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A primeira coisa que senti foi o calor confortável de lençóis macios ao redor do meu corpo. Minha mente ainda estava turva, como se estivesse presa em uma névoa espessa. Tentei abrir os olhos, mas a luz suave da manhã invadiu minha visão, forçando-me a piscar várias vezes até me acostumar.
Aos poucos, meus sentidos voltaram. Eu estava deitado em uma cama. Uma cama em um quarto que parecia pertencente a um castelo. O cheiro de ervas medicinais flutuava no ar, e o ambiente ao redor tinha um ar calmo e reconfortante. Minhas roupas... ou o que restava delas, estavam rasgadas, sujas e desgastadas, jogadas em uma mesa ao meu lado, um lembrete da batalha que havia acontecido. Ao olhar para o teto, uma visão familiar me fez sentir um conforto, a esfera lilás estava lá.
— Merlin? — minha voz saiu rouca, quase como um sussurro, enquanto minha cabeça girava. Eu mal conseguia me lembrar da última vez que havia acordado. — Quanto tempo... eu dormi?
Merlin flutuou mais perto, sua coroa de energia pulsando alegremente.
— [Uma semana inteira!] — As palavras apareceram no balão, cheias de animação. — [Você esgotou quase toda sua reserva de mana, o curandeiro disse que era melhor deixá-lo descansar completamente. Eu fiquei aqui com você a maior parte do tempo... Queria estar aqui quando você acordasse.]
Uma semana? Meu corpo parecia mais leve. Respirei fundo, tentando entender tudo que havia acontecido até aquele ponto. A última coisa que eu lembrava claramente era de encontrar Merlin quando levava Serena.
— O que... aconteceu enquanto eu dormia? — perguntei, sentando-me devagar. Ainda estava fraco, mas não tanto quanto antes. Merlin, sempre com seu ar alegre e cuidadoso, flutuou perto de mim.
— [Oh, muita coisa!] — ela começou a explicar, com entusiasmo. — [Na verdade, você perdeu muita coisa quando estava acordado. Aquele cara que você derrotou no castelo virou um monstro gigante! Aí eu ajudei a derrotá-lo no finalzinho!]
Meus olhos se arregalaram. O que?! Então eles tinham um plano pra isso também… Será que foi algo igual aquela coisa que Orion usou para se transformar?
— Então todos estão bem agora? — perguntei, ainda processando a informação.
[Sim!] — as palavras de Merlin apareceram no ar rapidamente.
Eu balancei a cabeça, mas como tudo já tinha se resolvido, eu não precisaria me preocupar agora. Com certeza os outros membros fugiram e não deixaram rastros, mas isso não é algo que eu consiga resolver.
— E as pessoas? — perguntei. — O que aconteceu com o ataque daquele monstro?
Merlin flutuou mais perto, suas palavras surgindo com uma calma mais suave agora.
— [Ele não saiu dos arredores do castelo, então não destruiu nada nem matou ninguém. No geral, a operação foi um sucesso.]
— Então... está tudo se resolvendo. — murmurei, mais para mim do que para Merlin. — Mas... e o Orion?
Merlin inclinou-se um pouco, como se estivesse confusa. — [Orion? Ele foi dado como desaparecido, ninguém sabe onde ele está.]
Eu hesitei. A luta, o confronto com Orion... Merlin não sabia disso. Então ele se escondeu muito bem.
— ...Orion estava lá na montanha, ele foi o responsável por sequestrar a princesa.
Merlin flutuou mais perto, um emoji de pura surpresa apareceu.
— [Eh?! Era ele! Então... Como assim...?] — As palavras de Merlin surgiram no ar, piscando de surpresa.
Eu sorri levemente com a reação dela. Nem eu tinha entendido tudo direito. Tenho certeza que ele estava acompanhado de alguém, mas ninguém apareceu lá. E aquela garota verdinha, ela sabia que aquele labirinto estava na montanha e isso foi antes mesmo de sequestrarem Serena. Francamente... odeio mistérios.
Ainda assim, minha mente não estava clara o suficiente para processar tudo isso naquele momento.
Precisei me levantar da cama, sentindo meu corpo revigorado, em perfeito estado. O casaco de frio básico marrom e a calça reforçada que eu vestia eram confortáveis, mas a sensação de estar livre da exaustão era o que realmente me deu alívio.
Pelo visto, meu corpo entra em um estado vegetativo quando minha mana se esgota. A recuperação acontece aos poucos, mas enquanto isso, fico inconsciente. Interessante... Vou precisar ter mais cuidado de agora em diante.
