O Preço da Recusa

O ar na caverna pesava como uma sentença não dita, um silêncio carregado que parecia sufocar Lyra enquanto ela arrastava Aiden para um canto menos úmido da gruta. Seus braços tremiam sob o peso dele, mas ela não parava, os dentes cerrados em uma determinação silenciosa. Finalmente, depositou-o no chão de pedra, apoiando a cabeça dele em seu colo com cuidado, os dedos afastando os cabelos castanhos e suados de sua testa. O rosto de Aiden estava pálido, contorcido pela dor que ele não podia expressar em seu estado inconsciente, e a respiração rasa mal movia seu peito.

Lyra sentou-se ereta, os ombros rígidos, os olhos azuis fixos no portal agora fechado à sua frente. A luz azul havia desaparecido, deixando apenas a escuridão fria e o som distante de água pingando nas profundezas. Seus dedos tamborilavam contra a pedra ao seu lado, um tique nervoso que traía a tempestade em sua mente. Havia uma força natural em sua postura, uma resistência que desafiava o caos ao seu redor.

"Você sempre faz isso, Aiden," murmurou ela, a voz baixa e cortante, atravessando o silêncio como uma lâmina. "Se joga no perigo sem pensar duas vezes. Olha onde isso te trouxe." Ela ajustou a cabeça dele em seu colo com um gesto quase gentil. "Tentando bancar o herói... não consegue nem cuidar de si mesmo."

Apesar da aspereza das palavras, seus dedos hesitaram por um instante, como se relutassem em se afastar. Lyra não era de sentimentalismos, mas algo em Aiden — sua teimosia insistente, sua lealdade quase absurda — mexia com ela. Voltou os olhos para o vazio, a mente girando em torno da oferta da criatura. Seus pais. Seus irmãos. Vivos novamente. A promessa era uma tentação ardente, mas Lyra a encarava com a frieza de quem aprendera a desconfiar de tudo.

"Eu os vi morrer," disse ela em voz alta, como se precisasse confirmar as palavras para si mesma. "Era um dia comum, o sol brilhando, a estrada poeirenta à nossa frente. Então vieram os cascos, pesados como trovões. Meu pai viu os cultistas primeiro, o sorriso dele apagado em um instante. Eles nos cercaram, os robes pretos engolindo a luz, os olhos mortos. Minha mãe foi queimada viva, os gritos dela rasgando minha alma. Meu pai caiu lutando, o sangue manchando a terra, sussurrando para eu fugir. Meus irmãos... um com o pescoço quebrado contra uma árvore, o outro com a garganta cortada, o sangue quente jorrando na poeira. E eu... eu não pude fazer nada."

Sua voz era firme, quase mecânica, mas os dedos pararam de tamborilar, cerrando-se em punhos. "Os cultistas me levaram depois. Me arrastaram para uma caverna escura, me bateram até eu cuspir sangue, me amarraram numa pedra fria como sacrifício para o deus deles. Eu ouvia os gritos da minha família na minha cabeça, um eco que não parava. Achei que ia morrer ali... até você chegar, Aiden. Você me salvou." Ela fez uma pausa, o olhar suavizando por um breve momento. "Você me deu uma segunda chance. Mas isso?" Ela apontou para o portal com um aceno de cabeça. "Isso não é chance. É uma corrente."

Lyra respirou fundo, o ar gelado da caverna enchendo seus pulmões. "A criatura acha que pode me comprar com promessas. Meus pais vivos, meus irmãos correndo pela estrada de novo. Mas eu sei o que vi. O óleo queimando minha mãe, o machado do meu pai caindo, o pescoço do meu irmão estalando. Eles se foram. E eu não vou me tornar um fantoche de algo maligno só pra fingir que posso tê-los de volta."

Ela baixou os olhos para Aiden, uma determinação feroz brilhando em seu olhar. "Você me salvou uma vez, seu teimoso. Não sei por quê. Talvez porque você acredita em algo maior. Eu não. Eu acredito em mim. E eu não vou ceder."

O portal azul se abriu novamente, o som vibrante cortando o silêncio. A criatura emergiu, sua forma de gelo e sombra se solidificando como uma tempestade viva. Seus olhos de brasa fixaram-se em Lyra, e ela se levantou com um movimento fluido, deixando Aiden gentilmente no chão. A caverna parecia encolher sob a presença da criatura, o ar ficando denso e opressivo.

"Lyra," disse a criatura, a voz grave ecoando como um trovão preso. "O amanhecer está próximo. Qual é sua decisão?"

Lyra cruzou os braços, o queixo erguido, a postura desafiadora. "Eu recuso," declarou, cada palavra afiada como uma faca. "Não serei sua hospedeira. Não abro mão de quem sou — nem por eles, nem por nada."

