O ar noturno soprava frio e cortante das montanhas longínquas, carregando o eco distante do templo que, momentos antes, ruíra sob o peso flamejante de um meteoro conjurado por mãos sábias. Thomas, Mira e Oloorin emergiram das profundezas sombrias, seus corpos exauridos pela batalha travada contra as forças do mal, suas almas marcadas por uma vitória que não trazia alegria. O templo, outrora um bastião de escuridão, jazia agora em escombros, suas pedras antigas despedaçadas, espalhando poeira que dançava à luz das estrelas frias e distantes. O vento gélido cortava os mantos surrados do trio, e o silêncio que se seguia era pesado, interrompido apenas pelo crepitar das chamas que ainda lambiam os destroços.
Para Thomas, porém, não havia paz na destruição daquele lugar. Um vazio profundo se alojara em seu peito, uma dor que se espalhava como raízes negras sob a terra seca. Elara, sua amada, fora levada através de um portal azul, arrancada de suas mãos por cultistas cuja maldade ele não pudera deter. Ele falhara com ela, e essa verdade era uma lâmina que cortava mais fundo a cada respiração. Seus olhos, vermelhos de lágrimas contidas, fitavam o horizonte sem vê-lo, perdidos em memórias dela — o brilho dourado de seus cabelos ao sol do Festival da Colheita, o som de sua risada enquanto dançava com ele sob as estrelas. Agora, restava apenas o silêncio e a culpa.
Oloorin, o mago cuja presença era como uma torre firme em meio à tempestade, observava o céu com olhos azuis que carregavam o peso de eras. Ele sabia que o colapso do templo era apenas o início, um prelúdio para sombras ainda mais densas que se moviam além do alcance da vista. Com um suspiro que parecia carregar o fardo de mundos esquecidos, ele se voltou para Thomas e Mira, que permaneciam ao seu lado, envoltos em silêncio e cansaço. "Meus jovens amigos," começou, sua voz ressoando com a gravidade de um sino antigo, "o caminho à frente é perigoso, e eu temo que não possa acompanhá-los por ora. Devo partir para Eldoria, onde as torres de pedra branca guardam segredos que podem nos salvar. Lá, buscarei respostas e aliados contra o mal que se ergue."
Thomas ergueu o olhar, a dor momentaneamente cedendo à surpresa. "Eldoria? Mas... e Elara? Não podemos abandoná-la!" Sua voz tremia, carregada de um desespero que ele não conseguia esconder.
Oloorin pousou uma mão firme em seu ombro, um gesto de consolo e autoridade. "Não estamos abandonando ninguém, Thomas. O inimigo que enfrentamos é astuto, sua força além do que vimos aqui. Precisamos de conhecimento e poder para trazê-la de volta. Em Eldoria, encontrarei o que nos falta." Ele olhou para Mira, que assentiu com determinação silenciosa, antes de continuar. "Vocês devem retornar a Eldenwood e tranquilizar os moradores. O perigo, por agora, foi contido."
Com dedos calejados, ele entregou a Thomas um mapa traçado em pergaminho envelhecido, suas bordas desgastadas pelo tempo, mas os traços precisos revelando caminhos e perigos da região. "Este mapa os guiará. E saibam que, se precisarem de mim, estarei em Eldoria. Que a luz da esperança os guie, mesmo nas sombras mais densas." Com um aceno solene, girou o cajado, e uma luz suave o envolveu, como estrelas caindo em véu. Em um instante, ele desapareceu, os ecos de seus passos engolidos pela noite.
Thomas e Mira ficaram imóveis por um momento, o peso da partida de Oloorin somando-se à carga que já carregavam. O vento uivava baixo entre as árvores retorcidas ao redor, e o céu, carregado de nuvens escuras, parecia refletir o tormento em seus corações. Não havia tempo para lamentos, porém. A jornada de volta a Eldenwood os chamava, e assim, com passos pesados, eles se puseram a caminho.
A viagem era longa, dois dias de marcha através de campos abertos e florestas densas, onde a luz do sol mal penetrava o dossel de folhas escuras. Thomas caminhava em silêncio, os olhos fixos no horizonte, mas sua mente estava distante, presa às imagens do templo — o portal se abrindo, Elara sendo arrastada para além de seu alcance. Cada passo era um esforço contra a culpa que o corroía, um veneno lento que ele não sabia como expelir. Mira, ao seu lado, observava-o com preocupação, seus cabelos castanhos esvoaçando ao vento enquanto tentava encontrar palavras que pudessem alcançá-lo. "Thomas," disse ela suavemente, "não foi sua culpa. Fizemos o que pudemos."
