João Ricardo já estava arrependido.
Tati morando na casa dele era o equivalente a um furacão de categoria cinco invadindo seu dia a dia.
Eram apenas duas horas desde que ela chegou, e ele já contava os minutos para jogá-la pela janela.
— "TATI!" – ele gritou, correndo até a cozinha.
Ela estava equilibrando três panelas, um pacote de miojo e uma lata de leite condensado.
— "O que você tá fazendo?!"
— "Tentando cozinhar! Humanos fazem isso, né? Então pensei: 'por que não experimentar?'"
— "Sim, mas humanos fazem isso sem colocar a casa em risco de explodir!"
Tati fez um biquinho.
— "Chato."
João pegou as panelas da mão dela e bufou.
— "Você nunca cozinhou no Reino Celestial?"
Ela cruzou os braços.
— "Claro que não! Eu era uma deusa! Minha única função era distribuir chocolates do amor e fazer casais acontecerem. Nunca precisei fritar um ovo!"
Ele balançou a cabeça.
— "Ótimo. Além de ex-deusa, você também é inútil na cozinha."
Tati ficou indignada.
— "Injusto! Você não pode me chamar de inútil sem me ensinar antes!"
João revirou os olhos.
— "Tá, tá… quer aprender? Eu ensino. Mas pelo amor de Deus, sem inventar moda."
Ela sorriu, animada.
— "Fechado!"
E foi assim que João Ricardo se viu dando aulas de culinária para uma ex-deusa do amor.
Só que…
Tati não era uma aluna fácil.
Ela tentou cortar cebola e jogou tudo no chão.
Tentou fritar um ovo e quase tacou fogo na frigideira.
Tentou temperar o arroz e acabou despejando um quilo de sal.
Depois de meia hora de caos absoluto, João largou os talheres e suspirou.
— "Tá decidido. Você tá proibida de chegar perto do fogão."
Tati fez um bico, cruzando os braços.
— "Poxa, Joãozinho! Você desiste muito fácil!"
Ele a olhou sério.
— "Não é desistência. É autopreservação. Eu gosto da minha casa inteira, sem incêndios."
Ela riu.
— "Tá bom, tá bom. Eu admito: sou uma negação na cozinha."
João balançou a cabeça.
— "Não só na cozinha, mas na vida."
Tati deu um soquinho no braço dele.
— "Idiota."
Ele riu baixo.
Por mais caótica que fosse, ele tinha que admitir…
Era divertido tê-la por perto.
Enquanto isso, no Reino Celestial…
Os deuses continuavam observando tudo.
O espelho mágico mostrava João e Tati na cozinha, discutindo e rindo.
O deus de cabelos brancos franziu a testa.
— "Ela realmente está vivendo como humana."
O mais velho sorriu levemente.
— "Sim… e parece que está se adaptando bem."
Outro deus, de olhos dourados, se aproximou.
— "Mas isso ainda não resolve a questão. Ela quebrou uma das regras mais importantes. Devemos puni-la?"
O deus mais velho ficou pensativo.
— "Ainda não. Quero ver até onde isso vai."
Ele olhou novamente para o espelho e sorriu.
— "Algo me diz que essa história ainda está longe do fim."
A noite caiu.
João Ricardo finalmente teve um momento de paz.
Ele se jogou na cama, exausto depois de passar o dia lidando com Tati.
— "Nunca pensei que cuidar de uma ex-deusa fosse mais difícil do que fugir de garotas apaixonadas…"
Ele olhou para o teto.
Agora que o caos tinha diminuído, ele finalmente teve tempo para pensar na coisa mais estranha de tudo isso.
Ninguém mais se lembrava do Chocolate do Cupido.
Era como se nunca tivesse existido.
Nenhuma das garotas que o perseguiam lembrava de tê-lo amado.
Bia, que chegou a "engravidar" dele, agora passava pelos corredores da escola sem nem olhar na cara dele.
Tudo tinha se apagado.
Menos para ele.
E para Tati.
Ele fechou os olhos e suspirou.
— "Que bagunça…"
Mas então, uma batida na porta interrompeu seus pensamentos.
— "João?"
Era Tati.
— "Que foi?" – ele murmurou.
— "Posso entrar?"
Ele resmungou, mas acabou respondendo:
— "Tá, pode."
A porta se abriu, e Tati entrou, abraçando um travesseiro.
João ergueu uma sobrancelha.
— "Que foi? Vai me dizer que tem medo do escuro agora?"
Ela fez uma careta.
— "Claro que não! Eu sou uma ex-deusa, não uma criança."
Ele deu de ombros.
— "Então o que foi?"
Tati sentou-se no chão, ao lado da cama.
Seu rosto não tinha aquele brilho travesso de sempre.
Ela parecia… preocupada.
