Ato 26 - O Passado Sempre Volta

Era sábado à tarde.

Oliver tinha acabado de deixar Ayla na casa de uma amiga para fazer um trabalho da escola. O dia estava tranquilo, sem muitas preocupações, e o silêncio da cidade naquele horário era quase relaxante.

Ao retornar para casa, viu o carro de Gerarld estacionado na garagem do prédio. Não era algo incomum, mas ainda assim, Oliver ficou curioso.

Subiu até o apartamento e, ao abrir a porta, encontrou Gerarld e Cynthia já à vontade. Cynthia, no entanto, já estava de saída, junto com Evelyn.

— Vamos ver um filme no cinema — disse Cynthia, ajeitando a bolsa no ombro.

— Romance — completou Evelyn, olhando diretamente para Oliver.

Ele apenas assentiu, sem demonstrar reação.

Assim que as duas saíram, o apartamento ficou mergulhado em um silêncio momentâneo. Nenhum dos dois parecia saber como iniciar uma conversa, até que Oliver quebrou o silêncio.

— Quer comer alguma coisa?

Gerarld olhou para ele, ponderando.

— O que tem pra comer?

Oliver cruzou os braços e respondeu com a naturalidade de sempre:

— Qualquer coisa.

Gerarld então viu ali uma oportunidade única. Ele sabia que Oliver tinha habilidades absurdas em praticamente tudo que fazia, mas havia algo que nunca tinha testado direito: seu talento culinário.

— Vamos ao mercado — disse ele, pegando as chaves do carro.

— Pra quê?

— Pra comprar os ingredientes. Vamos fazer uma lasanha.

— Você quer fazer uma lasanha?

— Não uma lasanha qualquer. A lasanha.

Oliver apenas deu de ombros e foi junto. No mercado, enquanto Gerarld se preocupava em pegar os ingredientes certos, Oliver observou algo ao lado da loja. Uma vitrine chamou sua atenção. Ele nunca se importou com o que havia ali, mas dessa vez, algo o fez parar.

Sem dizer nada, entrou e saiu minutos depois com uma sacola nas mãos. Gerarld olhou curioso.

— O que foi que você comprou?

— Depois você vê.

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Voltando para casa, Oliver vestiu um avental e começou a trabalhar. Gerarld estava certo — Oliver sabia cozinhar extremamente bem. Cada passo era preciso, os ingredientes eram organizados com maestria, e o cheiro que começou a se espalhar pelo apartamento fez valer a pena a espera.

Quando finalmente a lasanha ficou pronta, eles se serviram e comeram em silêncio. O sabor era impecável.

— Eu odeio admitir isso, mas essa foi a melhor lasanha que eu já comi — Gerarld murmurou, enquanto pegava mais uma garfada.

Oliver apenas continuou comendo, como se já soubesse disso.

Após terminarem, Oliver puxou a sacola misteriosa e, para surpresa de Gerarld, revelou um…

— Um videogame?

Oliver tirou calmamente o console da caixa e começou a configurá-lo.

— Você nunca ligou pra isso.

— Eu decidi mudar um pouco.

Sem questionar mais, Gerarld pegou um controle e, em poucos minutos, estavam jogando um jogo de tiro frenético. As movimentações eram rápidas, os reflexos impecáveis, e a sincronia entre os dois era quase perfeita. Nenhum oponente tinha chance.

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Horas depois, um carro parou em frente ao prédio. A mãe da amiga de Ayla a deixou em casa, e assim que ela entrou no apartamento, se deparou com os dois jogando.

Oliver e Gerarld estavam completamente focados na partida, suas expressões impassíveis enquanto derrotavam inimigos sem esforço.

Ayla assistiu por alguns segundos, impressionada.

— Posso sentar no seu colo? — perguntou, olhando para Oliver.

Ele olhou para ela de canto de olho.

— Você já não tá grande demais pra isso?

Ela fez um biquinho, mas antes que pudesse responder, Oliver apenas puxou-a para o colo, ajeitando-a para que pudesse ver a tela.

— Presta atenção — disse ele, apontando para a jogada que estavam fazendo.

Enquanto o jogo continuava, Ayla ficou observando atentamente como Oliver e Gerarld jogavam.

Os dois se entendiam sem precisar falar, os movimentos eram rápidos e calculados, como se já soubessem exatamente o que o outro faria. Para Ayla, aquilo parecia mais do que apenas habilidade com videogames, era quase como se Oliver tivesse um sexto sentido para prever os ataques e revidar sem esforço.