Ele balançou a cabeça, os punhos cerrados sob o manto. "Não foi o suficiente, Mira. Eu prometi protegê-la. E falhei." Sua voz era um sussurro rouco, carregado de uma dor que não encontrava alívio.
Ela não respondeu, sabendo que nenhuma palavra poderia apagar o que ele sentia. Em vez disso, caminhou mais perto dele, sua presença um apoio silencioso contra a tempestade que rugia em seu interior.
No primeiro dia, enquanto atravessavam uma mata cerrada, o silêncio foi quebrado por um rosnado baixo e feral. Das sombras entre as árvores, três lobos emergiram, suas pelagens cinzentas quase invisíveis contra o fundo escuro, os olhos amarelos brilhando com uma fome selvagem. Thomas desembainhou sua espada curta, o metal rangendo contra a bainha de couro, e conjurou pequenas chamas que dançaram ao longo da lâmina, um truque básico que ele aprendera em seus dias como aventureiro. A raiva que queimava em seu peito encontrou um alvo, e ele avançou contra o primeiro lobo, a espada cortando o ar em estocadas desajeitadas, mas ferozes.
O lobo saltou, garras e presas à mostra, e Thomas esquivou-se com dificuldade, sua mente ainda turva pela tristeza. A fera o acertou no braço, os dentes rasgando a carne em um corte superficial, e ele grunhiu de dor, mas não recuou. Com um giro, golpeou o flanco do animal, o fogo chiando ao queimar a pelagem, e o lobo caiu com um ganido agudo, o corpo imóvel entre as folhas úmidas. Mira, de pé a poucos metros, abriu seu grimório com mãos firmes e conjurou uma barreira de luz tênue ao redor de Thomas, protegendo-o do ataque de um segundo lobo. "Cuidado, Thomas!" gritou ela, enquanto lançava um feitiço de cura simples, a luz dourada fechando o ferimento em seu braço com um calor suave.
O segundo lobo avançou contra ela, mas Thomas interveio, sua espada flamejante cortando o ar e acertando a fera no ombro. O animal recuou, rosnando, e Mira aproveitou para lançar outra barreira, dando a Thomas tempo para golpeá-lo novamente. O terceiro lobo tentou flanqueá-los, mas juntos, com esforço e cooperação, conseguiram derrubá-lo, a lâmina de Thomas e a magia de Mira trabalhando em uma harmonia forjada pela necessidade. Quando o último animal caiu, Thomas ficou ofegante, limpando o suor da testa, os ferimentos leves latejando sob o tecido rasgado de sua túnica. Mira aproximou-se, aplicando curativos improvisados com tiras de pano arrancadas de seu próprio manto. "Precisamos ser mais cuidadosos," disse ela, a voz firme, mas gentil. "Não podemos nos dar ao luxo de sermos imprudentes."
Thomas assentiu, mas seus pensamentos estavam distantes, fixos em Elara, o combate apenas um eco da batalha maior que travava dentro de si.
Naquela noite, acampados sob as estrelas, o céu negro pontilhado de luzes frias, Thomas foi atormentado por pesadelos. Ele via Elara, sua figura delicada desaparecendo no portal, os olhos suplicantes enquanto era levada para longe. Acordou com um sobressalto, o nome dela escapando de seus lábios em um grito abafado, o rosto molhado de suor e lágrimas. Mira, que montava guarda perto do fogo baixo, aproximou-se e colocou uma mão gentil em seu ombro. "Não estás sozinho nisso, Thomas," sussurrou ela, a voz um farol na escuridão. "Juntos, acharemos um caminho."
Ele a encarou, os olhos marejados, a gratidão lutando contra o desespero em seu peito. "Obrigado, Mira. Eu... eu não sei o que faria sem você."
Ela sorriu tristemente, um fio de esperança em meio à melancolia. "Somos amigos. E amigos não abandonam um ao outro."
Ao anoitecer do segundo dia, chegaram a Eldenwood, exaustos e com os espíritos abalados. A vila, com suas casas de madeira e telhados de palha, erguia-se como um refúgio acolhedor contra as sombras da floresta. Garen, o chefe da vila, um homem robusto de barba grisalha e olhos bondosos, os recebeu em sua casa simples, as tábuas do assoalho rangendo sob seus pés pesados. "Graças aos deuses que estão bem," disse ele, o alívio evidente em sua voz grave. "O que aconteceu no templo?"
Thomas permaneceu em silêncio, perdido em seus pensamentos, enquanto Mira relatava os eventos — a destruição do templo, a contenção temporária do culto, a vitória amarga que custara tanto. "O perigo, por ora, foi afastado," concluiu ela, e Garen assentiu, grato, as rugas em seu rosto suavizando-se com a notícia.