— Bom, vamos contar para o Sentil quando o encontrarmos. Agora, vou dar uma volta. Afinal, estamos em um castelo. — comentei, sentindo a necessidade de explorar.
— [Oh! É verdade! Percorremos um longo caminho até aqui!] — Merlin respondeu, animada, girando no ar.
Começamos a caminhar pelos corredores luxuosos do castelo de pedra. Olhando pelas amplas janelas, percebi algo diferente. O reino de Cirgo, que antes era dominado pelo frio cruel, agora estava mais... claro. O brilho suave do sol derretia o gelo que costumava cobrir tudo, e o ambiente parecia muito menos hostil.
Isso era bom, um sinal de que o poder de Serena não estava mais em descontrole, que curioso.
Logo, viramos em um corredor e avistamos Sentil, parado em frente a uma grande porta entreaberta.
Ele estava olhando para dentro do quarto, seu semblante preocupado, o corpo rígido como se estivesse preso entre duas emoções.
— Sentil? — chamei baixinho, mas o suficiente para ele me ouvir.
Ele se virou, notando minha presença. Seus olhos se suavizaram um pouco ao me ver, mas o peso da preocupação não desapareceu.
— Victor... — ele respondeu, sua voz carregada de exaustão, como se ele também tivesse carregado um fardo pesado por muito tempo. — Meu pai... está se recuperando…
Aquelas palavras pairam no ar entre nós. Eu me aproximei lentamente, olhando para dentro do quarto. Lá estava o rei, deitado em uma cama luxuosa, ele estava acordado enquanto uma faxineira cuidava de seu aposento.
— Ele parece estar se recuperando bem.
Sentil hesitou por um momento antes de soltar um suspiro longo.
— Victor… — ele começou, sua voz mais baixa. — Eu nunca tive a chance de dizer isso direito, mas… obrigado. Você salvou minha irmã. Sem você, eu não sei o que teria acontecido com ela.
Eu pisquei, surpreso com suas palavras. Sentil não era do tipo que demonstra facilmente o que sentia.
— Ah, não foi nada. — dei de ombros. — Ela se virou muito bem também.
— Mesmo assim, eu te devo essa. — Sentil afirmou, seu olhar determinado. — Se algum dia precisar de algo, qualquer coisa, eu estarei em dívida com você.
Fiquei sem jeito por um instante. Não era sempre que alguém falava algo assim de forma tão sincera.
— Bom, vou guardar essa promessa então. — respondi, dando um meio sorriso.
Sentil soltou um riso baixo, relaxando um pouco.
— Bom, na verdade, eu não tenho me conectado ao meu pai faz um bom tempo. — Sentil continuou, apertando as mãos. — Eu… Eu nunca imaginei que um dia o veria assim, perto da morte. Às vezes me esqueço que ele já não é mais o pai que eu conhecia, forte e implacável. Ele já tem uma certa idade.
Eu entendi o que ele estava dizendo, então Sentil nunca pensou em ver o pai em um estado tão vulnerável assim. Ele deveria ser um pai com uma presença bem forte antes.
Será que meu pai se tornou alguém assim também? Não pude deixar de pensar, eu nunca pensei em procurá-lo no outro mundo, mas não consigo esconder a curiosidade.
— Bom! A vida é curta demais pra você ficar nessa. — Eu dei um tapa nas costas de Sentil, o fazendo cambalear pra dentro do quarto.
— E-Ei!
O rei virou a cabeça e viu Sentil em uma posição estranha, tentando manter o equilíbrio.
— Sentil?
— Vossa majestade, é uma enorme honra conhecê-lo. — eu disse, me curvando em respeito e logo dei um toque no ombro de Sentil. — Sou amigo do seu filho e ele tem muitas coisas que gostaria de conversar com o senhor.
— Ei! Victor! — protestou Sentil.
— Boa sorte, garotão. Essa é sua chance. — eu disse saindo do quarto.
Ao fechar a porta, eu ergui meus braços para espreguiçar.
— [A cara que ele fez foi engraçada.]
— Sim. Espero que ele me conte o que resultou dessa conversa. Mas agora, vamos ver Serena.
Conforme eu andava, alguns súditos cumprimentavam Merlin. Parece que ela ficou bem famosa e aceita por aqui. Bem, ela que deu o golpe final no tal monstro, fico feliz por ela.
Ao chegarmos à enfermaria onde Serena estava, abri a porta devagar. Ela estava deitada em uma cama, seu rosto estava ganhando mais cor, e ela segurava um livro, concentrada na leitura enquanto conversava com a enfermeira.