— Como você faz isso tão rápido? — Ayla perguntou, fascinada.

— Prática — Oliver respondeu simplesmente, desviando de um ataque e finalizando outro oponente com precisão cirúrgica.

Gerarld riu.

— Mentira. Esse cara aqui tem uns reflexos de outro mundo. Você devia ver ele dirigindo.

Ayla sorriu, já tendo plena consciência disso.

A partida terminou com mais uma vitória esmagadora. Oliver colocou o controle de lado, se recostando no sofá.

— Chega por hoje.

— Ah, só mais uma! — Ayla insistiu, mas Oliver balançou a cabeça.

— Amanhã.

Ela fez um leve bico, mas não insistiu mais.

Gerarld se espreguiçou e olhou o horário.

— Já tá tarde… Acho que vou indo nessa.

— Não quer dormir aqui? — Oliver perguntou, sem muita emoção na voz.

— Tentador, mas não. Vou aproveitar que Cynthia ainda não chegou e dormir antes dela começar a falar do filme por três horas seguidas.

Oliver soltou um breve som de entendimento.

Gerarld pegou suas coisas e se despediu, deixando apenas Oliver e Ayla no apartamento.

O silêncio preencheu o ambiente por alguns instantes, até Ayla bocejar.

— Vou tomar um banho antes de dormir — ela disse, levantando-se e indo em direção ao banheiro.

Oliver assentiu, mas antes de se levantar, pegou o videogame e começou a configurar algumas opções extras.

Já que agora tinha um, talvez fosse interessante testar outros tipos de jogos.

Mas isso era para outro dia.

Por hoje, o descanso era mais do que merecido.

Depois que Ayla foi para o banho, Oliver desligou a TV e ficou sentado no sofá por um tempo, apenas aproveitando o silêncio do apartamento.

O cheiro leve de comida ainda pairava no ar, um lembrete da lasanha que havia feito com Gerarld. Foi uma noite tranquila, sem grandes acontecimentos, e para Oliver, isso era um raro momento de paz.

Ele se levantou e foi até a cozinha, pegando um copo de água enquanto sua mente vagava por pensamentos aleatórios.

Então, a porta se abriu.

Evelyn e Cynthia haviam voltado do cinema.

— Ah, vocês já comeram, né? — Evelyn comentou ao ver a pia limpa, tirando os sapatos.

— Comemos. Fiz lasanha.

Cynthia sorriu.

— Aposto que ficou perfeita.

— Ficou — Oliver respondeu simplesmente.

— Gerarld já foi pra casa? — Evelyn perguntou.

— Foi, faz um tempo.

Ela assentiu e suspirou, jogando a bolsa no sofá.

— E o filme? — Oliver perguntou por perguntar.

— Era bom — Evelyn respondeu, sentando-se no braço do sofá. — Mas tinha umas garotas atrás da gente falando o tempo todo…

— Sobre?

— Sobre você.

Oliver arqueou a sobrancelha.

— Eu?

— Quer dizer… — Cynthia riu. — Elas estavam falando da Coruja Negra, mas ficavam especulando como ele era, se era bonito, forte… essas coisas.

Oliver tomou outro gole d'água, sem demonstrar reação.

— E aí? Vocês responderam?

— Claro que não — Evelyn resmungou.

Cynthia riu.

— Mas foi engraçado ouvir elas falando como se tivessem certeza absoluta que ele deve ser um cara super misterioso, um galã de filme de ação.

Oliver deu de ombros.

— Bom saber que tenho fãs.

Evelyn bufou.

— Ridículo.

— Você tem ciúmes de um grupo aleatório falando sobre mim?

— Não é ciúmes, só acho irritante.

— Entendi.

O silêncio se instalou por alguns segundos, até Cynthia se levantar.

— Vou tomar banho primeiro.

Evelyn assentiu e ficou ali por um momento, olhando para Oliver.

— O que foi? — ele perguntou.

Ela hesitou.

— Nada.

E foi para o quarto.

Oliver apenas balançou a cabeça e ligou o videogame novamente.

Ele sabia que Evelyn estava escondendo algo.

Mas, assim como ela respeitava seus segredos, ele respeitaria os dela.

Cynthia cruzou os braços, pensativa.

— Mas espera… Depois daquele dia no tribunal, não seria óbvio que você é a Coruja Negra?

Oliver ajeitou-se no sofá, pegando o celular e mexendo na tela.

— Todos os vídeos daquele dia foram apagados.

Cynthia piscou, surpresa.

