Novamente, Ji-Ho despertou.
Dessa vez, porém, estava deitado em uma cama de hospital. A luz da manhã atravessava a janela entreaberta, espalhando um brilho suave pelo quarto. Uma brisa fria deslizou pelo ambiente, tornando o ar mais leve.
Ele piscou algumas vezes, tentando assimilar a realidade. Seus dedos se moveram lentamente, cerrando-se em punhos. Estranhamente, sentia-se revigorado. Seu corpo, que deveria estar fraco após tanto tempo desacordado, pulsava com energia.
— Foi só um sonho...? — murmurou para si mesmo, encarando o próprio reflexo na janela.
No canto do quarto, uma silhueta familiar capturou sua atenção. Sua irmã, Hikari, dormia sentada ao lado da cama. As olheiras profundas denunciavam que ela estivera ali por muito tempo, esperando-o despertar.
Ji-Ho se moveu com cautela, tentando não fazer barulho. Mas ao ajustar-se na cama, um rangido traiçoeiro ecoou pelo quarto.
— Hm...? — Hikari se mexeu e abriu os olhos devagar.
Os olhares se encontraram. Num instante, a sonolência desapareceu.
— JI-HO! VOCÊ ACORDOU! — gritou ela, jogando-se sobre ele em um abraço apertado.
Seu corpo tremia. Era um misto de alegria e alívio. Mas logo, sua expressão mudou. Ela o soltou e começou a vasculhar seu corpo desesperadamente, como se procurasse por ferimentos.
— Você tá bem? Sente dor? O que aconteceu? Como você sobreviveu? Lembra de alguma coisa?!
— Hikari... — Ji-Ho segurou os ombros da irmã, tentando acalmá-la. — Estou bem. Só... foi um acidente no trabalho.
Os olhos dela se arregalaram. Aquele olhar dizia tudo. Ji-Ho sabia que ela não acreditaria numa desculpa tão simplória.
Sem dizer nada, Hikari pegou um jornal amassado e o jogou sobre o colo do irmão.
A manchete da primeira página gelou o sangue de Ji-Ho:
"GRUPO DE DESPERTOS CONDENADOS MATA GUARDAS DA PENITENCIÁRIA TÁRTAROS E MASSACRA MINERADORES DE LOOT! TODAS AS VÍTIMAS FORAM ENCONTRADAS SEM VIDA."
Abaixo do título, uma foto grotesca mostrava o local do ataque.
Ji-Ho reconheceu os rostos caídos na imagem.
Seu punho apertou o jornal com força.
— Então... foi real.
O silêncio entre os irmãos foi interrompido pela voz trêmula de Hikari.
— Nossa mãe... Desde o seu acidente, ela não come. Está cada dia mais fraca. Eu queria interná-la, mas... — sua voz falhou. — Eu não consegui, Ji-Ho. Eu não tenho dinheiro para isso...
Hikari não aguentou mais. Sua cabeça tombou sobre as pernas do irmão, e ela chorou.
Ji-Ho permaneceu em silêncio. O rosto inexpressivo, mas os olhos... os olhos carregavam algo novo. Algo que não estava ali antes de tudo aquilo acontecer.
Então, seu momento de reflexão foi interrompido.
A porta do quarto abriu com um estrondo.
— Bom... parece que você finalmente acordou. — Uma voz grave e fria ecoou.
Ji-Ho ergueu o olhar.
Na entrada do quarto, uma presença intimidadora se fez sentir. Cabelos desgrenhados de tom esverdeado, barba por fazer, olheiras profundas. Vestia um terno preto impecável, e na gola havia um broche com o crânio de um cachorro.
Tenkai Arashi.
Um dos mais temidos despertos. Um caçador de elite da subequipe Cerberus, especializada na execução de despertos psicopatas.
Ji-Ho sentiu a garganta secar.
Tenkai entrou no quarto sem cerimônias, jogou-se em uma poltrona e cruzou as pernas. Com um movimento tranquilo, pegou um cigarro e o acendeu.
— Então, me diz... — soprou a fumaça e o encarou com olhos afiados. — Como um jovem minerador sem qualquer habilidade de combate conseguiu sair vivo de um massacre como aquele?
O ambiente ficou pesado.
— Isso é um interrogatório? — Ji-Ho não desviou o olhar.
— Talvez. — Tenkai deu um sorriso de canto. — O que aconteceu naquela mina não faz sentido. Primeiro, uma explosão suspeita. Depois, três despertos condenados massacrando mineradores. Nenhum suspeito foi encontrado. Você foi o único sobrevivente. — Ele estreitou os olhos. — Então, como sobreviveu?
