O culto

A noite se estendia sobre a floresta como uma mortalha de trevas, o céu sem lua oferecendo apenas o brilho frio e distante das estrelas para iluminar o caos abaixo. O acampamento dos bandidos, uma fortaleza improvisada de tendas e paliçadas, estava envolto em silêncio, exceto pelo crepitar fraco das tochas que ainda ardiam, lançando sombras trêmulas sobre a terra manchada de sangue. O ar carregava um peso opressivo, impregnado com o cheiro acre de fumaça, suor rançoso e o fedor metálico de morte recente. Dentro da tenda mágica conjurada por Oloorin, escondida na clareira a algumas centenas de metros dali, Thomas permanecia em vigília, os olhos castanhos fixos na escuridão além da lona encantada, o coração apertado pela incerteza do que acontecia no centro do acampamento.

A tenda era um oásis de calma em meio à tempestade que se desenrolava lá fora. Suas paredes de lona pulsavam com uma luz dourada suave, runas quase imperceptíveis zumbindo com uma energia sutil que lembrava o murmúrio de um riacho distante. O calor que envolvia o interior era acolhedor, contrastando com o frio cortante que assobiava entre as árvores, agitando folhas secas em um farfalhar inquieto. No centro, uma fogueira mágica crepitava sem fumaça, suas chamas dançando em tons de azul e dourado, projetando sombras gentis que pareciam abraçar os ocupantes. O aroma delicado de lavanda e camomila, um toque da magia de Oloorin, flutuava no ar, tentando acalmar os corações acelerados.

Thomas movia-se com passos determinados pelo espaço, o corpo carregando o peso de dias de luta e luto. Sua túnica, antes um branco imaculado, agora estava irreconhecível — rasgada em vários pontos, manchada de terra, suor e sangue seco, dobrada cuidadosamente em um canto da tenda. Ele vestia uma camisa simples que Oloorin conjurara antes de partir para se infiltrar no acampamento, mas o ferimento em seu ombro direito, envolto em bandagens improvisadas, pulsava com uma dor surda a cada movimento. Era um lembrete constante do confronto com o Hobgoblin, da perda de Gareth e Lyanna, e da corrida desesperada para salvar Mira e os outros prisioneiros. Apesar disso, ele não se permitia fraquejar. Havia vidas dependendo dele agora — Mira, os aventureiros resgatados, e o próprio Oloorin, que enfrentava perigos que Thomas mal podia imaginar.

Os prisioneiros libertados estavam espalhados sobre cobertores grossos de lã conjurados para protegê-los do chão gelado. Seus rostos, marcados por hematomas e exaustão, começavam a relaxar, os olhos refletindo alívio misturado com gratidão enquanto observavam Thomas. Ele carregava um cantil de couro e um saco de provisões nas mãos — pão fresco ainda quente, queijo curado com um toque salgado, frutas secas que brilhavam como joias escuras à luz da fogueira, e tiras de carne salgada preparadas pela magia prática de Oloorin. Primeiro, ele se ajoelhou ao lado do jovem guerreiro loiro, Eron, cujos cabelos desgrenhados caíam sobre os olhos castanhos cheios de cansaço. Os pulsos de Eron estavam em carne viva, a pele vermelha e inchada onde as cordas rudes haviam mordido, deixando cortes irregulares que sangravam em alguns pontos.

Com um pano úmido e um frasco de unguento deixado por Oloorin, Thomas limpou os ferimentos com cuidado, o cheiro forte de ervas medicinais enchendo o ar. Eron contraiu o rosto, um gemido baixo escapando por entre os dentes, mas Thomas continuou, os olhos gentis encontrando os do guerreiro. "Desculpe," murmurou, a voz suave contra o crepitar da fogueira. "Vai arder, mas vai melhorar. Prometo." Ele espalhou o unguento com dedos leves, sentindo o calor da pele inflamada, e envolveu os pulsos com uma faixa limpa antes de oferecer pão e água. Eron bebeu avidamente, gotas escorrendo pelo queixo, e assentiu em agradecimento.

