O ar na câmara era sufocante, denso como uma névoa impregnada de enxofre e sangue seco. Cada respiração parecia arranhar a garganta, e o fedor metálico misturado ao cheiro de podridão fazia o estômago revirar. As tochas nas mãos do trio tremeluziam, as chamas lutando contra uma escuridão que parecia viva, engolindo a luz com avidez. Thomas avançava à frente, suas botas pesadas ecoando contra o chão de obsidiana polida, que refletia suas silhuetas como um espelho distorcido. A espada curta em sua mão tremia levemente, não por medo, mas pelo latejar insistente em seu ombro direito, uma lembrança das batalhas recentes na cripta de Pietragris. A adrenalina, porém, afiava seus sentidos, e seus olhos castanhos varriam a câmara, alertas.
Mira seguia logo atrás, o grimório pressionado contra o peito como um talismã. Suas mãos, delicadas mas calejadas de tanto virar páginas antigas, seguravam o livro com força, enquanto seus olhos verdes, arregalados, sondavam as sombras. Ela não era uma guerreira; sua força estava nas palavras arcanas sussurradas em noites de estudo, não na lâmina ou no punho. Cada passo era cauteloso, e sua respiração saía em pequenos sopros ansiosos, o coração batendo rápido sob a túnica branca. Oloorin fechava o grupo, movendo-se com a graça de uma brisa em um campo de batalha. Seu cajado, entalhado com runas que pulsavam em azul cerúleo, estava erguido, lançando sombras dançantes nas paredes. Seus olhos azuis, profundos como lagos antigos, analisavam cada detalhe, e sua calma era um contraste gritante com a tensão dos companheiros.
A câmara era um salão colossal, sustentado por colunas retorcidas que pareciam ossos de um leviatã fossilizado. Rostos esculpidos nas pedras gritavam em silêncio, suas expressões congeladas em agonia. No centro, um círculo de runas gravadas no chão emitia uma luminescência esverdeada, pulsante como um coração doente. Ao redor, figuras encapuzadas entoavam cânticos em uma língua antiga, um som gutural que arranhava os tímpanos como lâminas roçando pedra. Mas antes que o trio pudesse se aproximar, a escuridão nas bordas da câmara se agitou, e dela emergiram os Arautos das Sombras — cinco criaturas de pura maldade, seus corpos feitos de escuridão líquida, ondulando como fumaça sólida. Seus olhos brilhavam como brasas ardentes, e garras longas, afiadas como obsidiana, reluziam com uma luz maligna.
“Preparem-se!” gritou Oloorin, sua voz cortando o ar como um trovão. Ele ergueu o cajado, e as runas explodiram em luz, conjurando uma cúpula azulada que envolveu o trio. “Eles são Arautos das Sombras! Não são sólidos, a menos que os forcem a se materializar!”
Thomas engoliu em seco, o coração disparado. “Como fazemos isso?” perguntou, girando a espada para se posicionar.
“Mira, sua luz!” instruiu Oloorin, já traçando runas no ar com movimentos precisos. “Força-os a tomar forma!”
Mira assentiu, o grimório tremendo em suas mãos. Ela abriu o livro, as páginas rangendo, e entoou uma prece para revelar os impuros. Sua voz, inicialmente trêmula, ganhou força, ecoando na câmara: “Lux divina, revela os impuros, expurga as sombras com teu brilho!” Uma explosão de luz branca irrompeu dela, espalhando-se como uma onda. Onde a luz tocou, as sombras recuaram, e os Arautos foram forçados a se materializar, seus corpos disformes ganhando contornos sólidos. Eles rosnaram, um som que reverberou como trovões abafados, e seus olhos flamejantes se voltaram para o trio com fúria.
O primeiro Arauto avançou contra Thomas, movendo-se com uma velocidade sobrenatural. Suas garras cortaram o ar, deixando rastros de escuridão que chiavam ao tocar o chão. Thomas tentou esquivar, mas o espaço era estreito, e a criatura era rápida demais. Ele ergueu a espada em uma guarda desesperada, mas a garra do Arauto passou através da lâmina como se fosse fumaça, rasgando sua túnica e abrindo um corte superficial em seu peito. O frio etéreo do ferimento queimou como gelo, e Thomas cambaleou, grunhindo de dor. “Eles ainda não estão sólidos o suficiente!” exclamou, recuando enquanto o Arauto se preparava para outro ataque.
Mira, vendo Thomas em apuros, intensificou sua prece. Gotas de suor escorriam por sua testa enquanto ela canalizava mais energia, o grimório brilhando com runas douradas. “Aguente, Thomas!” gritou, sua voz quase se perdendo no rugido da criatura. A luz branca se condensou em feixes, envolvendo o Arauto que atacava Thomas. A criatura sibilou, sua forma ondulante começando a solidificar, mas ainda resistia, seus movimentos erráticos tornando difícil acertá-la.
