O Fim da Tempestade

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A batalha em Cirgo estava complicada. Gorlak estava no grande lago de águas rasas congelado que ficava em volta do castelo. No caso, no centro do reino. Graças a isso ele não tinha ido para nenhuma área habitacional.

Com isso, os soldados estavam tentando ao máximo mantê-lo lá. Porém, ele engolia magia, fazendo magos e habilidades que utilizam mana serem inúteis. Ataques físicos também não eram tão eficientes, além de sua pele ter desenvolvido algo como uma armadura natural, ele possuía regeneração.

Gorlak não possuía nenhum ataque a longa distância, então ele só era um monstro enorme e praticamente indestrutível.

Porém, os magos que estavam cercando os arredores do lago, usavam continuamente sua magia no corpo do monstro, visando desgastar sua armadura, porém parecia ser inútil. As magias mais fortes ele mirava para devorar e assim, ganhar mais poder.

— Droga! — Sentil reclamava 

Ele já havia usado tudo que tinha, suas habilidades [Príncipe Gelado] e [Mestre Arqueiro] não estavam fazendo nada.

A habilidade única [Príncipe Gelado] consistia em habilidades de gelo, tais como manipular a temperatura à vontade e criar armas ou invocações do elemento. Já o [Mestre Arqueiro] concedia a habilidade de nunca errar uma flecha ou qualquer objeto lançado, era garantido o acerto no alvo. Ambas são habilidades de classe A.

Usando ambas, ele criava clones de sua espada no ar e as atirava, o que ativava sua segunda habilidade de acerto garantido.

É uma combinação mortal, não é atoa que Sentil é um soldado de classe A, porém, era inútil em um monstro como Gorlak, mesmo que ele o acertasse e perfurace sua armadura, ele ainda se regenera muito rápido.

— Desse jeito minha mana vai acabar… — reclamou Sentil 

— Jovem mestre. A criatura não consegue sair do lugar, mas não estamos causando dano. Nem mesmo minhas habilidades com a espada estão sendo eficientes, a regeneração dele é muito forte. — disse Roghan

Os aventureiros presentes na cidade também estavam participando da briga, os magos e curandeiros estavam fazendo um ótimo trabalho dando apoio aos soldados e seus companheiros.

Aqueles focados em defesa não estavam sendo tão úteis, afinal, Gorlak não parecia estar fazendo nada além de comer mana e gritar de dor, tendo seu corpo cortado e regenerado milhares de vezes. Mas estavam prontos caso ele fizesse algum ataque surpresa.

O céu estava começando a clarear. O dia estava chegando, mas aquela batalha parecia não ter fim. 

Então, os aventureiros reuniram todos os magos de suporte que estavam presentes, uma habilidade básica desses magos é [Graça da Mana], nada mais que uma habilidade de aprimoramento, criando uma área de 60 metros quadrados que multiplica a mana em 2 vezes de todos dentro, quatro dos magos usaram essa habilidade em pontos específicos do campo de batalha, se incluindo dentro da área, no total, os soldados e magos dentro receberam um aumento de 8 vezes em sua mana.

Dentro, seis magos ativaram suas habilidades [Área de Caos], sendo uma habilidade de aprimoramento, no caso, adiciona um efeito de aumento de potência, dependendo da mana do conjurador. Tudo isso foi para um último mago, chamado Logy, que com o aprimoramento de mana e o efeito da [Área de Caos], usou [Poder Explosivo] em sua companheira Viola Abóbora.

Fazendo assim que o próximo ataque de Abóbora seja potencializado pela sua mana que foi aprimorada em 8 vezes.

Don Hun, usou sua habilidade [Escudo Celeste], este sendo capaz de criar uma barreira onde sua resistência depende unicamente de quanta mana ele quiser usar na inicialização. No caso, ele usaria tudo. Mas essa barreira ele colocou em volta do Gorlak.

— Todos se preparem pro impacto! — Gritou Sentil, fazendo todos entrarem em guarda.

— Destrua tudo. [Aniquilação]!

Uma explosão ocorreu dentro da barreira, cobrindo toda a criatura. A barreira foi feita justamente para impedir que a explosão da habilidade de Viola destruísse o reino. [Aniquilação] sozinha não seria capaz de destruir toda a área de Cirgo, mas potencializada como foi, sem aquela barreira, Cirgo inteira viraria cinzas.

Também determinada a usar toda sua mana em uma energia destrutiva e corrosiva, Viola desmaiou logo após soltar seu ataque.

Don a segurou e suspirou cansado, ele também não estava aguentando ficar em pé.

— Eu usei tudo que tinha… — disse ele antes de desmaiar junto de Viola.