Thomas seguiu para a maga morena, Lila, encostada contra a parede da tenda, o corpo curvado pela exaustão. Sua pele escura reluzia sutilmente à luz dourada, mas os olhos, normalmente vivos, estavam apagados pela dor. Seu braço direito, envolto em uma atadura improvisada, sangrava através do tecido. Ele desfez o curativo, revelando um corte profundo e inflamado, e limpou a ferida com água fria antes de aplicar o unguento. "Você é bom nisso," disse Lila, a voz rouca como o vento nas folhas. "Já cuidou de feridos antes?"

"Nada muito sério. Cresci em uma ferraria com meu pai, meu pai está machucado então minha mãe e eu sempre cuidou dele, e quando me queimava ou martelava sem querer minha mão, acabava que eu mesmo fazia os curativos." respondeu Thomas, com um sorriso tímido. "Aprendi com animais — cortes de foices, arranhões. Não é o mesmo, mas ajuda." Ele terminou o curativo e entregou a ela queijo e frutas secas. "Coma. Vai te dar forças."

Depois, foi até a mulher grisalha, Marta, que segurava um cobertor com mãos trêmulas. Seus olhos fundos murmuravam fragmentos de memórias — netos, uma vila de telhados de palha. Thomas ofereceu o cantil com paciência, guiando suas mãos até os lábios. "Beba devagar," disse, e colocou frutas secas em suas mãos hesitantes. "Você é um bom rapaz," sussurrou ela, a voz fraca mas sincera. "Vamos levá-la para casa," prometeu ele, o peito aquecido por suas palavras.

Finn, um homem magro com costelas roxas, e Sienna, uma arqueira com o tornozelo torcido, receberam cuidados semelhantes. Thomas moveu-se entre eles com eficiência tranquila, aplicando unguentos, oferecendo comida e palavras de encorajamento. Ele não era curandeiro, mas os anos na fazenda o ensinaram o básico, e cada agradecimento — um olhar de Finn, um aceno de Sienna — trazia orgulho misturado à frustração de não poder fazer mais.

Enquanto trabalhava, seus olhos ocasionalmente desviavam para Mira, que permanecia em um canto da tenda, sentada sobre um cobertor dobrado, os joelhos puxados contra o peito. Ela não ajudava, nem se aproximava dos outros. Seus olhos verdes estavam fixos no vazio, as mãos inquietas brincando com uma mecha de cabelo castanho, o rosto pálido marcado por hematomas e uma expressão distante. Parecia perdida em pensamentos, talvez revivendo os horrores do cativeiro ou ponderando algo mais profundo. Thomas sentiu um aperto no peito ao vê-la assim, tão diferente da Mira determinada que ele conhecia.

Enquanto isso, fora da tenda, a clareira central do acampamento era um palco de sombras e violência. Oloorin enfrentava o líder dos bandidos, uma figura imponente cuja armadura de couro reforçada com placas de metal brilhava sinistramente à luz das tochas. O manto do líder ondulava como trevas vivas, e seus olhos negros queimavam com um fulgor sobrenatural. Ele erguera a mão, invocando o "Manto das Sombras", e mãos esqueléticas de escuridão emergiram do chão, agarrando os tornozelos e pulsos de Oloorin com garras geladas que sugavam sua energia. O mago sentia a força maligna tentando drená-lo, um feitiço intrincado que pulsava como um coração sombrio.

"Acha que pode me deter, mago?" rosnou o líder, a voz grave ecoando como trovão. "Meu poder vem do culto! Você não tem ideia do que enfrenta!"

Oloorin, imobilizado pelas sombras, viu os dois capangas do líder se aproximarem, armas erguidas para atacá-lo enquanto ele estava preso. O primeiro, um homem corpulento em armadura de placas enferrujadas, brandia um machado de duas mãos, a lâmina marcada por batalhas passadas. O segundo, mais ágil, segurava uma maça cravejada de pregos, os olhos afiados brilhando sob um capuz escuro. Eles avançaram com intenção mortal, o machado descendo em um arco brutal e a maça mirando seu flanco.

Mas Oloorin não era um mago comum. Décadas de estudo o haviam forjado em algo mais. Ele fechou os olhos, ignorando as provocações, e deixou a respiração se estabilizar. Uma cantiga antiga fluiu de seus lábios, suave e melódica como sinos distantes:

"Sob a luz que o vento guia,

Pelas sombras da noite fria,

Quebre o véu, desvaneça o mal,

Traga o dia ao meu ideal."