Oloorin, percebendo a dificuldade, interveio. “Mantenha a luz, Mira!” ordenou, girando o cajado. Ele murmurou um encantamento, e uma onda de energia arcana explodiu de sua arma, atingindo o Arauto. A magia azul entrelaçou-se com a luz de Mira, forçando a criatura a assumir uma forma quase corpórea. “Agora, Thomas!” gritou Oloorin.
Thomas, ainda sentindo o ardor do ferimento, reuniu suas forças. Ele avançou, a espada brilhando com uma chama que conjurou às pressas — “Ignis!” O fogo alaranjado envolveu a lâmina, e ele golpeou o flanco do Arauto. Desta vez, a espada encontrou resistência, cortando fundo na carne sombria. A criatura soltou um grito agudo, como metal sendo retorcido, e se desfez em uma nuvem de fumaça negra que se dissipou no ar. Thomas caiu de joelhos, ofegante, o peito ardendo. “Um a menos,” murmurou, limpando o suor da testa.
Enquanto isso, dois outros Arautos atacaram Mira, surgindo das sombras remanescentes como espectros famintos. Suas garras miraram seu pescoço, e ela mal teve tempo de reagir. Instintivamente, ergueu o grimório, e uma barreira de luz fraca se formou, bloqueando o primeiro golpe com um estalo. A força do impacto a fez recuar, tropeçando em uma rachadura no chão. “Oloorin!” gritou, o pânico tingindo sua voz enquanto o segundo Arauto se aproximava, suas garras chiando com energia maligna.
Oloorin girou nos calcanhares, o cajado brilhando intensamente. Ele conjurou uma parede de energia entre Mira e as criaturas, o impacto das garras contra a barreira produzindo faíscas azuis que iluminaram a câmara. “Mira, foque na luz! Eu cuido deles!” disse, sua voz firme. Ele traçou uma runa no ar, e uma ilusão de si mesmo apareceu, confundindo um dos Arautos. A criatura atacou a duplicata, e Oloorin aproveitou, lançando uma rajada de energia arcana que atingiu o Arauto em cheio, desintegrando-o em fragmentos negros.
O segundo Arauto, mais esperto, fundiu-se às sombras e reapareceu atrás de Mira, suas garras erguidas. Ela gritou, tentando conjurar outra barreira, mas a exaustão a tornava lenta. Antes que o golpe acertasse, Oloorin ergueu o cajado e conjurou um feixe de luz azul que perfurou o Arauto como uma lança. A criatura uivou, contorcendo-se, e Thomas, recuperando-se, correu para ajudar. Ele lançou outra bola de fogo, o calor queimando o ar enquanto as chamas envolviam o Arauto, reduzindo-o a cinzas. O cheiro de enxofre queimado impregnou a câmara, e Mira caiu de joelhos, ofegante, o grimório escorregando de suas mãos.
“Você está bem?” perguntou Thomas, correndo até ela e ajudando-a a se levantar.
Mira assentiu, trêmula. “Sim… mas isso está me esgotando,” admitiu, recuperando o grimório com mãos trêmulas.
Os dois Arautos restantes atacaram Oloorin, movendo-se em sincronia como predadores. Eles se fundiram às sombras, reaparecendo em ângulos impossíveis, suas garras cortando o ar. Oloorin, porém, parecia antecipar cada movimento. Ele conjurou uma série de ilusões, criando duplicatas que dançavam ao seu redor, confundindo os Arautos. Um deles caiu na armadilha, atacando uma ilusão, e Oloorin o atingiu com uma explosão de energia que o despedaçou instantaneamente. O último Arauto, enfurecido, lançou-se contra ele, suas garras mirando seu peito.
Thomas tentou intervir, mas suas pernas pareciam pesadas, o ferimento no peito limitando seus movimentos. “Oloorin, cuidado!” gritou, levantando a espada, mas ele estava longe demais.
Mira, reunindo o que restava de sua energia, entoou uma prece rápida. Raios de luz dourada dispararam de suas mãos, perfurando o Arauto como flechas incandescentes. A criatura recuou, chiando, e Oloorin aproveitou a abertura, conjurando uma cúpula de energia que prendeu o Arauto. Ele murmurou um encantamento final, e a cúpula implodiu, reduzindo a criatura a pó negro que se espalhou pelo chão.
O trio se reuniu, ofegante e machucado. O silêncio voltou à câmara, quebrado apenas pelo zumbido residual dos cânticos que ainda ecoavam no ar. Thomas limpou o sangue do canto da boca, o peito ardendo a cada respiração. “Isso foi… intenso,” murmurou, apoiando-se na espada.
