Desde o princípio, o destino da humanidade sempre foi selado pelos caprichos dos deuses.
Para eles, os mortais não passavam de brinquedos frágeis, existindo apenas para entreter suas vontades. Mas os humanos nunca aceitaram esse papel.
Eles resistiram. Lutaram. E, no meio da rebelião, um novo poder nasceu.
Os Despertos.
Guerreiros que superaram os limites da carne, desafiando as leis divinas. Força. Agilidade. Sentidos aguçados. Cada um deles era uma afronta viva ao poder dos deuses. Um escudo contra a tirania celestial.
Mas nem mesmo eles podiam garantir a sobrevivência da humanidade.
Drayengard.
O último bastião dos Despertos.
A cidade onde os mais fortes se reuniam, a última defesa contra a ira divina. E também o alvo de uma fúria sem precedentes.
Quando os deuses souberam da ofensiva planejada pelos humanos, a resposta foi imediata.
Implacável.
Thalerius.
A calamidade encarnada. Uma entidade de destruição pura, criada para extinguir qualquer traço de rebelião.
Naquela noite, o mundo prendeu a respiração.
O céu estrelado se dissolveu. Nuvens negras se espalharam como veneno, girando sobre Drayengard em redemoinhos ameaçadores.
O ar ficou pesado. Sufocante. Como se a própria atmosfera estivesse contra os humanos.
E então, os trovões rugiram.
Relâmpagos púrpuras rasgaram o horizonte, dançando como serpentes furiosas. O vento uivou, derrubando telhados e espalhando escombros. As sombras consumiram as ruelas, transformando a cidade em um labirinto de trevas e desespero.
O frio sobrenatural rastejou pelas ruas, congelando o coração de quem ousava encarar o céu.
Os cidadãos saíram de suas casas. Os olhos arregalados. A respiração entrecortada.
Era um aviso.
Drayengard estava condenada.
No alto da torre do castelo, Lucanor Drayen observava o caos.
Trovões iluminavam seu rosto, refletindo em seus olhos vazios. O peito apertado. O presságio da destruição pesando em sua consciência.
Os conselheiros invadiram o salão.
— Majestade! Precisamos preparar as tropas! — um deles implorou, ajoelhando-se. A voz trêmula, desesperada.
Lucanor não desviou o olhar do horizonte.
— É tarde demais.
Sua voz era fria. Resignada.
— Eles descobriram.
Revorgor, o mais leal de seus conselheiros, rangeu os dentes.
— Se não lutarmos, Drayengard será destruída!
O rei suspirou.
— Protejam a cidade. Impeçam que a batalha chegue ao povo.
Silêncio.
Revorgor cerrou os punhos.
— Maldito seja, Lucanor! — cuspiu. — A idade te tornou fraco. Mas nós não fugiremos!
Ele se virou para os comandantes.
— PREPAREM-SE PARA A GUERRA!
O céu se rasgou.
Das nuvens, uma mão colossal emergiu. Gigantesca. Sombria.
Poder absoluto encarnado.
Thalerius desceu.
E o mundo tremeu.
O impacto veio como mil tempestades.
Fogo e vento varreram a cidade. Casas desapareceram. Árvores foram reduzidas a cinzas. O calor queimava antes mesmo das chamas tocarem.
Milhares pereceram em um instante.
No centro da cidade, os Despertos se reuniram.
O último bastião da humanidade.
Armstrong estava à frente. O mais formidável entre os guerreiros.
Seu olhar era firme. Mas carregava o peso da realidade.
Eles não venceriam.
Mas poderiam marcar a história.
Ele ergueu a voz.
— SOLDADOS!
O som ecoou como um trovão.
— A morte nos espera. Mas se tombarmos, que seja protegendo aqueles que amamos! Somos o último escudo da humanidade! Não posso prometer que voltaremos. Mas prometo que nossos nomes serão lembrados para sempre!
Ele puxou a lâmina reluzente e rugiu:
— HOJE CUSPIREMOS NOS OLHOS DOS DEUSES!
Silêncio.
Por um instante.
Então, um rugido de guerra explodiu dos Despertos.
Eles partiram.
Direção aos montes Khan, onde Thalerius se erguia como um monumento da destruição.
