De manhã, Hiro ainda estava em alerta, com Marlon deitado ao seu lado, acreditando que ele era apenas um ser humano. Eles ficaram na porta, olhando para o horizonte, onde o céu azul escuro contrastava com as gramas amareladas, que lembravam trigo. A visão de Thiago deitado na cama permitia ver os dois na porta, com uma sensação de segurança, mas também de solidão.
Thiago se espreguiçou, espantando a sonolência da noite, e murmurou:
"Bom, agora acho que podemos ir."
Ele se levantou, e os três seguiram em direção ao lago que Thiago havia mencionado. O caminho era silencioso, mas a caminhada trazia uma sensação de propósito. Ao chegarem, Thiago pegou duas varas improvisadas que havia feito e dois chapéus, colocando um em sua cabeça e o outro em Hiro.
"Hoje ele usa, Marlon," Thiago disse, sorrindo para o cachorro. Hiro olhou curioso, ainda se acostumando com os pequenos gestos humanos que começavam a acontecer ao seu redor.
Eles se sentaram à beira do lago e começaram a pescar. A tranquilidade da natureza contrastava com o peso de seus passados.
"Tá um frio," disse Thiago, quebrando o silêncio. "Queria ter pelos como o Marlon, mas acho que ia ficar esquisito."
Hiro, sempre atento, respondeu:
"Você quer que eu procure algo para você se aquecer? Talvez uma fogueira?"
"Ah, relaxa. É um friozinho bom," Thiago respondeu com um suspiro nostálgico. "Eu lembro que, na época, minha mãe, meu pai, e meu irmão, a gente deitava num colchão na sala, no frio, assistindo filme. Bom... eu sinto falta daquela época."
Hiro, curioso e atento, perguntou:
"E onde estão eles agora, Thiago?"
Thiago ficou em silêncio por um momento. O peso das lembranças apertava seu peito, mas ele não podia evitar contar.
"Eles... Bom, quando a guerra chegou... os robôs, os policiais, os militares... A cidade estava sendo evacuada, mas só quem podia pagar, financeiramente falando, conseguia sair. A gente tentou sair, mas fomos impedidos. A cidade começou a ser destruída, e chegou até minha casa. A gente se escondeu no meu quarto, mas uma bomba... não lembro bem o que aconteceu, mas atingiu minha casa. Os policiais e militares não conseguiram lutar contra aquelas coisas... Nossa casa desabou. Por milagre, ou talvez punição, eu consegui sair vivo, mas minha família... morreu. Eles foram esmagados pelos destroços. A minha única reação foi correr o mais rápido que eu pude... Depois disso, eu..."
Uma lágrima escorreu do rosto de Thiago. Hiro observou em silêncio, não entendendo o porquê daquilo, mas sentindo que algo estava além de sua compreensão. Ele tentou entender o choro, o que ele significava, o que o causava.
Thiago limpou rapidamente a lágrima e, como se para se distrair, jogou a vara mais uma vez. Desta vez, ele conseguiu fisgar algo. Mesmo com a tristeza ainda no peito, um sorriso tímido se formou ao pegar o peixe — um pequeno lambari.
Hiro olhou para ele, seus cálculos processando, tentando entender o sentimento que havia em seu olhar. Felicidade, tristeza... Como aqueles sentimentos se conectavam, e por que ele, Hiro, estava começando a querer entender isso?
Eles pararam de pescar, e seguiram em direção ao próximo passo da jornada. Mas, de longe, um drone os observava, prestando atenção nos três.