— Como assim?

Ele girou o celular nos dedos antes de guardá-lo no bolso.

— Eu apaguei.

Ela arregalou os olhos.

Cynthia soltou um suspiro, cruzando os braços.

— Então foi você que apagou tudo… Faz sentido.

Oliver apenas confirmou com um aceno, sem entrar em detalhes.

Ela olhou para o relógio e se levantou.

— Bem, já tá tarde. Eu vou indo.

Oliver se levantou também, pegando as chaves da moto.

— Eu te levo.

Cynthia ergueu uma sobrancelha.

— Tá querendo me agradar agora?

— Não. Só sei que tá tarde.

Ela riu, mas balançou a cabeça.

— Você fala como se eu não conseguisse voltar sozinha.

— Não é sobre conseguir. É sobre ser mais seguro.

Cynthia olhou para ele por um momento e depois suspirou.

— Tá bom, tá bom.

Enquanto pegavam as coisas para sair, ela murmurou:

— O Gerarld saiu mais cedo, dizendo que não queria saber do filme… Mas eu sei que não era por isso.

Oliver deu um leve sorriso.

— Você sabe que ele sabia que eu ia te levar pra casa.

Ela riu.

— É… Eu sei.

Com isso, os dois saíram do apartamento, descendo até a garagem onde a moto de Oliver já os esperava.

Assim que Cynthia subiu na moto, Oliver não perdeu tempo. Engatou a marcha e acelerou, pegando o caminho mais rápido até a casa dela.

A rua estava tranquila, com poucas pessoas circulando. Cynthia se segurava firme na cintura dele, o vento soprando contra seu rosto. O silêncio predominava entre os dois, mas não era desconfortável, era apenas o jeito de Oliver.

A moto deslizou suavemente pelas ruas até finalmente parar em frente ao prédio de Cynthia.

Assim que Cynthia desceu da moto, ela tirou o capacete e ajeitou os cabelos rapidamente.

— Valeu por me trazer.

Oliver apenas assentiu, mantendo-se calado enquanto ela o observava por alguns segundos.

— Bom... Vou entrar então.

Ela deu um passo para trás, mas hesitou.

— Você sempre faz isso, né?

Oliver arqueou uma sobrancelha.

— Isso o quê?

— Some sem falar muito.

Ele não respondeu de imediato. Apenas olhou para a rua vazia por um momento antes de voltar os olhos para ela.

— É mais simples assim.

Cynthia riu de leve.

— Claro, bem a sua cara.

Ela deu um meio sorriso e se virou para entrar.

— Boa noite, Oliver.

Sem perder tempo, Oliver acelerou e partiu, sem olhar para trás.

Evelyn estava sentada no sofá, com o celular em mãos, encarando a tela como se pudesse arrancar mais informações dali.

Ayla já tinha ido dormir fazia um tempo, e a única coisa que preenchia o silêncio do apartamento era o tique-taque do relógio na parede.

Oliver ainda não tinha voltado.

Ela tentava ignorar a preocupação, se distraindo com qualquer coisa, mas não adiantava.

Então, o celular vibrou em sua mão.

[ Vou demorar para voltar. ]

Uma mensagem simples, direta.

Nada de explicações, nada de detalhes.

Ela apertou os lábios, sentindo um incômodo crescer dentro de si.

Ele nunca era de sair muito de casa, mas aquele tipo de mensagem? Sempre fazia isso.

Evelyn soltou um suspiro pesado, jogando o celular no sofá ao lado.

"Ótimo..."

Agora ela teria que lidar com essa sensação até ele resolver aparecer.

A moto cortava a cidade com um rastro escuro atrás de si, quase como se a própria sombra de Oliver se estendesse pelo asfalto.

Sem Ayla com ele, as listras amarelas haviam desaparecido, dando lugar ao tom negro absoluto, tornando sua passagem ainda mais discreta na noite.

O ronco do motor ecoava pelas ruas quase vazias, misturando-se ao som distante de sirenes e conversas aleatórias de quem ainda vagava pela cidade.

Oliver não tinha um destino definido.

Ele apenas dirigia, deixando os pensamentos se perderem no fluxo da estrada.

Seus olhos observavam os arredores, registrando cada detalhe sem realmente se prender a nada.

Era um costume antigo.

Uma forma de aliviar a mente, mesmo que só por um tempo.

O vento frio da noite cortava seu rosto enquanto ele acelerava, os olhos fixos na estrada à frente.

A cidade brilhava ao redor, um mar de luzes e sombras.