Corvos foram enviados a Velmora e Ravengard. Mas o tempo seria aliado ou inimigo?
Enquanto isso, Drayengard morria.
Ruas desertas. Escombros. Silêncio.
Lucanor caminhava entre as ruínas. Seus pés tocaram algo macio.
Uma boneca de pano.
Suja de lama. Esquecida.
O brinquedo outrora amado, agora um símbolo da tragédia iminente.
O rei ergueu os olhos para os montes Khan, onde a batalha começava.
— Pelos deuses...
Seus punhos cerraram.
— O que foi que eu fiz?
E então, um clarão azul rasgou os céus.
O rugido que se seguiu fez a terra estremecer.
O início do fim havia chegado.
Uma entidade colossal caminhava entre os homens como um ceifador inevitável.
Thalerius não era apenas uma aberração titânica.
Ele era um cataclismo encarnado.
Sua mera presença distorcia a realidade, como se o próprio mundo rejeitasse sua existência. O ar ao seu redor tremulava, carregado de uma opressão esmagadora que fazia até os guerreiros mais experientes sentirem os joelhos fraquejarem.
Seu corpo, um humanoide gigante de proporções grotescas, era revestido por uma pele cinza pálida, repleta de fissuras profundas que nunca se fechavam. Cada rachadura pulsava com uma energia profana, algo vivo rastejando sob sua superfície.
Seus olhos—se é que podiam ser chamados assim—não eram mais do que abismos insondáveis.
Sugavam qualquer traço de esperança de quem ousasse encará-los.
Mas o pior de tudo era seu sorriso.
Um sorriso constante.
Inabalável.
Carregado de um escárnio silencioso.
Não era um mero reflexo de sadismo; era a personificação da impiedade absoluta. Um lembrete cruel de que, para ele, a vida humana não passava de um brinquedo frágil prestes a ser esmagado.
E em suas mãos...
Uma espada colossal.
A lâmina negra parecia estender-se além da própria lógica.
Não era apenas uma arma.
Era um instrumento de extinção.
Quando arrastada pelo chão, não apenas cortava o solo—ela o desintegrava. Concreto, aço, carne. Nada sobrevivia ao toque daquela lâmina.
O som metálico rasgando a terra reverberava como o próprio prenúncio da morte, um grito agourento que se espalhava pelo campo de batalha.
No alto de um platô, Armstrong e seus homens observavam a entidade.
O comandante sabia.
Não havia espaço para erros.
Seu plano era a única chance, ínfima, de sobrevivência.
— Cada um de vocês atacará uma única vez, mirando um ponto específico — sua voz soou firme, mas o peso da situação tornava cada palavra uma sentença. — Ataques contínuos e frenéticos só o farão retaliar mais rápido. Se errarmos a sequência, seremos apenas mais corpos no caminho dele.
Ajoelhado, traçava estratégias sobre a terra seca. Seus olhos, duros como aço, não se desviavam da monstruosidade à frente. O peso da responsabilidade era sufocante, mas ele não podia permitir que isso transparecesse.
Então, aconteceu.
Por um breve instante, o som dos passos de Thalerius cessou.
O silêncio que se seguiu foi mais aterrorizante do que qualquer estrondo de destruição.
Era um silêncio denso.
Carregado de algo invisível.
Algo que fazia os corações acelerarem de puro instinto.
O ar se tornou pesado.
Sufocante.
Os soldados arregalaram os olhos, não mais focados em Armstrong, mas em algo atrás dele.
O pavor estampado em seus rostos fez o sangue do comandante gelar.
Ele se virou.
E então, o viu.
Um olho colossal.
Negro como a noite mais profunda.
Sua íris avermelhada pulsava de forma doentia, absorvendo cada detalhe dos rostos apavorados diante dele.
Thalerius estava os observando.
Armstrong congelou.
O olho moveu-se levemente, como se estivesse memorizando cada um deles.
Gravando seus rostos.
Registrando-os antes da aniquilação.
E então, o caos explodiu.
Gritos de puro desespero ecoaram.
Alguns soldados choravam, implorando pela própria vida.
Outros apenas murmuravam em negação, como se recusassem a aceitar a certeza da morte iminente.
— ATACAR! — o rugido de Armstrong rasgou o pavor, trazendo os Despertos de volta à realidade.
