Capítulo 9 – Garotinha

Atravessamos os portões da cidade ao amanhecer. O céu ainda estava tingido de tons alaranjados, e as ruas começavam a ganhar vida com mercadores abrindo suas barracas, trabalhadores carregando fardos e crianças correndo entre as vielas.

Era uma cidade comum, sem muralhas imponentes ou palácios luxuosos. As casas eram de pedra e madeira, algumas com telhados desgastados e paredes marcadas pelo tempo. O cheiro de pão recém-assado misturava-se ao da poeira das ruas, e os gritos dos vendedores ecoavam em meio ao burburinho do comércio.

— Fique de olho — murmurou Sylvaine ao meu lado. — Essas cidades podem parecer pacíficas, mas sempre há olhos observando.

Assenti. Cidades como essa eram perigosas de um jeito diferente. Não eram os guerreiros ou os caçadores que representavam o maior perigo, mas sim os ratos que viviam nas sombras — ladrões, golpistas, informantes vendendo segredos pelo menor preço.

Enquanto caminhávamos pelo mercado, meu olhar se fixou em algo inesperado.

Uma garotinha.

Ela não deveria ter mais do que sete anos. Seus cabelos dourados balançavam enquanto corria pela praça, rindo enquanto perseguia um pequeno gato. Seus pés descalços levantavam poeira, e seus olhos brilhavam com uma inocência que parecia pertencer a outro mundo.

Um aperto surgiu no meu peito.

Aquela cena…

Eu já tinha visto algo assim antes.

Memória do Passado.

Eu me lembrava de um campo verdejante, do cheiro da terra molhada após uma chuva de verão. De uma risada doce cortando o silêncio, cheia de vida e felicidade.

— Peguei você! — disse uma voz infantil.

Eu me virei e vi ela.

Uma menina de cabelos castanhos e olhos brilhantes, segurando uma borboleta nas mãos pequenas e delicadas. Sua risada era leve como o vento, e sua presença era um raio de sol em meio à escuridão.

— Você não pode segurá-la para sempre — eu disse.

Ela me olhou com um pequeno bico nos lábios antes de abrir as mãos, deixando a borboleta voar.

— Eu só queria segurá-la um pouco mais — murmurou.

O vento soprou, carregando sua voz para longe.

E então… a cena se dissolveu.

O campo, o céu azul, a menina… tudo desapareceu.

O que restava era apenas o presente.

De volta à realidade…

Pisquei algumas vezes, tentando afastar as lembranças.

A menina loira continuava brincando com o gato, alheia ao mundo ao seu redor. Alheia à crueldade que o destino poderia lhe reservar.

Senti um nó na garganta, mas antes que pudesse mergulhar mais fundo em meus pensamentos, um grito me chamou a atenção.

— Ladrão!

Virei a cabeça e vi um homem idoso sendo empurrado para o chão. Ele vestia roupas simples, e sua carroça de frutas estava tombada, maçãs rolando pela rua. Em pé diante dele, um comerciante gordo e bem vestido apontava um dedo acusador.

— Você me deve dinheiro, velho! Onde está o pagamento?

O idoso se encolheu, tentando se levantar.

— Eu… eu já paguei este mês…

O comerciante cuspiu no chão.

— Está me chamando de mentiroso?

Ao seu lado, dois homens musculosos — claramente seus capangas — erguiam os punhos, prontos para atacar.

Senti algo fervendo dentro de mim.

O mesmo sentimento de sempre.

Eu odiava isso. Odiava ver os fortes esmagando os fracos. Odiava ver a injustiça sendo tratada como algo normal.

Minhas mãos se fecharam em punhos.

— Não se meta nisso — murmurou Sylvaine ao meu lado, notando minha expressão. — Isso não é problema nosso.

Mas era.

Eu não podia simplesmente ignorar.

Soltei um suspiro pesado antes de me aproximar da cena.

— Acho que já deu, não? — minha voz soou calma, mas havia um peso nela.

O comerciante me olhou com irritação.

— E quem diabos é você?

Não respondi. Apenas parei entre ele e o velho caído no chão, um sutil aviso de que aquilo não iria continuar.

Os capangas deram um passo à frente, mas antes que pudessem fazer qualquer coisa, algo na minha expressão os fez hesitar.

— Não vale a pena — um deles murmurou para o comerciante.

O homem gordo rosnou, mas recuou.

— Melhor manter seu nariz fora dos negócios dos outros, forasteiro — disse ele, cuspindo no chão antes de se afastar.

Esperei até que estivessem longe antes de me virar para o velho.

— Está bem?

Ele assentiu, com os olhos cheios de gratidão.

— Obrigado, senhor… eu… obrigado…

Não respondi. Apenas me afastei, sentindo o olhar de Sylvaine queimando em minhas costas.

— Você realmente não consegue se segurar, não é? — ela perguntou quando nos afastamos do mercado.

Dei de ombros.

— Eu simplesmente não gosto de ver pessoas sendo pisoteadas.

Ela ficou em silêncio por um momento antes de murmurar:

— Isso vai te matar um dia.

Sorri de canto.

— Talvez. Mas hoje não