A fogueira queimava com uma luz fraca, lançando sombras distorcidas contra as árvores ao nosso redor. O cheiro de sangue ainda estava presente no ar, misturando-se ao aroma da madeira queimando. Os corpos dos caçadores jaziam frios e imóveis, e a única coisa que restava a fazer era esperar o amanhecer.
Sylvaine estava sentada ao meu lado, seu olhar perdido nas chamas, sem dizer uma única palavra. Ela parecia distante, como se estivesse em outro lugar, em outro tempo.
— Você disse que Roderick destruiu sua família — quebrei o silêncio. — O que aconteceu exatamente?
Ela permaneceu imóvel por alguns segundos, como se estivesse ponderando se deveria me contar ou não. Então, sem desviar os olhos do fogo, sua voz cortou o ar, baixa e fria:
— Você já sentiu o gosto do desespero? Da impotência total?
Fiquei em silêncio. Eu já conhecia esses sentimentos. Mas deixei que ela continuasse.
— Quando eu tinha nove anos, minha família vivia em uma pequena aldeia ao norte de Dargan. Não éramos ricos, nem nobres, apenas comerciantes. Meu pai fazia espadas, minha mãe cuidava da loja. E eu… — Um riso amargo escapou de seus lábios. — Eu só queria viver uma vida tranquila.
Seus olhos brilharam com algo que eu não consegui identificar.
— Mas a paz nunca dura.
Ela finalmente virou-se para me encarar, e naquele momento, vi algo diferente em seu olhar. Não era raiva. Não era ódio. Era dor. Uma dor que o tempo nunca conseguiu apagar.
— Uma noite, Roderick e seus homens apareceram. Eles não precisavam de um motivo. Para eles, aldeias eram apenas brinquedos para serem quebrados. Saquearam nossas casas, queimaram nossas plantações… e quando meu pai tentou protegê-los, Roderick o matou diante dos meus olhos.
A fogueira estalou, como se respondesse à sua fúria silenciosa.
— Minha mãe me escondeu embaixo do assoalho da loja. Ela me disse para não fazer barulho. Para não sair. — Sua voz ficou mais baixa. — Eu podia ouvir os gritos dela. Os risos dos homens. O cheiro da carne queimando.
Não precisei que ela dissesse o que aconteceu. O olhar vazio dela já dizia tudo.
— Eles a mataram. Todos morreram. Mas eu sobrevivi.
Ela cerrou os punhos.
— Não sei quanto tempo fiquei ali. Talvez um dia inteiro, talvez mais. Quando saí, só restavam cinzas e corpos. Minha casa, minha família, minha vida… tudo tinha sido apagado.
Houve um longo silêncio entre nós.
Eu conhecia esse sentimento. A sensação de ter tudo arrancado de você sem piedade, sem explicação. O tipo de dor que não desaparece. Apenas se transforma em algo mais sombrio.
— Desde então, eu jurei que faria Roderick pagar — continuou ela. — Jurei que encontraria cada um dos malditos que destruíram minha vida e os faria sofrer.
Havia um brilho frio em seus olhos. Ela não queria apenas matá-los. Ela queria fazê-los sentir cada pedaço da dor que ela sentiu.
E, por algum motivo, eu entendia isso melhor do que qualquer um.
— Você não quer apenas vingança — murmurei. — Você quer justiça.
Ela riu, mas não havia humor em sua risada.
— Justiça? Justiça é uma mentira contada para os fracos. Se houvesse justiça, minha mãe ainda estaria viva. Meu pai ainda estaria forjando espadas. Justiça não existe, apenas vingança.
Fiquei em silêncio por um momento. Eu não podia discordar.
A justiça nunca trouxe de volta aqueles que perdemos. A justiça nunca lavou o sangue de nossas mãos.
A vingança, no entanto…
A vingança era real.
— Então, você vai matá-lo sozinha? — perguntei.
Ela me observou por um instante, sua expressão enigmática.
— Não. Eu não sou ingênua. Ele está cercado de guardas, protegido por muros. A única coisa que me impediu de morrer até agora foi a paciência. Mas agora… — Ela me olhou de um jeito diferente, avaliando-me. — Talvez eu tenha encontrado alguém que compreenda isso tão bem quanto eu.
Um sorriso de canto surgiu em meus lábios.
— Eu entendo.
Ela assentiu lentamente, como se estivesse aceitando algo.
— Então talvez seja hora de fazermos algo a respeito.
Nosso acordo não era uma promessa de confiança. Nem de amizade. Era um pacto de sangue.
Eu ajudaria Sylvaine a encontrar e destruir Roderick. E ela me ajudaria a encontrar aqueles que destruíram minha própria vida.
Dois fantasmas assombrando um mundo que os traiu.
E pela primeira vez em muito tempo…
Eu não estava sozinho.