O ar vibrou com as palavras, um zumbido baixo crescendo até encher a clareira. Um brilho prateado envolveu seu corpo, espalhando-se como água sobre as mãos de sombra que o prendiam. O líder recuou, os olhos arregalados, a confiança vacilando. "O que é isso?" exigiu, a voz tingida de incerteza.

O cântico ganhou força, e o brilho explodiu em um clarão cegante, iluminando a noite como um relâmpago. As mãos de sombra se desfizeram em fragmentos negros que se dissiparam no vento, libertando Oloorin. Ele caiu de joelhos por um instante, o esforço pesando em seus ombros, mas se levantou, os olhos azuis fixos nos inimigos. Era uma magia rara de dissipação, um segredo arcano de suas viagens por reinos esquecidos, ativada pela cantiga que ecoava em sua alma.

O líder ficou paralisado, a boca aberta em descrença. "Impossível," murmurou, tremendo. "Ninguém pode quebrar esse feitiço!"

"Alguns poderes transcendem compreensão," respondeu Oloorin, a voz firme apesar do cansaço. Ele ergueu sua espada longa, o metal cantando ao sair da bainha, e avançou contra os capangas.

O homem do machado atacou primeiro, rugindo enquanto a lâmina descia. Oloorin esquivou-se para o lado, o golpe acertando o chão com um baque surdo, e retaliou com um corte rápido que abriu o antebraço do capanga. O homem grunhiu de dor, recuando enquanto o sangue jorrava. O segundo capanga, ágil com a maça, tentou flankeá-lo, girando a arma em um arco mortal. Oloorin girou, bloqueando o golpe com o cajado, o impacto ressoando em seus braços, e chutou o joelho do atacante, fazendo-o cambalear. Com um movimento fluido, cravou a espada no peito do homem, que caiu com um gemido abafado.

O capanga do machado, furioso, avançou novamente, mas Oloorin conjurou uma rajada de vento que o arremessou contra uma árvore, o estalo de ossos ecoando na clareira. O homem desabou, inconsciente, o machado caindo ao seu lado. Com os capangas fora de combate, Oloorin voltou-se para o líder, que se recuperava do choque.

O combate recomeçou como uma dança de lâminas e magia. O líder atacou com fúria, sua espada curva cortando o ar em arcos amplos que sibilavam como serpentes. Oloorin desviou com graça, sua lâmina encontrando a do inimigo em choques de faíscas que iluminavam a clareira. Ele conjurou uma barreira de luz para bloquear um golpe brutal, o impacto ecoando como trovão, e respondeu com uma estocada que rasgou o flanco do bandido, o sangue escorrendo pela armadura.

O líder grunhiu, a dor alimentando sua raiva, e redobrou os ataques, cada golpe mais selvagem. Oloorin recuou, os pés deslizando na terra úmida, até encontrar uma brecha. Quando o bandido errou um ataque amplo, expondo o peito, Oloorin girou e cravou a espada com precisão. A lâmina penetrou fundo, o som úmido de carne rasgada misturando-se ao grito rouco do líder. "O culto... não será detido," gorgolejou ele, antes de tombar, os olhos vidrados no vazio.

Oloorin puxou a espada, limpando o sangue na capa do morto, e respirou fundo, o ar frio queimando seus pulmões. A clareira silenciou, exceto pelo crepitar das tochas. Um capanga sobrevivente fugiu para a floresta, os passos ecoando até sumirem. Exausto, Oloorin decidiu não persegui-lo, priorizando o retorno à tenda.

De volta à tenda, Thomas terminava de cuidar de Sienna, amarrando uma bandagem em seu tornozelo. "Está melhor," disse ela, com um sorriso aliviado. "Obrigada, Thomas." Ele assentiu, guardando os suprimentos, e seus olhos voltaram-se para Mira, ainda no canto, os joelhos contra o peito, o olhar perdido.

Respirando fundo, ele caminhou até ela, o cantil na mão. "Mira," chamou suavemente, ajoelhando-se ao seu lado. "Você está bem?"

Ela ergueu os olhos, o brilho deles obscurecido por uma sombra de tristeza. "Estou... só pensando," respondeu, a voz baixa, quase engolida pelo crepitar da fogueira.