O mesmo aconteceu com Logy. O campo de batalha estava silêncioso, todos boquiabertos com a magnitude que seria aquele ataque em conjunto.

Após Don desmaiar, sua barreira se rachou e despedaçou.

— Conseguimos? — Questionou Roghan

Um grunhido de dor foi ouvido, Gorlak ainda estava vivo, porém, muito machucado, mas seu corpo estava começando a se reconstruir.

— Todos! Ataquem com tudo que têm agora! — gritou Sentil, atirando tudo que tinha contra o monstro.

Os soldados o seguiram, atacando com suas espadas, lanças, flechas, os magos presentes também atacavam projéteis mágicos. Mas a regeneração do monstro estava começando a ficar mais rápida do que antes.

— Mas que droga… Não parem!

Então um raio de luz foi em direção ao Gorlak em uma velocidade impressionante.

Antes que alguém pudesse reagir, a energia se chocou contra Gorlak, e uma barreira se ergueu ao redor de todos. 

Um segundo depois o mundo explodiu em luz.

Era como se os céus tivessem sido rasgados. Um pilar de energia lilás subiu em direção à atmosfera, fazendo Gorlak soltar um grito aterrorizante. Sua carne se desfez. Sua existência foi aniquilada em uma tempestade de fragmentos de energia. 

Quando a luz finalmente desapareceu, tudo estava calmo. 

Todos ficaram paralisados, olhando para o céu. Então, flutuando acima do campo de batalha, como um anjo, uma pequena esfera lilás surgiu. Sua coroa brilhava suavemente, e um grande balão de fala apareceu ao seu lado: 

— [Vocês foram muito bem! Graças a vocês consegui acabar com ele em um único golpe!]

Um emoji sorridente surgiu ao lado do texto. 

Por um instante, ninguém soube o que dizer. Então gritos de comemoração ecoaram pelo campo de batalha.

Soldados caíram de joelhos, alguns se jogaram no lago agora descongelado, rindo e chorando ao mesmo tempo. O céu, antes escuro, começou a clarear. 

Sentil olhou para cima. O ataque desse espírito foi tão forte que limpou o céu…

Merlin logo foi falar com ele.

— [Oi! Me chamo Merlin. Sou um espírito e amiga de Victor. Eu sou amigável.]

Sentil apenas sorriu com aquilo. Ele estava muito cansado, mas não acabou, ele ainda precisava procurar por sua irmã.

— Obrigado, Merlin… Não vou te fazer tantas perguntas agora…

— [Sério? Sou boa em responder perguntas.]

— Victor foi atrás do sequestrador da minha irmã, precisamos ir…

— [Então está tudo bem. Tenho certeza que ele já deve ter cuidado de tudo e está voltando agora. Mas vou procurá-lo.]

— Obrigado…. — disse Sentil antes de se deitar desmaiado também.

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Escuridão. 

Serena afundava nela, perdida no vazio entre o sono e a consciência.

Então, veio a neve. 

Flocos brancos caíam ao seu redor, dançando em um vento cortante. O castelo de Cirgo se erguia ao fundo, mas suas torres estavam cobertas de gelo. Tudo estava quieto. Tudo estava errado.

— Serena… 

A voz surgiu suave, carregada de afeto. 

Ela olhou ao redor, o coração acelerado. A tempestade rugia, e seu corpo tremia como se estivesse sendo arrastado para o passado. 

— Q-quem está aí?

— Serena…

Tudo sempre foi escuro para Serena, no mundo dos sonhos não seria diferente, mas ainda pior, pois sua habilidade de enxergar temperatura não funcionava.

O chão sob seus pés se partiu, e então ela estava no quarto. Aquele sentimento de local familiar lhe deu arrepios.

O vento rodopiava ao seu redor, as paredes cobertas por cristais afiados como lâminas. Ela se encolheu, tentando abafar os soluços, sentindo o peso do gelo crescer a cada batida de seu coração. 

— Serena… 

Dessa vez, a voz estava próxima. 

Ela estava reconhecendo aquela voz, a voz de uma pessoa que ela amava muito.

Solange estava ali, os olhos gentis, a mão estendida para ela.

— Está tudo bem, querida. Estou aqui. 

Serena quis correr até ela, abraçar aquela pessoa mais uma vez, porém, ela se segurou.

Ela tentou falar, mas sua respiração saía em névoas pesadas. O ar congelava ao seu redor. A luz nos olhos de Solange vacilou. 

— Não… Não chega perto… Eu sou um monstro… — Serena sussurrou, mas a voz mal saiu. 

Sua mãe sorriu, ignorando o frio, ignorando o perigo. 

— Você é minha filha. Eu nunca teria medo de você. 

Solange se abaixou, com os braços prontos para envolvê-la. 

Serena quis recuar. 