Seu cabelo, que antes era enorme e chegava a formar montes no chão, agora estava cortado na altura dos ombros, dando-lhe uma aparência mais leve e refinada. Sua pele parecia mais bem-cuidada, e sua expressão carregava uma energia renovada.
Quando nos viu, Serena sorriu de imediato e exclamou:
— Ah! Merlin! E meu monstro encantado!
A enfermeira, surpresa, logo tampou a boca como se fosse por impulso.
— A-ah… — Eu só consegui fazer uns sons envergonhados
— Com licença, vou deixá-los. — disse a enfermeira, saindo rapidamente.
Ela com certeza teve a ideia errada!
Eu fiquei derrotado enquanto Merlin se aproximava.
— [Serena! Você está bem hoje?]
— Estou, e como estão os outros? Você disse que me contaria tudo.
— [Eu vou.]
Espere um momento…
— Majestade… Desculpe pela pergunta, mas você não era cega?
— Você pode me chamar só de Serena. Sim, eu era. Mas quando você me salvou, minha habilidade evoluiu. Agora eu ganhei a habilidade [Percepção de Mana]. Usando a mana do ambiente, consigo enxergar tudo perfeitamente. Ela é uma habilidade passiva, então não gasta mana.
— Então é assim que funciona…
Serena sorriu e, sem aviso, segurou minha mão, o que me fez dar um pulo de surpresa.
— Eu deveria agradecer você de uma maneira melhor. — Ela colocou as costas da minha mão em sua testa. — Muito obrigada por me salvar, meu herói.
Ah não… isso não é nada bom! Eu tô ficando tímido, poxa!
— [Victor, você está ficando bem vermelho agora.]
— Não tô não! Você não precisa me agradecer dessa maneira, Serena! Eu já estou muito feliz pela sua melhora!
Ela riu suavemente e então olhou para mim com aqueles olhos azuis:
— Você é fofo. Fico feliz que esteja bem também.
Ter uma mulher bonita me chamando de "fofo" não ajuda…. Essa princesa é perigosa! Muito mais do que eu imaginava!
— Bom… obrigado…
Foi então que percebi o quanto Serena havia mudado. Seu cabelo curto combinava com seu novo ar de confiança, e sua postura parecia mais determinada. Era como se ela tivesse renascido.
Merlin e ela haviam passado bastante tempo juntas, e era visível que haviam se tornado grandes amigas. Além disso, notei algo interessante: Serena estava estudando melhor agora. Os livros ao lado de sua cama indicavam que ela estava se dedicando ao aprendizado de alguma coisa, provavelmente algo relacionado a política e administração.
Foi então que uma médica entrou na sala, trazendo consigo uma sensação de profissionalismo que rapidamente nos fez perceber que era hora de sair.
— Bom, acho que já está na hora de irmos. — Falei, olhando para Serena.
— É... parece que sim. — Ela respondeu com um sorriso suave. — Obrigada pela visita, Victor e Merlin.
— [Foi um prazer te ver, Serena!] — Merlin flutuou em círculos, sua energia vibrante demonstrando sua alegria.
Com um aceno, nos despedimos de Serena e saímos da sala, caminhando de volta pelos corredores de pedra do castelo.
Enquanto seguíamos em frente, algo começou a se formar dentro de mim. Aos poucos, percebi que estava criando laços com pessoas que eu nem imaginava conhecer há tão pouco tempo.
Merlin, Thom, Eliza, Lilia, Serena e até Sentil, com suas preocupações e responsabilidades... Todos eles.... É legal conhecer outras pessoas.
Ah é! Preciso ir ver eles na cidade!
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Após uma caminhada, voltei para a cidade, ansioso para ver como Thom e Eliza estavam depois da comoção. Por sorte, tudo parecia bem com eles, mas o susto havia sido forte.
— Ahmm... Olá? — eu disse, um pouco tímido, sentindo a tensão no ar.
Thom acenou para mim enquanto carregava algumas caixas para seu vizinho. O esforço visível em seu rosto se desfez em um sorriso de alívio ao me ver.
— Victor, que bom que está bem. — disse ele, sua voz carregando um tom de preocupação que não passou despercebido.
Eliza estava perto e me abraçou rapidamente, seu toque era firme e caloroso.
— Ainda bem... — murmurou ela, como se tentasse dissipar o medo que a situação anterior havia gerado.
Lilia correu até mim e segurou minha mão com firmeza, os olhos cheios de preocupação.
— Eu tô bem, eu estava fora da cidade quando tudo aconteceu. — disse, tentando transmitir calma.