O esquadrão se dispersou, seguindo a estratégia ensaiada.
Mas nem todos conseguiram se mover.
O medo os havia condenado antes mesmo que Thalerius erguesse sua lâmina.
E então, veio a destruição.
A espada desceu com um peso indescritível.
O impacto obliterou o platô inteiro.
Montanhas se despedaçaram.
O solo se fragmentou como vidro quebrado.
Homens que hesitaram foram apagados da existência antes mesmo de perceberem que estavam mortos.
O estrondo era ensurdecedor, reverberando pelo horizonte como um trovão primordial.
O ataque começou.
Mas era inútil.
As lâminas dos Despertos, suas habilidades mais poderosas—tudo ricocheteava na pele impenetrável da entidade.
Não importava onde acertassem.
Thalerius permanecia inabalável.
Ele não revidava de imediato.
Apenas os observava.
Esperava.
Saboreava o desespero crescente.
Ele não lutava; ele se deleitava na futilidade dos esforços humanos.
Acima, um grupo de Despertos pairava no ar, tentando entender o que acabara de acontecer.
— Maldito... — Armstrong rangeu os dentes ao ver dez de seus melhores soldados sendo erradicados em um único golpe. — Ele nem precisou se esforçar...
A realidade se impunha de forma brutal.
— Não adianta, comandante... — um dos guerreiros arfava, o desespero evidente em sua voz. — Não conseguimos sequer arranhá-lo.
Armstrong, coberto de poeira e sangue, analisava o monstro à distância.
Algo chamava sua atenção.
Uma luz fraca, quase imperceptível, pulsava sob aquela pele impenetrável.
Um ponto vermelho.
No centro do peito da criatura.
Era um risco.
Mas também era a única chance.
— Foquem no ponto verm... —
Ele não terminou.
Uma sombra colossal se projetou sobre ele.
A lâmina negra desceu.
O impacto foi cataclísmico.
O mundo ao redor de Armstrong desapareceu em uma tempestade de poeira e destruição.
O lado direito do campo de batalha foi varrido em um único golpe.
Gritos foram silenciados.
Onde antes havia aliados, agora restava apenas um vazio cruel—uma cicatriz na terra repleta de corpos pulverizados.
Por um instante, tudo ficou em câmera lenta.
O cheiro metálico do sangue.
O calor das chamas consumindo os destroços.
Os restos de soldados espalhados pelo chão como marionetes sem vida.
O horror era absoluto.
Armstrong se ergueu.
Se ninguém mais restava...
Então ele terminaria aquilo sozinho.
Thalerius ergueu sua espada novamente.
A lâmina negra brilhou.
E o confronto final começou.
Em Drayengard...
Lucanor observava o campo de batalha do alto das muralhas. O caos se espalhava diante de seus olhos, e o rei, impotente, sentia-se como uma criança diante de uma tempestade implacável.
A floresta ardia. As chamas lambiam os céus, e a fumaça densa obscurecia as estrelas. No meio da destruição, a silhueta colossal de Thalerius se erguia, a pele rachada pulsando com energia profana.
Então, o deus ergueu a cabeça.
Seus olhos insondáveis pousaram sobre Lucanor.
O rei congelou.
Seu corpo inteiro ficou dormente. Seus pulmões se recusaram a puxar o ar. Seus joelhos cederam, e suas unhas cravaram-se na pedra fria da muralha. Era como se a própria morte o tivesse marcado. Um sussurro sem som, uma promessa inevitável de destruição.
De volta ao campo de batalha...
Armstrong mal conseguia ficar de pé. Seu corpo estava em frangalhos, os músculos gritando em agonia. Cada respiração queimava seus pulmões, e sua armadura, reduzida a pedaços retorcidos de metal, mal protegia seu corpo ensanguentado.
Mas ele não podia parar.
— Jisung... — Ele virou-se para o aliado que acabara de chegar.
O desperto estava tão exausto quanto ele. Seu rosto estava coberto de cortes, e seu braço esquerdo tremia descontroladamente.
— Cheguei a tempo? — Jisung sorriu, tentando esconder o desespero nos olhos.
— Você nunca decepciona. — Armstrong apertou sua mão. — Mas a coisa está pior do que esperávamos.