Mas era tarde demais. 

O frio rugiu. O mundo explodiu em branco. 

Então tudo o que restava eram fragmentos brilhantes caindo suavemente no vento. Ela não estava mais sentindo o calor do corpo de Solange.

O vazio a envolveu, pesado, esmagador. 

— Mãe…? 

Nada. Ela escutava algo se espatifar no chão e quebrar como vidro.

E então, um grito ecoou no gelo. Mas logo, se calou e tudo ficou branco.

O branco ao seu redor parecia infinito, sem começo nem fim. Serena piscou algumas vezes, atordoada. O silêncio era absoluto, sem vento, sem chão sob seus pés. Apenas um vazio sem forma, onde sua própria respiração parecia ecoar. 

Então, algo mudou, algo que nunca esteve ali. Ela podia ver.

A primeira coisa que notou foram suas mãos — pálidas, frias, com unhas grandes e levemente curvadas. Tremendo, ela virou-as de um lado para o outro, testando os dedos como se não fossem seus. Depois, abaixou o olhar. Suas roupas eram as mesmas que sempre usava, mas agora podia ver os detalhes do tecido, as dobras e os fios soltos. Seus pés nus afundavam em um nada branco, como se o chão fosse feito de névoa. 

E seu cabelo… Era longo, pesado, espalhando-se ao redor como um mar prateado. 

— Isso… sou eu? 

A pergunta escapou de seus lábios, baixa e vacilante. Seu coração pesava no peito, uma sensação estranha e familiar. 

Então, uma voz rompeu o silêncio. 

— Serena. 

Serena se virou tão rápido que quase perdeu o equilíbrio. 

Ali, parada a poucos passos de distância, estava uma mulher de cabelos prateados e olhos verdes. Ela usava um vestido branco, simples e elegante, que se fundia com o espaço ao redor. Seu rosto carregava um sorriso suave.

Serena prendeu a respiração. 

— Você é… 

— Sim. — Solange abriu os braços, convidando-a para perto. — Eu sou sua mãe. 

A simples confirmação foi o bastante. 

Serena correu. 

O abraço foi desesperado. Os braços de Solange eram menores do que Serena se lembrava, mas o calor era o mesmo. Serena a segurou como se sua vida dependesse disso, enterrando o rosto em seu ombro. 

— Eu senti tanto sua falta… — A voz dela quebrou no meio da frase, engasgada em soluços. 

Solange a apertou com força, como se tentasse gravar aquele momento para sempre. 

— Eu também, minha querida… — Seus dedos deslizaram pelos cabelos da filha, afagando-os com carinho. — Você cresceu tanto… e continua linda. Embora esse cabelo precise de um bom corte. 

Serena soltou um riso trêmulo entre as lágrimas. 

— Mãe… 

— O quê? Estou errada? 

Serena balançou a cabeça, rindo baixinho, enquanto as lágrimas ainda escorriam por seu rosto. Era um riso fraco, quebrado, mas genuíno. 

Por um instante, tudo era apenas calor e conforto. Um momento roubado do tempo, onde nada mais importava além daquele abraço. 

Mas Serena sabia. Isso não podia durar. 

Solange afastou-se um pouco, segurando o rosto da filha com as duas mãos. Seus polegares acariciaram as bochechas de Serena, limpando as lágrimas teimosas. 

— Você precisa seguir em frente, Serena. Seu poder não vai mais te machucar. 

Serena piscou, confusa. 

— O que isso significa? 

— Você vai entender. Mas antes… — Solange inclinou a cabeça levemente, observando-a com um olhar cheio de ternura. — Me prometa uma coisa. 

Serena hesitou. 

— O quê? 

— Dê uma chance para si mesma. Para o mundo. Viva, minha querida. Conheça novas pessoas, cresça. Você merece isso. 

As palavras bateram contra o peito de Serena como um choque. 

Ela queria acreditar nisso. Queria acreditar que ainda podia seguir em frente. 

Mas… poderia? 

Seus punhos se fecharam ao lado do corpo. 

— Eu… 

— Você pode tentar? 

O olhar de Solange não tinha dúvida, nem hesitação. Serena não podia negar aquilo.

Serena respirou fundo, sentindo o peito doer. 

— … Sim. Eu vou tentar. 

Solange sorriu, satisfeita. 

— Boa menina. 

Ela recuou um passo. 

— Diga a Sentil e seu pai que eu os amo. Que sinto saudades. 

Serena franziu o cenho ao sentir algo puxá-la para trás. Um frio subiu por sua espinha, e seu corpo começou a se inclinar para trás, como se estivesse à beira de um precipício invisível. 

— Mãe…? 

Solange apenas sorriu, seus olhos brilhando com algo indescritível. 