Na verdade, eu estava lutando contra um filhote de bicho papão nas montanhas , mas vou poupá-las desse detalhe.
Merlin apareceu logo depois, flutuando com seu brilho característico. Ela já estava por aqui há uma semana e, ao que parecia, todos a estavam aceitando bem. Afinal, foi graças a ela que o monstro foi derrotado.
— [Fico feliz que todos estão conseguindo se restabelecer.]
— ... A fada nuclear! — exclamou Lilia, seus olhos brilhando ao ver Merlin.
— [Wa haha! Sou eu!] — Merlin flutuou para perto de Lilia, que a segurou delicadamente como se estivesse segurando um passarinho precioso.
— Você é tão linda! E tão poderosa! Eu sabia que fadas existiam! — Lilia girava Merlin com cuidado, encantada.
— [Uma fada? Eu gosto de ser uma fada!]
Eu apenas suspirei, confuso. "Fada nuclear"? Mas que diabos... Que título é esse? O que Merlin fez enquanto eu estava fora?!
Todos de Cirgo já sabiam que eu era um metamorfo, e estavam fazendo o seu melhor para me aceitar. Thom, segundo Merlin, teve dificuldades no início, mas ele também foi generoso e tentou não demonstrar muito desconforto.
Eu não os culparia por se afastarem de mim, os monstros não se dão bem com outras raças e além disso, eles causaram muitos problemas.
A guilda, outrora imponente e comandada por Orion, agora estava sem liderança. Nenhum sucessor claro apareceu, e embora um dos soldados tenha assumido o posto temporariamente, já corriam rumores de que a guilda fecharia suas portas por algum tempo. Mesmo assim, ela continuou servindo ao povo enquanto ainda podia, oferecendo ajuda e apoio àqueles que precisavam. Mas todos sabiam que algo mudaria em breve.
O conhecimento de que Orion sequestrou a princesa veio à tona após uma conversa que tive com Sentil. Depois do anúncio oficial para a cidade, todos já sabiam a verdade. A confiança na guilda caiu bastante, reforçando os rumores de que logo fechariam as portas, pelo menos por um tempo.
Os dias após a batalha passaram rapidamente. Eu fiz o que pude para ajudar as pessoas da cidade, e o gelo, que antes sufocava as ruas, começou a derreter. Juntos, limpamos cada canto, cada beco.
Foi um processo lento, mas gratificante. A cidade, antes fria agora florescia novamente, e o ar de primavera trazia um sopro de vida renovada.
Um mês se passou desde então, e foi o mês mais corrido da minha vida — que, até agora, é de apenas um mês, afinal.
Os cúmplices de Orion nunca foram encontrados, e qualquer pista que pudesse estar no laboratório nas montanhas foi destruída por Serena. Um caso perdido.
Serena estava aproveitando ao máximo sua nova visão. Ela caminhava pela cidade sempre que podia e ajudava todos ao seu redor. Agora que possuía a habilidade [Lótus de Gelo], conseguia controlar livremente seus poderes. Na verdade, ela foi a principal responsável por acabar rapidamente com a neve, restaurando a cidade. Ainda aprendia a usar seu novo poder, mas sua presença lembrava a de um espírito da neve, ela deve ter ficado muito poderosa.
Finalmente, o dia da celebração chegou. O reino decidiu comemorar o fim do "inverno" em uma grande festa organizada para celebrar não apenas a sobrevivência do povo, mas também a vitória sobre uma ameaça que, por sorte, não custou vidas inocentes.
No meio disso, uma voz familiar me chamou. Era Abóbora, a garota de cabelos laranjas e armadura estilosa, sempre atraindo atenção por onde passava.
— Victor! Estava te procurando!
— Abóbora? Fico feliz em ver que está bem.
— Sim! Ah, olá Merlin.
— [Boa noite.] — um emoji sorridente apareceu no balão de fala de Merlin.
— Então… — Abóbora cruzou os braços, sorrindo. — Meu grupo parte para Valoria em alguns dias. Já que as coisas aqui estão resolvidas e a guilda daqui está... Bem, você sabe.
— Valoria… Aquele reino gigante ao norte?
— Exatamente! — Seus olhos brilharam. — Você deve estar ansioso para explorar novos lugares, não?
Ela tinha razão. Além disso, acompanhar viajantes experientes seria uma oportunidade valiosa.
— Aceito. Me avisem quando partirem.
— Combinado! — Ela esticou o punho, e eu o toquei levemente com o meu antes que ela desaparecesse entre a multidão.