Thomas hesitou, então sentou-se ao lado dela, oferecendo o cantil. "Beba um pouco. Vai ajudar."

Mira aceitou, tomando um gole pequeno antes de devolvê-lo. "Obrigada, Thomas," murmurou, mas seus olhos voltaram a se perder no vazio.

Ele ficou em silêncio por um momento, observando-a. Queria dizer algo que a tirasse daquele estado, mas as palavras pareciam frágeis demais. Então, decidiu falar de si, na esperança de alcançá-la. "Sabe, eu não sou curandeiro de verdade. Aprendi a cuidar de ferimentos com meu pai. Ele era ferreiro, um dos melhores que já vi. Uma vez, ele perdeu a mão tentando forjar uma arma lendária. Foi um acidente horrível, mas ele não desistiu. Me ensinou a tratar cortes, a ser resiliente... a não deixar as coisas ruins me derrubarem."

Mira virou-se para ele, os olhos arregalados com uma mistura de surpresa e curiosidade. "Seu pai... perdeu a mão?"

"Sim," confirmou Thomas, o tom carregado de emoção, mas firme. "Ele dizia que o fogo da forja era como a vida: queima, mas também molda. Depois disso, ele me ensinou tudo o que sabia — sobre metal, ferimentos, e como encontrar força mesmo quando tudo parece perdido."

Um leve sorriso tocou os lábios de Mira, o primeiro sinal de calor em seu rosto desde que haviam chegado à tenda. "Você é muito corajoso, Thomas. E gentil. Acho que herdou isso dele."

Ele corou, esfregando a nuca com um sorriso tímido. "Eu só faço o que posso. E você? O que está te preocupando tanto?"

Mira suspirou, os ombros relaxando um pouco enquanto olhava para as mãos. "O que o líder dos bandidos disse... sobre o culto. Parece que há algo maior acontecendo, algo que não entendemos ainda. E eu não sei o que fazer com isso."

Thomas colocou a mão em seu ombro, o toque gentil mas firme. "Vamos descobrir juntos, Mira. Não estamos sozinhos nisso. Oloorin está conosco, e ele é sábio. Vamos encontrar uma maneira."

Ela ergueu os olhos para ele, o brilho retornando lentamente, carregado de gratidão e uma faísca de esperança. "Obrigada, Thomas. Você sempre sabe o que dizer."

Eles compartilharam um silêncio confortável por alguns instantes, o calor da fogueira mágica envolvendo-os como um abraço. Então, a lona da tenda se abriu, e Oloorin entrou, o manto rasgado e o rosto marcado por cortes e hematomas.

"Terminou?" perguntou Thomas, levantando-se rapidamente, o alívio inundando sua voz.

"Sim," disse Oloorin, um sorriso cansado nos lábios. "O líder está morto, os outros fugiram. Estamos seguros por agora."

Os prisioneiros suspiraram aliviados, e Thomas notou o peso nos ombros do mago. "Foi difícil?"

"Nada que eu não consiga lidar," admitiu Oloorin, sentando-se e esfregando o rosto. "Ele tinha magia negra poderosa, mas consegui. E você? Como eles estão?"

"Bem, graças a você," respondeu Thomas, apontando para os prisioneiros. "Fiz o que pude. Estão se recuperando."

Oloorin tocou o ombro de Thomas, o gesto firme e quente. "Você fez mais do que o suficiente. Agora, vamos levá-los para a vila mais próxima."

Juntos, ajudaram os companheiros a se levantarem, distribuindo comida enquanto o céu clareava. Oloorin desmontou a tenda em fagulhas douradas, e o grupo partiu pela floresta, o amanhecer pintando o horizonte. Thomas caminhou ao lado de Mira e Oloorin, a mente cheia de perguntas. "O que ele quis dizer com 'o culto'?"

"Não sei ainda," respondeu Oloorin, pensativo. "Mas sugere algo maior nas sombras. Por agora, nosso foco é levá-los para casa."

Thomas assentiu, um fogo novo acendendo dentro dele. O sol subia, aquecendo a floresta, e os prisioneiros avançavam com esperança renovada. Sob a luz do novo dia, deixaram o confronto para trás, sabendo que a jornada apenas começava.