— Agora acorde. 

O mundo ao redor se desfez e Serena se sentiu caindo em um abismo.

Serena sentia o calor de alguém a envolvendo. Seu corpo estava leve, carregado por braços firmes que a seguravam com cuidado. O som ritmado de passos sobre a neve preenchia o silêncio. 

Ela piscou algumas vezes antes de abrir os olhos, mas, como sempre, não viu nada além da escuridão habitual. 

— Oh, você acordou. Que bom. 

A voz era difícil de definir. Serena não sabia dizer se pertencia a um menino ou não, mas aquele tom despreocupado era familiar. Orion gritou o nome dele.

— É… senhor Victor? 

— Isso, só Victor está bom. Você deve ser Serena. É um prazer conhecê-la, majestade. 

Serena franziu a testa. Majestade? Que maneira estranha de chamá-la… 

Então, ela se lembrou. 

Os contos que sua mãe lhe narrava quando era criança, sobre príncipes e cavaleiros que salvam donzelas de dragões e feitiços. Guerreiros destemidos, encantadores, com espadas reluzentes e uma moral inquebrável.

— Você é… meu cavaleiro encantado? 

O corpo que a carregava ficou rígido por um instante. 

— Eh?! 

— Hmm? 

Serena inclinou levemente a cabeça, curiosa com a reação. Victor pareceu se atrapalhar por um segundo, e ela não sabia dizer se ele estava envergonhado ou apenas achava aquilo engraçado. 

— Talvez. Mas não sou um cavaleiro. 

— Um aventureiro encantado, então? 

Ela ouviu um som abafado, como se ele estivesse segurando uma risada. 

— Ei… 

— Bom, acho que não vale mais esconder nada. Seu irmão já sabe, então tanto faz. Eu sou um monstro. Um metamorfo. 

O silêncio que se seguiu foi denso, quase palpável. 

Serena abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, algo inesperado aconteceu. 

» Aviso: A habilidade única do indivíduo Serena Snowfall [Rosa Gélida] evoluiu para a habilidade única [Lótus de Gelo]. Uma habilidade de classe S+ «

Uma luz branca explodiu diante de seus olhos. 

Por um momento, ela sentiu como se estivesse sendo puxada para algum lugar distante.

Então, tudo ficou claro. 

 

Ela estava enxergando. 

O mundo ao redor surgiu aos poucos. O céu estava branco, a neve caía suavemente.

E bem diante dela, segurando-a nos braços, havia um garoto. 

Seus cabelos lisos e pretos estavam levemente bagunçados, algumas mechas caindo sobre os olhos dourados que brilhavam como ouro. Seu rosto era bonito, marcado por traços fortes e ao mesmo tempo serenos. Ele vestia uma camiseta preta suja e rasgada, provavelmente consequência da batalha. 

Mas nada disso importava para Serena. 

Porque, pela primeira vez, ela podia ver de verdade o mundo à sua volta.

Seus olhos brilharam, e uma única lágrima escorreu por seu rosto antes que ela se jogasse contra Victor, envolvendo-o em um abraço apertado. 

— Meu monstro encantado!

Victor congelou no lugar. 

— E-ei! Vai com calma, você está bem?! 

— Sim! Nunca estive melhor! — Serena afastou-se um pouco, ainda sorrindo. — E você é mais alto do que fez parecer. 

Victor piscou, surpreso. Ele não tinha notado, mas seu corpo havia mudado após a luta. Agora, sua altura era de cerca de 1,76m, resultado da evolução forçada que seu corpo sofreu durante a batalha. 

O esforço que fez para permanecer em pé era imenso. Quase toda sua mana tinha sido consumida no último ataque. Mas, olhando para Serena sorrindo daquele jeito, ele decidiu que não mostraria fraqueza. 

— Fico feliz que esteja bem. Mas… tem certeza de que "monstro encantado" é um bom título para mim? 

— Você não gostou? 

Victor suspirou, pensativo.

— Não é que eu não tenha gostado… só acho que sou um pouco velho para esse tipo de coisa. 

— Você é? 

— Sim. Pode não parecer, mas tenho 25 anos. 

Serena arregalou os olhos. 

— Mas você parece tão jovem! Eu tenho 18. 

— Aí, aí… esse papo tá começando a ficar meio estranho… 

Serena soltou uma risada leve, sincera, sentindo o peso que carregava em seu coração começar a se dissipar. 

Depois de tanto tempo, ela estava livre. Sua mãe estava certa, talvez agora ela pudesse mesmo, sorrir de novo.

Passo a passo, Victor seguiu seu caminho de volta ao reino, carregando Serena com ele. E, eventualmente, Merlin os encontrou, oferecendo sua ajuda. 

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