"Vocês fizeram um grande serviço à nossa vila," disse ele. "Por favor, aceitem nossa hospitalidade esta noite." Ele os guiou até a hospedaria local, onde uma refeição quente os esperava — pão fresco, ainda quente do forno, e um ensopado de legumes que exalava um aroma reconfortante. Depois, retiraram-se para seus quartos, camas rústicas acolhendo seus corpos cansados, o crepitar da lareira trazendo um alívio passageiro enquanto o sono os envolvia.
Na manhã seguinte, partiram rumo a Akasall, a cidade onde Thomas buscava refúgio em suas andanças. A viagem de um dia e meio foi marcada pela monotonia da estrada de terra, o céu cinzento derramando uma chuva fina que parecia chorar com eles. O silêncio entre Thomas e Mira era pesado, carregado de tristeza e preocupação, os cascos de suas botas ecoando na lama. Chegaram ao entardecer, as muralhas de pedra de Akasall erguendo-se diante deles, as torres de vigia cortando o horizonte. Sem hesitar, dirigiram-se à taverna "O Repouso do Viajante", um refúgio familiar com paredes de madeira escura e o calor constante de uma lareira acesa. O taverneiro, um velho amigo de barba grisalha e sorriso cansado, os recebeu com um aceno. "Thomas, meu rapaz, é bom vê-lo de volta," disse, mas ao notar a sombra em seu rosto, sua alegria se dissipou. "O que aconteceu?"
Thomas não respondeu, apenas pediu um quarto e uma caneca de cerveja, as mãos trêmulas segurando a bebida como se fosse uma âncora. O taverneiro, compreendendo o peso silencioso, não insistiu, entregando as chaves e deixando-o em paz. Mira ficou na sala comum, conversando baixinho com o taverneiro. "Ele perdeu alguém muito querido," explicou ela, a voz carregada de empatia. "Está sofrendo muito."
O taverneiro assentiu, os olhos cheios de compaixão. "O tempo cura todas as feridas, mas algumas cicatrizes permanecem para sempre."
Na manhã seguinte, Thomas acordou com o coração apertado, a luz do dia renovando a culpa que o assombrava. Desceu para a sala comum, onde Mira o esperava à mesa do café, o rosto pálido e os olhos vermelhos de uma noite mal dormida. Ele se sentou, hesitante, a voz baixa como um murmúrio contra o crepitar da lareira. "Mira, preciso ver Aiden, o irmão de Elara. Contar-lhe o que aconteceu. Estou ferido, em corpo e alma. Se puderes, gostaria que viesses comigo."
Ela o encarou, os olhos verdes brilhando com determinação e ternura. "Claro, Thomas. Não te deixarei carregar isso sozinho."
A partir daí, Thomas e Mira decidiram ir a pé até a Fazenda do Vale Verde, onde Aiden e Lyra estavam ficando. Não era longe, apenas meio dia de caminhada, então eles arrumaram suas mochilas com o básico: um pouco de pão e queijo que Jorvan insistiu que levassem, além de água e seus mantos surrados. "Não vão passar fome no caminho," disse o taverneiro, com um sorriso preocupado, antes de se despedirem.
Saíram de Akasall pela estrada de terra que cortava colinas suaves, o sol da manhã iluminando os campos de cevada que ondulavam como um mar dourado. Thomas caminhava em silêncio, os ombros curvados sob o peso da culpa, cada passo um esforço contra os pensamentos que o puxavam para trás — o portal azul, o grito de Elara ecoando em sua mente. Mira, ao seu lado, tentava aliviar o clima. "Olha só essas flores," disse ela, apontando para umas margaridas silvestres na beira do caminho. "Elara ia gostar de vê-las, não acha?" Thomas apenas murmurou um "sim" baixo, mas Mira não desistiu, mantendo-se perto dele como um apoio quieto.
Depois de algumas horas, o sol já estava alto, e eles pararam perto de um riacho para descansar. Sentaram-se na grama, o som da água correndo misturando-se ao canto dos pássaros. Thomas pegou o pão, mas só deu uma mordida pequena antes de largar, o olhar perdido no horizonte. Mira franziu a testa, preocupada. "Thomas, você precisa comer. Não adianta chegar lá caindo aos pedaços. Aiden vai precisar de você inteiro."
Ele suspirou, esfregando o rosto com as mãos. "Eu sei, Mira. É só que... como eu vou contar pra ele? Olhar na cara dele e dizer que Elara sumiu por minha causa?"
Ela se aproximou, colocando a mão no ombro dele. "Não foi por sua causa, Thomas. Você lutou por ela. Vamos contar juntos, e vamos achar um jeito de trazê-la de volta. Aiden é o irmão dela, ele vai querer lutar também."
