Capítulo 3 – Ecos do Passado

O vento cortante uivava entre as ruínas, carregando consigo o cheiro de podridão e ferrugem.

Fiquei de pé no meio dos destroços, os olhos percorrendo o cenário desolado. Os corpos espalhados pelo solo já estavam resistidos pelo tempo. Pequenos sinais de música indicavam que estavam ali há muito mais do que alguns dias.

Quantos anos tinham se passado desde minha morte?

Meu coração já não acelerou como antes. Era um músculo inútil agora. Minha respiração era apenas um reflexo do que fui um dia. Eu não preciso mais disso.

Ajoelhei-me e passei a mão sobre uma das armaduras. O brasão imperial de Von Elden ainda estava ali, tingido de sangue seco. Meu olhar se fixou nos cortes profundos que perfuravam o metal. Esses homens não morreram em um simples confronto.

Eles foram massacrados.

Peguei uma das espadas caídas no chão. Era uma lâmina forjada com o aço negro de Elden, resistente e mortal. Mas ela estava quebrada no meio.

Apertando os dentes, ergui-me.

Fiquei muito feliz em descobrir.

E eu começaria pelos vivos.

A Caminho da Verdade

Segui os rastros no chão. O sangue seco indicava que pelo menos alguns corpos tinham sido arrastados . Isso fez uma coisa: alguém sobreviveu ou testemunhou esse massacre.

Minhas pernas se moviam com facilidade, mas a sensação era estranha. Meu corpo já não sentia dor ou fadiga, mas algo dentro de mim pulsava, uma energia desconhecida.

O Abismo estava me marcado.

Não como uma epidemia.

Mas como uma vitória profana.

Continuei minha caminhada entre os escombros. O silêncio do local era absoluto, quebrado apenas pelo farfalhar das folhas secas e o som distante de alguma criatura da noite. Meus sentidos estavam aguçados, cada ruído parecia mais nítido do que antes.

Então, ouvi.

Uma respiração fraca.

A passos silenciosos, seguimos o som até encontrar um pequeno abrigo improvisado sob as ruínas de um antigo posto avançado. Ali, entre pedaços de madeira e pedras, um sobrevivente se encolhia.

Era um homem idoso, usava trapos sujos de sangue. Seus olhos estavam arregalados, a pele pálida pelo choque. Quando me viu, tentei se arrastar para trás, mas a fraqueza o impediu.

— Não... não pode ser... você não pode estar vivo... — Ele balbuciou, os lábios rachados pela sede.

Meus olhos se estreitaram.

— Você me conhece? — Minha voz saiu fria, sem qualquer emoção.

Ele engoliu em seco, tremendo.

— Eu... eu vi... eu estava lá...

Abaixei-me, segurando-o pelo colarinho. Sua pele estava pegajosa, e seu pulso batia fraco.

— Onde?

— O dia em que... você foi morto... — Ele engasgou, jogando sangue.

Meus dedos se apertaram ao redor do tecido sujo.

— Quanto tempo se passou?

Os olhos dele se encheram de terror.

— Cinco anos...

Silêncio.

Cinco anos.

O mundo girou ao meu redor por um instante. Eu sabia que o tempo poderia ter avançado, mas... cinco anos?

— O Império... Cedrico... ainda está no trono?

O velho fez que sim com a cabeça.

— Mas o reino mudou... o mundo mudou...

A raiva queimou em meu peito, um fogo frio e intenso.

Eu tinha sido morto e esquecido. O mundo mudou em frente sem mim. Mas agora, eu estava de volta.

E eu faria todos lembrar.

— Diga-me quem fez isso. Quem matou esses soldados?

Ó velho hesitou. Seus olhos se desviaram para o rapaz

— Os Cavaleiros Carmesins...

Meus olhos se estreitaram.

— Quem são eles?

— Os cães de Cedrico... Eles tomaram o império para si. Caçam qualquer um que se oponha a ele. E... eles descobriram a verdade sobre sua morte.

A verdade?

Meu punho se fechou.

— Explique. Agora.

O velho engoliu seco, o desespero em sua voz crescente.

— Você foi morto como um traidor, mas... nem todos acreditaram nisso. Quando chegaram a cavar mais fundo... eles encontraram algo. Algo que Cedric tentou esconder.

— O quê?

Ele me olhou diretamente nos olhos.

— Você não era apenas um príncipe. Você era... o verdadeiro herdeiro do trono.

A Revelação

As palavras dele caíram sobre mim como um golpe de lâmina.

— Mentira.

O velho balançou a cabeça.

— É verdade. Cedric sabia que você era o primogênito, mas manipulou os registros reais. Você foi criado como o segundo príncipe, mas era o legítimo sucessor. Ele precisou eliminá-lo para garantir que ninguém jamais descobrisse.

Respirei fundo, tentando processar.

Cedric... meu próprio irmão...

Ele não apenas me matou. Ele me apagou. Ele reescreveu a história para que eu nunca tivesse existido.

Meus dentes rangeram, e uma onda de escuridão percorreu meu corpo. As sombras ao meu redor se moveram por conta própria, respondendo ao meu ódio crescente.

O velho recuou, sentindo o ar se tornar pesado.

— O que... o que você é agora...? — Ele sussurrou, aterrorizado.

Ergui os olhos para ele.

— Alguém que não deveria ter voltado.

Levantei-me. Já não havia mais dúvidas.

Eu não era apenas um príncipe caído.

Eu era o rei esquecido.

E agora, era hora de tomar o que era meu por direito.

Um Novo Objetivo

Dei as costas ao velho. Ele já foi condenado – ferido, faminto, sem chance de sobrevivência. Não havia necessidade de desperdiçar mais palavras com ele.

Agora, eu tinha um novo destino.

Primeiro, eu caçaria os Cavaleiros Carmesins. Descobriria tudo o que eles sabiam sobre minha morte e sobre os segredos do Império.

Depois...

Cedrico.

Ele arranjou tudo de mim. Meu nome. Meu legado. Minha própria vida.

Eu arrancaria dele muito mais.

Lentamente, uma risada escapou dos meus lábios. Baixa, rouca, investimentos de algo que eu mal posso entender.

Era uma risada de um homem que já não pertencia ao mundo dos vivos.

Os herdeiros do Abismo tiveram antecedentes.

E o mundo pagaria o preço.