Ji-Ho ponderou suas opções.
Se dissesse a verdade... seria caçado. Se mentisse... seria morto ali mesmo.
Engolindo em seco, escolheu um meio-termo.
— Eu me escondi... — começou. — O Sr. Park me ajudou a fugir. Eu me enterrei sob as raízes de uma árvore dourada. Vi tudo de lá.
Silêncio.
Tenkai se inclinou para frente, aproximando-se de Ji-Ho.
— Se estiver mentindo... — sua voz caiu para um tom quase sussurrado, mas carregado de ameaça. — Eu mesmo vou caçá-lo.
Ele permaneceu encarando Ji-Ho por longos segundos, como se tentasse arrancar a verdade de dentro dele.
Por fim, recostou-se na poltrona e soltou um suspiro.
— Naquela noite, a cidade inteira sofreu um apagão. Mas algo brilhou na floresta. Quando chegamos, encontramos você, inconsciente, coberto por cinzas. E uma árvore dourada desaparecendo no vento. — Tenkai apagou o cigarro no braço da poltrona. — Desde então, estamos atrás dos condenados. Mas até agora, nenhum sinal deles. Você não é nosso único suspeito... Mas é o único sobrevivente. — Ele se levantou e caminhou até a porta. — Se lembrar de algo, me ligue. Deixei meu cartão na cadeira.
E então, ele se foi.
Por alguns segundos, Ji-Ho permaneceu imóvel.
E então...
— UAU! — Ele se jogou para trás na cama. — ENTÃO ESSE É O TENKAI ARASHI! QUE INTIMIDADOR! — Seus olhos brilhavam, e ele começou a gesticular animadamente. Quem passasse pelo corredor poderia jurar que ele havia enlouquecido.
Mas seu devaneio foi interrompido.
BOOOOOM!
O prédio inteiro tremeu.
Um raio colossal caiu no centro da cidade.
Ji-Ho pulou da cama e correu para a janela.
— Senhor! — Uma enfermeira entrou em pânico. — Se afaste da janela!
— O que está acontecendo?!
— Esses raios... começaram a cair há dias! E deles, hordas de monstros emergem! Eles estão se aproximando cada vez mais do hospital!
Ji-Ho arregalou os olhos.
Lá fora, Tenkai saltava entre os prédios, indo direto para a batalha.
E então, uma explosão sacudiu a cidade.
Ryuga.
Ji-Ho recuou, sentindo seu coração disparar.
— Desde o meu acidente... os monstros não param de vir. — murmurou. — Eles não estão atacando aleatoriamente... Eles estão me procurando. Os deuses... descobriram onde eu estou.
Seus olhos se tornaram frios.
— E agora... estão vindo me caçar.
— Eu não deixarei que esses malditos me peguem. Vou matá-los… um por um.
Mas com esse corpo fraco…
Eu sou nada.
Preciso me preparar. Preciso ficar mais forte. E quando chegar a hora…
Eles vão pagar.
Os tremores cessaram. Os gritos de desespero se extinguiram.
Tudo o que restou foi a fumaça negra, subindo entre os prédios do centro. O cheiro de fuligem impregnava o ar, misturado ao ferro do sangue derramado nas ruas. O silêncio era sufocante, como se o próprio mundo prendesse a respiração diante do horror.
Ji-Ho fixou o olhar naquele cenário devastado. Seu coração batia forte. A cena diante dele era um lembrete cruel do passado. E no centro de suas memórias…
Daiki.
O homem que lhe roubou tudo.
Os dentes de Ji-Ho rangeram. Seu maxilar ficou tão tenso que a dor irradiou por sua cabeça.
A raiva crescia dentro dele como um incêndio incontrolável.
"Daiki… Você será o primeiro."
Sem perder tempo, Ji-Ho começou seu treinamento.
Ele ficaria preso naquele hospital por dias, talvez semanas. Sem distrações. Sem televisão. Sem celular. Apenas ele… e sua determinação.
Flexões. Abdominais. Agachamentos.
Os músculos queimavam. Cada repetição arrancava grunhidos de dor, mas ele continuava. O suor escorria por seu rosto, caindo no chão frio do hospital.
No início, seu corpo tremia. Os braços vacilavam. As pernas falhavam.
Mas Ji-Ho não parou.
Cada gota de suor que caía no chão era um lembrete de sua promessa. Seus inimigos… Daiki… Ele não poderia derrotá-los como estava agora.