— "Eu só… tava pensando."
João estreitou os olhos.
— "Sobre?"
Ela hesitou, abraçando o travesseiro com mais força.
— "E se… eu nunca recuperar meus poderes?"
João se virou para encará-la.
Tati sempre parecia tão cheia de si, tão confiante.
Mas agora…
Parecia realmente assustada.
— "E se eu ficar presa aqui para sempre?" – ela continuou.
— "E se os outros deuses nunca me perdoarem?"
Ela abaixou a cabeça.
— "E se… eu nunca mais puder voltar?"
João ficou em silêncio por um momento.
Então, suspirou.
— "Bom… se isso acontecer, você vai ter que se acostumar."
Tati levantou a cabeça, surpresa.
Ele deu de ombros.
— "Seus poderes podem não voltar, mas isso não significa que sua vida acabou. Você ainda pode… sei lá, viver como uma humana."
Ela fez uma careta.
— "Viver como humana? Sem magia? Sem meus poderes? Sem meu trabalho como deusa?"
— "Exato."
Tati ficou pensativa.
— "Isso… parece assustador."
João riu baixo.
— "Bem-vinda à vida humana. É assim mesmo."
Ela o encarou por alguns segundos.
Então, sorriu um pouquinho.
— "Você é estranho, João."
Ele bufou.
— "Ótimo. Era exatamente isso que eu queria ouvir antes de dormir."
Tati riu e se levantou.
— "Boa noite, Joãozinho."
Ele se virou para o outro lado.
— "Boa noite, furacão ambulante."
Tati sorriu e saiu do quarto.
Mas, enquanto caminhava de volta para o sofá onde ia dormir, seus pensamentos não paravam.
E se João Ricardo estivesse certo?
E se sua vida como humana não fosse tão ruim assim?
Ela suspirou e se jogou no sofá, pensativa.
Enquanto isso, lá no Reino Celestial…
Os deuses continuavam observando.
— "Ela realmente está começando a aceitar a vida humana."
O mais velho sorriu.
— "E isso pode ser mais interessante do que pensávamos."
A noite passou.
Mas algo dizia que o dia seguinte traria ainda mais surpresas.
O sol nasceu em São Paulo, e com ele veio um novo desafio para João Ricardo.
Ele não queria levantar da cama.
Tati, por outro lado…
— "JOÃOZINHOOOO! ACORDAAAAA!"
A porta do quarto dele se escancarou.
Antes que pudesse reagir, algo pesado caiu em cima dele.
— "MAS QUE—!?"
João se viu soterrado por travesseiros, almofadas e… Tati.
— "O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?!"
Ela riu, animada.
— "Acordando você, oras!"
Ele tentou empurrá-la para fora da cama.
— "Eu posso acordar sozinho, obrigado!"
Ela ignorou.
— "Hoje é um grande dia!"
João estreitou os olhos.
— "Por quê?"
— "Porque eu decidi que vou aprender a ser humana de verdade!"
Ele gemeu, já prevendo dor de cabeça.
— "Ai, meu Deus…"
— "Isso significa que eu vou fazer tudo o que um humano normal faz!"
— "Tipo o quê?"
Ela sorriu travessa.
— "Ir para a escola!"
João se engasgou.
— "ESPERA, O QUÊ?!"
Mais tarde…
João não sabia como, mas Tati tinha conseguido um uniforme escolar.
— "De onde você tirou isso?" – ele perguntou, desconfiado.
Ela sorriu misteriosa.
— "Segredos de ex-deusa."
— "Isso parece muito crime."
— "Relaxaaa, Joãozinho! Agora eu sou uma estudante, igual a você!"
João passou a mão no rosto, frustrado.
— "Meu Deus, isso vai dar problema."
Mas não tinha mais volta.
Agora, Tati era oficialmente uma aluna do colégio.
E João Ricardo já sentia a encrenca chegando.
No colégio…
Assim que entraram pelos portões, Tati olhava tudo com fascínio.
— "Uau! Então é aqui que os humanos estudam?"
João bufou.
— "Sim, e é aqui que eu vou morrer de vergonha se você aprontar alguma coisa."
Ela riu.
— "Qual é, João! Eu sou discreta!"
No mesmo instante, ela tropeçou e quase caiu de cara no chão.
João segurou a testa.
— "Discreta… claro."
Mas então…
Algo estranho aconteceu.
Tati passou por um grupo de garotas.
Por um segundo, elas pareceram olhar para ela com curiosidade.
E então…
Voltaram a conversar, como se nada tivesse acontecido.
João franziu a testa.
— "Elas não te reconheceram."
Tati olhou ao redor.
— "É verdade…"
Ele apontou para um dos garotos da turma.
— "Ei, você conhece essa garota?"
O menino olhou para Tati, confuso.