Jisung olhou para Thalerius. A criatura divina estava imóvel, apenas observando-os, como um predador brincando com sua presa antes do golpe final.
— Então, qual é o plano?
Armstrong desenhou um círculo na terra. Seu dedo traçou uma marca no centro.
— Vi algo... No peito dele. Um brilho. Fraco, mas estava lá. Um ponto fraco.
Jisung assentiu.
— Todos em sincronia, sem erros. Esse vai ser o nosso golpe final.
— CERTO, COMANDANTE! — os despertos gritaram em uníssono.
E então...
A verdadeira carnificina começou.
O corpo de Thalerius se contorceu. Rachaduras se espalharam por sua pele grotesca, e delas emergiram criaturas indescritíveis. Sombras distorcidas, olhos brilhando como brasas. Garras serrilhadas. Corpos amorfos se retorcendo em direções impossíveis.
Elas avançaram.
O inferno havia sido liberado.
— ISSO NÃO ESTAVA NOS PLANOS! — Jisung rugiu, golpeando uma das aberrações com sua lâmina flamejante.
Mas não importava quantas caíssem.
Mais e mais surgiam.
Gritos de dor ecoaram pelo campo. Homens eram dilacerados, engolidos por aquela maré sombria. O cheiro de sangue e carne queimada dominava o ar.
— SEGUREM AS LINHAS! — Armstrong berrou. — EU VOU ACABAR COM ELE!
Jisung apertou os dentes, o rosto coberto de sangue. Ele olhou para seu grupo e gritou:
— PROTEJAM O COMANDANTE!
O tank da equipe agarrou Armstrong e, com um giro poderoso, arremessou-o para o céu.
O tempo pareceu desacelerar.
Armstrong viu Thalerius lá embaixo. O deus ergueu os olhos para ele.
Mas não havia tempo para reagir.
Armstrong reuniu tudo o que tinha. Cada fragmento de energia que restava, cada gota de poder que corria em suas veias. Seu punho brilhou com um azul espectral.
Ele desceu como um meteoro.
— MORRA, SEU MALDITO!
O impacto foi devastador.
A carne endurecida de Thalerius resistiu, mas rachaduras se espalharam por seu peito. O deus rugiu em fúria e, num movimento brutal, agarrou Armstrong no ar.
O comandante não teve tempo de reagir.
Seu corpo foi esmagado contra o solo como um boneco de pano. O impacto abriu uma cratera colossal. Antes que pudesse se mover, um chute devastador o lançou para longe. Ele atravessou o campo de batalha, colidindo contra uma montanha distante. O estrondo ecoou por todo o vale.
Tudo começou a escurecer...
E então, uma presença surgiu.
No topo da montanha, uma figura encapuzada se revelou. Seu manto negro tremulava ao vento, e uma aura gélida se espalhava ao seu redor.
Thalerius virou-se, seus olhos chamejando de fúria.
A figura ergueu a mão.
Estalou os dedos.
O céu explodiu em luz.
Uma lâmina colossal de energia se formou nas alturas, brilhando como um fragmento de um deus vingador. Em um instante, ela foi lançada.
A lâmina cortou o peito de Thalerius, rasgando carne e essência divina. O deus cambaleou, atordoado.
Armstrong, mal conseguindo se mover, assistia tudo, incrédulo. Quem diabos era aquele?
Thalerius rugiu. Seu corpo inteiro irradiava fúria. Mas a figura encapuzada se moveu como um vulto, e antes que o deus pudesse retaliar, dezenas de lanças de luz surgiram ao redor dele.
As lanças perfuraram seu corpo repetidamente.
Ele vacilou.
Armstrong reuniu suas últimas forças. Seus pés cavaram o chão enquanto ele saltava. Sua lâmina brilhou em azul radiante.
O golpe final foi desferido.
Seu punho se chocou contra a face de Thalerius.
Um rugido inumano ecoou pelos céus.
O deus, em seus últimos momentos, murmurou uma maldição:
"Do meu sangue brotará o mal... Da minha carne, a fome fatal..."
E então, ele se desfez.
Cinzas negras se espalharam ao vento. Mas, delas, algo se mexia. Algo nascia.
Horrores indescritíveis rastejavam para fora da escuridão.
A batalha havia sido vencida.
Mas a guerra...
A guerra estava apenas começando.