O centro do reino estava decorado com cores vibrantes, cheio de vida e música. O rei, debilitado, assistia do topo do castelo com Sentil ao seu lado, sempre vigilante.
Era curioso ver como o príncipe, antes tão distante, agora cuidava do pai com tanto zelo. A conversa que eles tiveram foi libertadora para ambos. Zered agora seguia o exemplo de sua filha e prometeu abertamente que faria o máximo para deixar Cirgo em sua melhor versão de agora em diante. Ele até chorava às vezes ao olhar para Serena. Ele era, por dentro, um homem bem sensível.
Mas ver aquela cena me fez refletir…
Se eu tivesse um filho ou uma filha, será que eles se preocupariam comigo assim? Acho que não...
— [O rei parece feliz, não acha?]
A voz de Merlin, ou melhor, suas palavras que apareciam no ar em pequenos balões, interromperam meus pensamentos.
— ... Sim. Ele não deve ter visto uma cena assim há muito tempo.
O olhar do rei estava distante, mas cheio de contentamento. Ele via seu filho, agora um homem confiável, e sua filha, livre da maldição, sorrindo mais feliz do que nunca. Todo o reino parecia unido em um momento de alegria compartilhada.
— [Serena me contou sobre a mãe dela. Você acha que o rei está pensando nela agora?]
A pergunta de Merlin era típica dela, direta e profunda ao mesmo tempo. Eu hesitei antes de responder.
— ... Perguntas difíceis, Merlin. Mas se ele a amou tanto assim... deve estar, sim. Digo, Serena está usando um dos vestidos dela, não é?
E que visão. Serena deslumbrava em seu vestido azul-midnight, os detalhes em negro destacando sua silhueta, a ave bordada no decote parecida pronta para alçar voo. Seus cabelos brancos brilhavam como neve sob a luz, e, sem querer, meus lábios curvaram-se em um sorriso.
— Que coisa…
— [Inclusive, você sabe que ela flertou com você todas as vezes que se encontraram, né?]
— Claro que sei! — grunhi, exasperado.
— [Ah! Então você só finge desinteresse para escapar! Por quê?]
— Eu… não estou para isso agora. Além do mais… — Olhei para Serena, tão graciosa. — Ela merece alguém muito melhor.
Virei-me, pronto para encerrar o assunto.
— ["Melhor"? O que isso significa?]
— Esquece. — Suspirei, afastando-me antes que Merlin insistisse.
A festa durou dois dias inteiros, e, contra todas as expectativas, eu me diverti muito. Acho que foi ali, em meio às risadas e à felicidade dos outros, que finalmente entendi o que Merlin quis dizer um tempo atrás.
Ela falou sobre como simplesmente existir já era uma chance para a felicidade. Naquele momento, percebi que eu não precisava ser algo maior, ou fazer algo grandioso, para ser feliz. Apenas estar ali, compartilhando essa alegria com os outros, já era suficiente. A felicidade, afinal, estava em momentos simples como esse, na risada de Serena, no cuidado de Sentil, até mesmo nas brincadeiras com Merlin.
— [Ei! Vamos para a área de jogos! Tem diversão para as crianças!]
Merlin materializou outro balão, seu "tom" animado.
— Nós dois? Adultos no meio da criançada? — Ri, sacudindo a cabeça.
— [Você tem um mês de idade, lembra?]
— Justo... Mas eu sou competitivo.
— [Prepare-se para a derrota!]
— Posso entrar nessa? — Uma mão tocou a minha, suave como pena.
Serena. Não me incomodava sua presença, mas ainda não sabia como reagir àquela… proximidade.
— Claro. Mas não vai fazer falta no centro das atenções?
— Tudo bem! — Ela riu, girando para mostrar a festa. — Em Cirgo, a realeza vive entre o povo. Minha mãe sempre me levava pela cidade. Olhe…
Ninguém sequer notara sua ausência. Todos estavam imersos em sua própria alegria.
— [Serena! Sabe jogar?]
— N-não… — Ela corou. — Mas espero que peguem leve comigo…
— Eu também sou péssimo. A Merlin é que vai nos humilhar.
— Verdade! — Serena apontou para o espírito. — Ela tem mil truques sob… bem, não tem mangas, mas você entendeu.
— [Ei! Que falta de fé! Eu jogo limpo!]
E assim, o primeiro grande capítulo de minha jornada chegava ao fim. Em meio àquela celebração, senti-me completo. Sabia que desafios maiores me aguardavam, mas, naquele instante, nada importava além do presente e aquela felicidade simples, mas tão rara.
Existir… realmente é incrível.
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