Thomas assentiu devagar, as palavras dela acendendo uma faísca de força no meio da escuridão que o envolvia. "Tá bom. Vamos fazer isso juntos."
Retomaram o caminho, o calor do meio-dia pesando nos ombros, as botas levantando poeira da estrada seca. Mas à medida que se aproximavam da Fazenda do Vale Verde, uma mudança brusca no ar os fez diminuir o passo. Um vento gelado começou a soprar, cortando a pele com uma força tão intensa que parecia rasgar o calor do dia. Era um frio que não fazia sentido, como se o próprio lugar estivesse gritando que algo tinha mudado.
Thomas olhou para Mira, que apertou o grimório contra o peito, os olhos estreitados. "Você tá sentindo isso?" perguntou ela, a voz quase sumindo no vento.
"Sim," respondeu Thomas, esfregando os braços. "Não é natural."
Seguiram em frente, mais devagar, e quando a fazenda finalmente apareceu perto do fim da tarde, o que viram os fez parar em choque. A casa, que Thomas lembrava como uma construção simples de madeira com telhado torto, agora estava completamente reformada. As paredes eram cobertas por tábuas novas de madeira fresca, o telhado substituído por telhas vermelhas bem alinhadas, e as janelas exibiam vidros limpos que refletiam a luz fraca do sol poente. A porta de entrada, antes uma peça rústica, agora era de carvalho sólido com uma aldrava de ferro polido. Mas o que realmente chamou a atenção foram os pilares pontudos de gelo que se erguiam do chão ao redor da casa, como lanças congeladas brilhando sob o crepúsculo. Eles a cercavam como uma barreira, a grama ao redor coberta por uma fina camada de geada, sugerindo que uma grande batalha mágica havia ocorrido ali.
Thomas ficou parado, os olhos arregalados, tentando processar a cena. "A casa... foi reformada," murmurou ele, mais para si mesmo do que para Mira. "Mas esses pilares de gelo... o que aconteceu aqui?"
Mira, ao seu lado, observava tudo com uma mistura de curiosidade e preocupação. "Parece que houve uma luta mágica," disse ela, apertando o grimório com mais força. "Esses pilares não são naturais. Alguém conjurou gelo aqui, e pelo tamanho deles, foi uma magia poderosa."
Thomas assentiu, sentindo um aperto no peito. Ele conhecia Aiden e Lyra, e sabia que eles não eram magos. "Será que eles estão bem?" perguntou, a voz carregada de preocupação.
"Precisamos descobrir," disse Mira, dando um passo à frente. "Vamos até a casa."
Com cuidado, eles se aproximaram, contornando os pilares de gelo que pareciam vigiar a entrada. O vento gelado soprava mais forte agora, carregando consigo um sussurro quase inaudível, como vozes distantes. Thomas sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas continuou em frente, determinado a encontrar seus amigos.
Quando chegaram à varanda, viram Lyra sentada numa cadeira, os cabelos negros soltos ao vento, os olhos azuis fixos no céu, perdida em pensamentos. Perto dali, Aiden estava de costas, treinando com um graveto.
Thomas sentiu o peito apertar. Sem pensar, largou a mochila no chão e correu. "Aiden!" gritou, a voz cheia de emoção crua.
Aiden se virou, pego de surpresa, e antes que pudesse falar, Thomas o abraçou com força. Mas no instante em que seus braços envolveram o amigo, ele sentiu o vazio — o espaço onde o braço de Aiden deveria estar. O choque atravessou Thomas como uma lâmina, e seu corpo ficou mais gelado que o vento ao redor. Ele recuou um passo, os olhos arregalados, tremendo.
Mira, vendo tudo, pegou a mochila de Thomas e correu até eles. "Oi, eu sou Mira," disse ela, a voz calma, mas firme. "A gente veio de longe pra falar com vocês."
Thomas, ainda atordoado, virou Aiden para encará-lo. Com as mãos trêmulas, segurou o rosto do amigo e abriu o sobretudo preto que ele usava. "Aiden, o que aconteceu com você? Cadê seu braço?" perguntou, a voz falhando, cheia de preocupação e confusão.
Aiden suspirou, o rosto endurecendo. "É uma longa história, Thomas. Vamos entrar, eu te explico tudo."
Lyra se levantou da cadeira e veio até eles, os olhos azuis carregados de uma tristeza quieta. "Entrem," disse ela, a voz suave, mas decidida. Ela passou pela porta primeiro, deixando-a aberta para os outros.
Thomas olhou para Mira, que assentiu, encorajando-o a seguir. Com o coração pesado e a mente girando, ele entrou na casa, o vento gelado soprando uma última rajada antes de a porta se fechar atrás deles.