— "Nunca vi na minha vida. Ela é nova?"
João ficou em silêncio.
Não só as garotas afetadas pelo chocolate esqueceram tudo.
O próprio colégio não lembrava que Tati existia.
Era como se ela nunca tivesse pisado ali antes.
Tati encarou João.
— "Isso significa que…"
Ele concordou.
— "Você não só perdeu seus poderes. Você perdeu seu passado."
Ela ficou pensativa.
Mas, em vez de entrar em pânico… sorriu.
— "Bom… então isso significa que eu posso recomeçar, né?"
João a olhou, surpreso.
Ela realmente estava aceitando essa nova vida.
Mas o que isso significaria para os dois?
E mais importante…
Os deuses estavam mesmo dispostos a deixá-la ficar?
No Reino Celestial…
Os deuses ainda observavam.
O mais velho sorriu levemente.
— "Ela não está resistindo. Está se adaptando."
O deus de olhos dourados cerrou os punhos.
— "Isso não pode continuar. Se ela permanecer humana por muito tempo…"
— "Ela pode perder qualquer chance de voltar a ser uma deusa."
Todos ficaram em silêncio.
Até que o mais velho se virou.
— "Ainda não é hora de interferir."
Mas seu olhar se fixou em João Ricardo.
— "Vamos ver do que esse humano é capaz."
O destino de Tati ainda não estava decidido.
E João Ricardo…
Ainda não sabia o que estava por vir.
O Recomeço de Tati
O dia mal tinha começado, e João Ricardo já sentia que sua paciência estava no limite.
Tati, agora oficialmente uma aluna, não parava de agir como… bom, como uma ex-deusa sem noção nenhuma de como o mundo humano funcionava.
— "Então isso aqui é uma sala de aula?" — Ela olhava ao redor, curiosa.
— "Sim, agora senta e fica quieta." — João murmurou, massageando as têmporas.
Tati se jogou na cadeira ao lado dele e cruzou os braços, sorrindo.
— "Isso vai ser divertido!"
João não tinha tanta certeza disso.
Ele olhou discretamente para os colegas ao redor. Ninguém parecia lembrar de Tati.
Era como se ela nunca tivesse existido na escola.
O professor entrou na sala e a confusão começou.
— "Quem é você?" — Ele olhou diretamente para Tati.
Ela sorriu inocentemente.
— "Sou aluna nova!"
O professor franziu a testa e verificou a lista de chamada.
— "Não tem nenhuma aluna nova na turma."
João engoliu em seco.
Droga. Ele devia ter pensado nisso antes.
Mas, antes que o professor pudesse questionar mais…
A porta se abriu de repente.
— "Com licença!"
Todos viraram para ver quem era.
Uma mulher de terninho entrou na sala.
Ela segurava uma prancheta e tinha uma postura séria.
— "Essa é Tatiane Alves, aluna transferida. Os documentos dela acabaram de ser registrados na secretaria."
João arregalou os olhos.
Tati também ficou surpresa.
— "Isso mesmo!" — Ela se recuperou rápido e sorriu. — "Sou a Tatiane! Mas podem me chamar de Tati!"
O professor pareceu confuso, mas aceitou a explicação.
— "Muito bem, Tatiane. Escolha um lugar e sente-se."
Tati se virou para a mulher de terno, mas…
Ela já tinha sumido.
João sussurrou para ela:
— "O que acabou de acontecer?"
Tati deu de ombros.
— "Sei lá, mas quem sou eu para recusar um milagre?"
João não gostou nada disso.
Alguém tinha interferido.
E ele tinha quase certeza de que não era um humano.
No Intervalo…
João e Tati sentaram-se no pátio para almoçar.
Ela estava encantada com a comida.
— "Então vocês humanos comem isso todo dia?"
— "Sim, é chamado de 'bandejão'."
— "Parece mágico!"
João olhou para o arroz meio seco e a carne suspeita.
— "Se isso é magia, eu prefiro viver sem."
Tati deu de ombros e começou a comer feliz.
Mas João ainda estava preocupado.
Ele olhou discretamente ao redor.
Ninguém parecia notar nada de estranho.
Mas ele tinha certeza de que alguém estava puxando os fios desse jogo.
E isso significava que Tati ainda não estava segura.
— "João!"
Ele se assustou.
— "O quê?"
Tati sorriu e estendeu um pedaço de carne para ele.
— "Quer um pouco? Tá muito bom!"
João suspirou e pegou o pedaço.
Talvez…
Talvez ele pudesse deixar as preocupações para depois.
Pelo menos por um dia.
Mas o destino não pretendia dar essa folga a ele.
Porque, naquele exato momento…
Uma nova figura observava de longe.
O que quer que estivesse por vir…
João Ricardo e Tati estavam prestes a descobrir.