A criatura a encarou em silêncio, os olhos estreitando-se. Então, um rosnado baixo escapou dela, e sua forma tremeluziu com raiva. "Você rejeita o poder? A chance de tê-los de volta?"

"Eu rejeito você," retrucou Lyra, seca. "O poder que você oferece é escravidão. Meus pais, meus irmãos... eles morreram, e eu os honro vivendo, não me vendendo."

A criatura avançou, as garras de gelo esticando-se em um ataque rápido. "Então você escolhe a dor," sibilou ela, agarrando Lyra pelos ombros com uma força que fez seus ossos protestarem. Lyra gritou, o som escapando antes que pudesse contê-lo, o pânico tomando conta enquanto as garras a erguiam do chão.

No desespero, algo dentro dela explodiu. Ela não sabia lutar, mas o medo a guiou. Estendeu as mãos, e uma onda de frio intenso irrompeu dela, mais forte que o ar da caverna. O ar se condensou em uma névoa espessa, as paredes da gruta tremendo. A criatura hesitou, suas garras afrouxando por um instante enquanto o frio a envolvia.

O impacto acordou Aiden. Seus olhos se abriram, a dor em sua costela o arrancando da inconsciência. Ele viu Lyra sendo arrastada para o portal, que pulsava com uma luz azul cada vez mais fraca. "Lyra!" gritou ele, a voz rouca, mas cheia de determinação.

Com um esforço que o fez gemer, Aiden se levantou, o braço esquerdo pendendo inútil, a costela ferida queimando a cada passo. Ele correu, tropeçando, o portal encolhendo diante dele. A criatura já atravessava, levando Lyra, e Aiden se lançou para dentro no último segundo, o azul engolindo-os em silêncio.

Eles caíram em um lugar além da compreensão. O chão era gelo negro, liso como obsidiana, refletindo um céu cinzento sem estrelas. O ar cortava como facas, um vento uivante carregando lamentos distantes. Era um inferno gelado, uma desolação de neve afiada e pilares de gelo retorcidos, como figuras presas em tormento eterno.

Lyra caiu de joelhos, o impacto contra o gelo reverberando por suas pernas. Ela tremia, mas manteve a cabeça erguida, encarando a criatura com desafio. "Onde estamos?" perguntou, a voz trêmula, mas firme.

"Este é o domínio do Devorador da Luz," respondeu a criatura, os olhos de brasa brilhando. "Um lugar entre mundos, onde as almas esperam e o gelo guarda segredos. Você recusou minha oferta, Lyra, mas aqui seu destino será selado."

Aiden caiu ao lado dela, ofegante, o corpo curvado pela dor. Ele tentou se levantar, o braço bom se apoiando no gelo escorregadio. "Deixe ela em paz," rosnou, mas caiu novamente, o esforço arrancando um gemido baixo de seus lábios.

A criatura riu, o som como gelo quebrando. "Você é fraco, humano. Não pode protegê-la aqui."

Lyra lançou um olhar rápido para Aiden, o peito apertado. "Fique quieto," disse ela, seca, mas com um tom de preocupação. "Você já fez demais."

O chão tremeu, e sombras emergiram do gelo — figuras esqueléticas, olhos vazios brilhando com luz fraca. Eram almas presas, avançando lentamente. A criatura recuou, observando como se testasse os dois.

Aiden se levantou, apoiando-se em Lyra com dificuldade. "A gente precisa sair daqui," murmurou, os olhos buscando uma saída.

Lyra assentiu, ajudando-o a se equilibrar. "Não sei lutar, mas não vou ficar parada." Eles recuaram, o frio queimando seus pulmões.

Uma alma saltou, as garras mirando Lyra. Aiden a empurrou para o lado, recebendo o golpe no ombro. Ele grunhiu, mas ficou de pé. "Corre!" gritou, mas Lyra voltou para ajudá-lo.

"Não sem você," respondeu ela, os olhos ferozes. Juntos, tropeçaram para trás, o gelo rachando enquanto as almas os cercavam.

Aiden pegou um fragmento de gelo do chão, segurando-o como uma arma improvisada. Seus movimentos eram lentos, a dor em sua costela e o braço inútil dificultando cada golpe. Ainda assim, ele avançou contra um esqueleto, acertando-o com força suficiente para quebrar seus ossos frágeis, que se desfizeram com um estalo seco. Outro esqueleto veio por trás, e Aiden girou, golpeando-o no crânio com um esforço que o fez gemer. O esqueleto caiu, mas Aiden cambaleou, o corpo no limite.

