e assustados. "Onde... onde estou?" Sua voz era fraca.
"Você está segura," Mara respondeu, oferecendo um sorriso. "Descanse."
A garota não disse mais nada. Sentou-se devagar, os olhos fixos em um ponto distante, como se visse algo além das paredes do chalé. Um ar gelado começou a emanar dela, uma brisa fria que fez Mara estremecer. O calor da lareira parecia incapaz de combater o frio que se espalhava, e o hálito de Mara condensava em pequenas nuvens ao expirar.
"Você está bem?" perguntou Mara, franzindo a testa, mas a garota permaneceu em silêncio, o corpo imóvel como uma estátua. O ar ao seu redor ondulava levemente, e um arrepio subiu pela espinha de Mara. Havia algo errado — algo sobrenatural naquela criança que ela trouxera para dentro de sua casa.
"Mamãe, o Aiden tá dormindo?" perguntou Lia, parando sua marcha por um instante para espiar o jovem no colchão. Seus olhos castanhos brilhavam com curiosidade, mas carregavam uma sombra de preocupação que não pertencia a uma criança tão pequena.
"Ele está descansando, querida," respondeu Mara, forçando a voz a soar calma. "Ele precisa disso pra ficar forte de novo. Você está fazendo um ótimo trabalho cuidando dele." Ela bagunçou os cabelos de Lia, um gesto que sempre a fazia sorrir. Desta vez, porém, o sorriso foi tímido, hesitante, como se a menina soubesse que algo estava errado, mesmo sem entender o quê.
Mara voltou sua atenção para a garota silenciosa, decidindo aquecê-la. Pegou a manta que Lia trouxera e a colocou sobre os ombros dela, mas o tecido parecia absorver o frio em vez de dissipá-lo. A garota não se moveu, não agradeceu, não deu sinal de que sentia o peso da manta ou o esforço de Mara. Seus olhos continuavam fixos, distantes, como portas para um vazio que ninguém mais podia alcançar.
De repente, um som cortou o ar — um golpe leve contra a porta do chalé, seguido por outro, hesitante, como se quem batia não tivesse certeza de ser bem-vindo. Mara congelou, o coração disparando no peito. O som veio novamente, uma terceira batida mais firme, mas ainda tímida, ecoando pelas paredes de madeira como um sussurro ansioso. Ela virou a cabeça lentamente, os olhos fixos na porta, enquanto o vento lá fora uivava mais alto, quase abafando o chamado.
"Mamãe?" A voz de Lia era um sussurro trêmulo, os olhos arregalados enquanto ela apertava o graveto com força. "Quem tá aí?"
"Fique aí, Lia," ordenou Mara, levantando-se com um movimento rápido. Sua mão encontrou a pá que ela deixara perto da entrada, os dedos se fechando em torno do cabo áspero ainda sujo de terra — um lembrete cruel do que ela acabara de fazer sob o carvalho. "Não se mexa, está bem? Mamãe vai ver."
Os golpes na porta continuaram, agora em um ritmo irregular — toc… toc… toc — como se quem estivesse do outro lado estivesse hesitando, esperando uma resposta antes de insistir mais. Mara engoliu em seco, o medo misturando-se à determinação em seu peito. Poderia ser um amigo, alguém da vila vindo ajudar após ouvir rumores do que acontecera na caverna. Ou poderia ser um inimigo — um dos cultistas que levaram Joren, voltando para terminar o que começaram. Ou talvez… algo pior. Algo que ela sentia nos ossos, no frio que crescia dentro do chalé.
Ela deu um passo à frente, depois outro, o chão rangendo sob suas botas. A lareira lançava sombras dançantes nas paredes, mas elas pareciam mais escuras agora, mais longas, como se a luz estivesse sendo engolida por algo invisível. Mara olhou para trás uma última vez, vendo Lia agarrada ao graveto e a garota silenciosa ainda sentada, o ar ao seu redor ondulando com aquele frio estranho. Aiden gemia baixinho no colchão, alheio ao que estava por vir.
Com a mão trêmula, Mara alcançou a tranca da porta. O metal estava gelado, o coração batendo tão forte que parecia ecoar nos ouvidos. Os golpes pararam de repente, deixando apenas o som do vento e da respiração entrecortada de Lia. O silêncio era pior que o barulho — um vazio que prometia algo terrível.
A porta se abriu devagar, revelando uma figura no limiar. Mara recuou um passo, o coração disparado, a pá ainda firme em suas mãos. Era um jovem, talvez pouco mais velho que Aiden, com ombros largos que pareciam encolhidos, como se ele tentasse não chamar atenção. Seus cabelos castanhos caíam em mechas desgrenhadas sobre a testa, suadas apesar do frio, e uma barba rala marcava uma mandíbula quadrada que ele mantinha ligeiramente abaixada. Vestia uma túnica simples, as mangas manchadas de fuligem como se tivesse passado o dia numa forja, e botas gastas que rangiam ao se mexer. Seus olhos escuros, profundos e inquietos, desviaram-se dela para o chão antes de voltarem a encará-la, carregados de uma hesitação que contrastava com sua figura esguia.
"Er oi," disse ele, a voz grave, mas vacilante, esfregando a nuca com uma mão calejada. "A guilda me mandou. Tô procurando um jovem… cabelo castanho, meio bagunçado, carregando uma foice. Disseram que ele estaria aqui."
Mara franziu a testa, os olhos correndo para Aiden, inconsciente no colchão. O cabelo castanho suado, a foice ao seu lado — era ele, sem dúvida. Mas quem era esse estranho? Ela não o conhecia, e sua timidez desajeitada não diminuía a desconfiança que crescia em seu peito. "O que você quer com ele?" perguntou, a voz cortante, a pá ainda erguida como uma barreira.
O jovem engoliu em seco, os olhos baixando novamente antes de se forçarem a encontrar os dela. "Eu… bem, ele é meu amigo, quer dizer, eu vim ajudar. Ele tá atrás de alguém… uma moça que levaram. Eu também quero encontrá-la. A guilda disse que ele tava vindo pra cá, então… achei que podia ajudar ele nisso." Ele coçou a nuca outra vez, o rosto corando ligeiramente sob o olhar intenso de Mara.