Mira, pálida e tremendo, assentiu. “Nunca enfrentei nada assim. Minha magia mal os afetava sem a sua ajuda, Oloorin.”
Oloorin, apesar do cansaço visível em seus olhos, manteve a compostura. “Vocês lutaram bem, mas esses eram apenas os guardiões. O verdadeiro desafio está adiante.” Ele apontou para o círculo de runas no centro da câmara, onde as figuras encapuzadas haviam desaparecido. “Vamos investigar.”
O trio avançou cautelosamente até o centro da câmara, onde o círculo de runas ainda pulsava com uma luz esverdeada. As figuras encapuzadas haviam desaparecido como se nunca tivessem existido, deixando um vazio inquietante. “O que foi isso?” perguntou Thomas, a voz carregada de desconfiança. “Eles estavam aqui, eu sei que estavam.”
Mira franziu a testa, apertando o grimório. “Não parecia uma ilusão. Era… algo mais.”
Oloorin se abaixou, tocando as runas com a ponta do cajado. “Projeções,” disse, sua voz grave. “Controladas por uma magia poderosa. Quem quer que esteja por trás disso não está aqui, mas está próximo.”
Eles seguiram por uma passagem estreita além da câmara, guiados por um instinto sombrio e pelo crescente fedor de podridão que impregnava o ar. O corredor era claustrofóbico, as paredes úmidas e cobertas de musgo negro que parecia pulsar. Após alguns minutos, chegaram a um salão circular, e a visão que os aguardava congelou seus corações.
No centro, pedestais de pedra formavam um círculo perfeito. Sobre cada um, uma figura humana — homens, mulheres, jovens e velhos — permanecia de pé, envolta em mantos encapuzados idênticos aos das projeções. Seus corpos estavam contorcidos em ângulos grotescos, como se suas articulações tivessem sido quebradas e rearranjadas por mãos cruéis. Veias negras pulsavam sob a pele pálida, espalhando-se como raízes malignas, e de suas bocas abertas escapavam os cânticos, agora misturados a gemidos de agonia. O ar estava saturado com um cheiro acre de sangue e enxofre, e o coro profano parecia vibrar nas paredes, desafiando a sanidade.
“Eles estão vivos?” perguntou Mira, a voz trêmula enquanto se aproximava de uma jovem cujo rosto estava parcialmente visível sob o capuz. Seus olhos brilhavam com uma luz esverdeada sobrenatural, vazios de consciência.
Oloorin tocou o pulso da jovem, seu rosto endurecendo. “Sim, mas em transe. Uma magia negra os controla, forçando-os a entoar o ritual. Suas mentes estão presas em outro plano.”
Thomas, tomado por raiva, agarrou um homem mais velho pelos ombros e o sacudiu. “Acorde! Você está livre!” gritou, mas o homem continuou cantando, os olhos fixos no vazio. Frustrado, Thomas o derrubou do pedestal, mas o homem se levantou como uma marionete, retomando sua posição sem hesitar.
Mira abriu o grimório, determinada. “Vou tentar uma purificação,” disse, entoando uma prece. Uma luz dourada envolveu a jovem, e por um instante, o cântico vacilou, a jovem estremecendo como se lutasse contra correntes invisíveis. Mas a magia foi repelida com um estalo, e o cântico voltou mais alto, zombando da tentativa. Mira recuou, o rosto pálido. “Não funcionou…”
Oloorin examinou as runas nos pedestais, sua expressão sombria. “Eles estão presos em um ritual de sacrifício. Suas almas estão sendo drenadas para alimentar o Devorador de Luz. Não podemos quebrar o transe sem interromper o ritual no altar principal.” Ele apontou para uma porta colossal ao fundo, esculpida com uma lua crescente entrelaçada com espinhos. “É lá que precisamos ir.”
O trio avançou, os passos ecoando nas pedras frias. Passaram por altares menores, onde velas negras queimavam com chamas esverdeadas, exalando um fedor de carne podre. Os cânticos cresciam, pulsando como um coração vivo, e o chão vibrava. A porta colossal se aproximava, os espinhos entalhados parecendo se contorcer, a lua crescente pulsando com energia maligna.
Mas antes que pudessem alcançá-la, o chão tremeu violentamente, um rugido grave reverberando pelas paredes. Rachaduras se abriram no piso, e delas emergiram três abominações de pedra e sombra, seus corpos fragmentados como rochas quebradas, costurados por veias de escuridão. Seus olhos eram fendas vermelho-sangue, e suas bocas revelavam dentes irregulares que rangiam como metal enferrujado.