Então ele continuou.
Dor?
Isso não importava.
Exaustão?
Não existia.
Seus músculos começaram a se adaptar. Cada dia que passava, os movimentos ficavam mais firmes, mais rápidos. Ele aumentava a intensidade, buscando os limites do próprio corpo — e então os quebrava.
Os corredores do hospital ecoavam com o som de sua respiração pesada durante os exercícios. Ele usava bolas de fisioterapia como pesos, equilibrava-se nelas para intensificar suas flexões. Corria pelos arredores do hospital até os enfermeiros tentarem detê-lo.
Mas ninguém conseguia impedir Ji-Ho.
Ele estava decidido a se reconstruir.
Dias se passaram.
O corpo fraco desapareceu.
Agora, seus músculos estavam firmes. Cada fibra endurecida pelo ódio e pela disciplina brutal. Seu corpo cresceu. Sua postura mudou. Seu olhar ficou afiado. Frio.
As enfermeiras cochichavam entre si quando ele passava.
Havia algo nele… Algo diferente. Algo aterrorizante.
Mas Ji-Ho não se importava com olhares. Ele só tinha um objetivo.
Ficar mais forte.
E matar todos eles.
Sua irmã, Hikari, nunca apareceu.
Desde o dia em que acordou, ela desapareceu.
Ji-Ho entendia. Ele não era o único que havia passado pelo inferno durante seu coma. E, por isso, ele a perdoou.
Mas sua sede de vingança…
Só crescia.
Enquanto Ji-Ho se preparava, os monstros continuavam surgindo.
Explosões de luz cortavam os céus. Fendas se abriam no solo. Criaturas emergiam do mar e devastavam cidades inteiras. Os despertos da Coreia foram enviados ao Japão para conter o caos.
Mas o caos não podia ser contido.
A cada novo ataque, mais sangue era derramado.
Mais dor.
Mais destruição.
Ji-Ho via tudo pela televisão do hospital. E a cada cena de horror, seu desejo de vingança se tornava mais afiado.
Ele não podia mais esperar.
Então, o grande dia chegou.
Uma enfermeira entrou no quarto de Ji-Ho.
— Bom dia, senhor Ji-Ho…
A voz dela vacilou.
Ji-Ho estava no meio de uma série de flexões, sem camisa. Seus músculos rígidos e marcados pela disciplina implacável. O olhar da enfermeira se arregalou. Ela ficou imóvel.
— P-perdão, senhor…
Ji-Ho se levantou, vestindo a camisa sem pressa.
— Não há problema. Eu que peço desculpas.
— N-NÃO PRECISA SE DESCULPAR! — A resposta dela foi involuntária, quase um grito, o rosto tomado por um rubor intenso. — Digo… O senhor não precisa se desculpar de nada…
Ji-Ho apenas assentiu, voltando a arrumar suas roupas na gaveta.
Mas a enfermeira continuava ali.
Ele suspirou e ergueu o olhar.
— Posso te ajudar em algo?
— Ah! Sim! Desculpe-me! Vim avisar que o médico lhe dará alta hoje. Como se sente?
Ji-Ho fechou os olhos por um breve momento antes de responder.
— Renovado.
— O doutor passará aqui mais tarde com os documentos. Peço que passe na recepção para assinar seu atestado de alta.
A enfermeira se retirou.
Pela janela, Ji-Ho viu quando ela correu animada para contar algo ao grupo de enfermeiras na recepção.
Mais tarde.
Ji-Ho recebeu alta.
Estava organizando suas coisas quando aconteceu.
Um trovão.
Um clarão monstruoso iluminou o céu.
O ar ficou denso.
O tempo… Parou.
Ji-Ho virou-se para a janela.
E viu.
Bem em frente ao hospital, o céu se rasgou.
O próprio espaço se distorceu.
Uma cratera se formou no asfalto e, no centro dela, algo emergiu.
Uma criatura colossal.
O hospital mergulhou em silêncio absoluto. Nenhuma sirene. Nenhum grito. Nenhum sussurro.
Nada.
A única coisa que restava era o som da respiração pesada do monstro.
Ele não atacou.
Apenas ficou ali.
Parado.
Olhando para Ji-Ho através da janela.
Como se estivesse memorizando seus traços. Decorando cada detalhe de sua existência.
Ji-Ho não desviou o olhar.
Não demonstrou medo.
Um frio percorreu sua espinha.
Seus punhos se cerraram.
Um sorriso cruel surgiu em seus lábios.
"Que comece a caçada."