Lyra tentava ajudar, empurrando as almas com as mãos e chutando suas pernas ossudas, mas os números deles só aumentavam. Aiden derrubou mais um, o fragmento de gelo se partindo em suas mãos, a respiração ofegante e irregular.

De repente, um terremoto violento sacudiu o chão. O gelo sob seus pés começou a rachar, fissuras se espalhando rapidamente, e o som ensurdecedor de algo se quebrando encheu o ar. Antes que pudessem reagir, o gelo se partiu completamente, e eles caíram na escuridão gelada abaixo, o vento uivante rugindo em seus ouvidos.

Lyra gritou, o medo tomando conta, mas algo dentro dela despertou novamente. Instintivamente, estendeu as mãos, e uma rajada de vento gelado explodiu de suas palmas. O ar frio os envolveu, diminuindo a velocidade da queda como um manto invisível, até que tocaram o chão com um impacto suave, deslizando sobre uma superfície de gelo mais profunda.

Eles pararam, ofegantes, em uma caverna subterrânea ainda mais fria e sombria. Ao redor deles, o gelo das paredes refletia uma luz fraca, revelando figuras humanas congeladas, presas em poses de sofrimento eterno. Seus rostos estavam contorcidos em agonia, os olhos arregalados e bocas abertas em gritos silenciosos, como se o tempo os tivesse capturado no auge de seu desespero.

Aiden tremia violentamente, o frio cortante penetrando seus ossos enquanto se levantava com dificuldade. "Onde... onde estamos?" perguntou, os dentes batendo, a voz quase perdida no ar gelado.

Lyra permanecia calma, a pele intocada pelo frio que parecia consumi-lo. "Não sei," respondeu ela, os olhos fixos nas figuras congeladas. "Mas precisamos sair daqui."

Ela ajudou Aiden a se levantar, e eles começaram a vagar pela caverna, o silêncio pesado quebrado apenas pelo som de seus passos e pelo tremor constante de Aiden. Ele envolvia os braços ao redor do corpo, tentando se aquecer, mas o frio era implacável. Lyra, indiferente à temperatura, mantinha os olhos à frente, buscando uma saída enquanto as figuras congeladas os observavam em silêncio, testemunhas mudas de sua luta.

Enquanto caminhavam, o silêncio entre eles era pontuado apenas pelo eco dos passos nas paredes de gelo. Aiden tremia cada vez mais, o corpo lutando contra o frio implacável. Lyra notou, franzindo a testa com uma mistura de irritação e preocupação.

"Aiden, você tá tremendo como uma folha," disse ela, a voz seca, mas carregada de um tom que traía seu cuidado. "Se continuar assim, vai congelar antes que a gente saia daqui."

Aiden, com os dentes batendo, tentou forçar um sorriso. "E-eu to bem, Lyra. Só... um pouco de frio."

"Um pouco?" Lyra revirou os olhos e se aproximou, hesitante. "Talvez se eu te aquecer..."

Ela deu um passo à frente e, desajeitadamente, envolveu os braços ao redor dele, tentando abraçá-lo. Aiden, surpreso, deu um pulo para o lado, os olhos arregalados. "Lyra, o que você tá fazendo?"

"Tentando te esquentar," respondeu ela, cruzando os braços, um leve rubor subindo às bochechas. "Mas se prefere virar picolé, problema seu."

Aiden riu, o som fraco, mas genuíno. "Lyra, você tá mais gelada que o chão aqui. Seu abraço tá piorando as coisas!"

Lyra bufou, mas um sorriso quase escapou enquanto dava um soco leve no peito dele. "Então morra congelado, seu teimoso. Não vou insistir."

Aiden balançou a cabeça, ainda tremendo. "Desculpa, Lyra. Mas sério... você não tá sentindo esse frio? Como isso é possível?"

Ela deu de ombros, objetiva como sempre. "Não sei. Talvez tenha a ver com o que a criatura disse sobre meu potencial. Mas isso não importa agora. Precisamos achar uma saída."

Aiden assentiu, o sorriso desvanecendo enquanto se concentrava. "Tá bom, mas da próxima vez que quiser me esquentar, tenta achar uma fogueira, não um bloco de gelo ambulante."

Lyra ergueu a mão como se fosse acertar a cabeça dele, mas parou no meio do caminho, os olhos brilhando com uma mistura de irritação e diversão. "Cala a boca e anda logo, antes que eu te deixe aqui pra virar estátua."

Eles continuaram, o momento de leveza aliviando a tensão. Aiden, mesmo tremendo, sentia um calor sutil vindo do gesto desajeitado de Lyra, e ela, por mais que tentasse esconder, não podia negar que se importava com ele.