“Cuidado!” gritou Oloorin, erguendo o cajado enquanto conjurava uma barreira maior. A primeira rocha avançou, seu punho de pedra esmagando o chão onde Thomas estivera. Ele rolou para o lado, a espada em punho, e tentou um golpe contra a perna da criatura. A lâmina ricocheteou, faíscas voando, sem causar dano. “Eles são duros como montanhas!” exclamou, esquivando-se de outro golpe que abriu uma cratera no chão.
Mira abriu o grimório, suas mãos trêmulas. Ela entoou uma prece para prender a criatura, e raízes de luz brotaram do solo, tentando envolver a rocha. As raízes se estilhaçaram, mas conseguiram desacelerá-la. “Não sei como pará-los!” gritou, o pânico em sua voz.
Oloorin tomou a frente. “Fiquem atrás de mim!” ordenou, traçando runas no ar. Uma onda de energia marrom explodiu de seu cajado, atingindo a rocha e rachando suas juntas. “Thomas, ataque as rachaduras!” instruiu.
Thomas, suando frio, conjurou uma chama intensa — “Ignis Maxima!” — canalizando o fogo através da espada. Ele golpeou as rachaduras, a lâmina flamejante despedaçando a perna da rocha. A criatura caiu, rugindo, antes de colapsar em escombros. “Consegui!” exclamou, mas sua vitória foi breve.
A segunda rocha atacou Mira, seus braços de sombra chicoteando o ar. Ela ergueu uma barreira de luz, mas o impacto a jogou contra uma coluna, o ar escapando de seus pulmões. O grimório caiu, e a criatura avançou novamente. “Mira!” gritou Thomas, correndo para protegê-la. Ele bloqueou um golpe com a espada flamejante, o calor lutando contra a força da sombra, mas a pressão o forçou a recuar, os joelhos tremendo.
Oloorin conjurou uma cúpula de energia ao redor de Mira, protegendo-a. “Mira, recupere-se!” disse, lançando rajadas de energia contra a rocha. As rajadas racharam sua superfície, e Mira, recuperando o grimório, entoou uma prece. Um pilar de luz desceu, envolvendo a rocha em uma explosão radiante. A pedra se desfez, e a criatura desmoronou.
A terceira rocha enfrentava Oloorin, que usava ilusões para confundi-la. Ele conjurou uma explosão de energia, fragmentando-a em pedaços. O trio se reuniu, exausto. “Eles estão nos atrasando,” disse Mira, limpando um corte na testa.
Com a câmara silenciosa, eles alcançaram a porta do fundo. Ao abri-la, encontraram um altar com um orbe de cristal negro, pulsando com luz sinistra. “Onde estão os cultistas?” perguntou Thomas, confuso.
Oloorin aproximou-se do orbe. “Este é o foco do ritual. Precisamos destruí-lo.” Ele estendeu a mão, mas o orbe brilhou, e uma onda de energia os atingiu, jogando-os para trás.
Quando recuperaram o equilíbrio, estavam em um labirinto de paredes altas e escuras, feitas de pedra viva que ondulava como carne. O ar era sufocante, carregado de podridão e gritos distantes. “Uma armadilha mágica,” disse Oloorin, segurando o cajado com força.
As paredes se contorciam, e um minotauro sombrio emergiu, seus chifres retorcidos reluzindo, os olhos vermelhos ardendo. Ele brandia um machado de pedra negra, rugindo com fúria primal.
“Preparem-se!” gritou Oloorin, conjurando uma barreira azulada. Thomas avançou, mas o minotauro foi mais rápido, seu machado atingindo seu ombro. Thomas foi lançado contra a parede, caindo com um gemido, o ombro sangrando.
“Thomas!” gritou Mira, entoando uma prece de destruição. Uma explosão de luz envolveu o minotauro, mas ele permaneceu intacto, grunhindo. “Não funcionou!” exclamou, recuando.
Oloorin tomou a frente. “Fiquem atrás de mim!” Ele conjurou uma cúpula de energia, bloqueando os golpes do minotauro. Lançou rajadas de energia arcana, mas a criatura resistia. “Thomas, Mira, ajudem-me a distraí-lo!” gritou.
Thomas, ignorando a dor, conjurou uma bola de fogo, lançando-a contra o minotauro. A chama explodiu, fazendo-o recuar. Mira entoou outra prece, criando feixes de luz que o cegaram temporariamente. Oloorin aproveitou, conjurando um relâmpago mágico que rasgou o ar, atingindo o minotauro e desfazendo-o em sombras.
Exausto, Oloorin se virou para os companheiros. “Vocês estão bem?” perguntou. Thomas assentiu, segurando o ombro, enquanto Mira entoava uma prece de cura.
O labirinto os observava, suas paredes pulsando. O trio sabia que o verdadeiro desafio ainda estava por vir.