A cada curva, a cada reta, ele sentia a vibração do motor sob seu corpo, o peso dos pensamentos escoando junto com o rastro escuro que sua moto deixava para trás.

Não era fuga.

Não era busca.

Era apenas movimento.

Rodava pelos becos, cortava avenidas, passava por lugares familiares e desconhecidos, sem um real propósito.

As ruas, normalmente cheias durante o dia, estavam quase vazias, o que permitia que ele aumentasse a velocidade sem se preocupar.

Era nesses momentos que ele sentia o mundo mais quieto, mais distante.

Mas, ao mesmo tempo, nunca deixava de estar atento.

Seus olhos percorriam as calçadas, os edifícios, as esquinas...

E então, um detalhe chamou sua atenção.

Algo fora do comum.

Ele desacelerou.

Oliver reduziu a velocidade e virou a moto para a calçada, os olhos analisando o que havia visto.

Um homem parado no beco, encostado contra a parede, segurando o próprio braço como se estivesse ferido.

Nada de incomum à primeira vista.

Mas Oliver percebeu algo.

O homem olhava para os lados, inquieto, como se estivesse esperando alguém... ou fugindo de algo.

O instinto de Oliver lhe dizia para continuar seu caminho.

Mas ele não gostava de ignorar esse tipo de coisa.

Desligou a moto, retirou o capacete e caminhou lentamente até o beco.

— Tá tudo bem aí? — perguntou, sua voz neutra, mas firme.

O homem ergueu o olhar assustado, como se não esperasse ser abordado.

E foi aí que Oliver viu: sangue escorrendo pelos dedos da mão que segurava o braço.

O cheiro metálico chegou até ele.

Definitivamente, algo tinha acontecido.

— Não se meta nisso... — o homem murmurou, tentando se afastar.

Oliver suspirou.

Ele já estava no caso.

Oliver se aproximou lentamente, sem movimentos bruscos.

— Eu só perguntei se você tá bem. Não precisa agir como se eu fosse te atacar.

O homem hesitou, os olhos avaliando Oliver. Ele parecia prestes a dizer algo, mas sua atenção foi desviada para o outro lado da rua.

Oliver seguiu seu olhar.

Uma van preta estava estacionada do outro lado da avenida, os faróis desligados.

A porta lateral se abriu ligeiramente.

Oliver percebeu o brilho metálico de algo lá dentro.

Arma.

Ele não esperou.

Em um movimento rápido, agarrou o braço do homem e o puxou para trás da moto, se abaixando no mesmo instante em que os tiros cortaram o silêncio da noite.

A rua foi tomada pelo som dos disparos.

Vidros quebraram, o impacto das balas ricocheteou contra o concreto.

Oliver apertou os dentes.

Ele só queria rodar pela cidade e espairecer um pouco.

Mas, aparentemente, a noite ainda não tinha acabado para ele.

Oliver não perdeu tempo esperando o homem reagir.

Com um simples gesto, sua telecinese envolveu o ferimento, estancando o sangramento e acelerando a regeneração. O homem arregalou os olhos, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Oliver o puxou para a moto.

Ele não precisava de explicações agora.

O rugido do motor cortou a noite, e em questão de segundos, a moto disparou em alta velocidade.

A van tentou acompanhar, mas não tinha chance.

As sombras da cidade pareciam se dobrar ao redor de Oliver enquanto ele se movia, e o rastro preto deixado pela moto era a única pista de seu trajeto. As ruas se tornavam borrões conforme ele se afastava, dobrando esquinas e atravessando becos com uma precisão absurda.

Ele precisava levar aquele homem para um lugar seguro.

Alguns minutos depois, Oliver entrou em uma área isolada da cidade, um antigo prédio abandonado que, por fora, parecia sem vida.

Mas por dentro...

O homem desceu da moto com as pernas tremendo.

— O que é este lugar...?

Oliver já caminhava à frente, sem olhar para trás.

— Me acompanha e descobre.

O homem hesitou, mas não tinha escolha. Olhou para trás, para a escuridão da cidade, e então seguiu Oliver para dentro.

A porta se fechou atrás deles, e a atmosfera mudou.

Luzes fracas se acenderam, revelando monitores, equipamentos tecnológicos e um ambiente que não combinava em nada com um prédio abandonado.

O homem parou, confuso.

— O que é isso...?

Oliver, encostado contra uma mesa, finalmente olhou para ele.

— Meu refúgio.

O silêncio pairou por um instante.

Então, Oliver cruzou os braços e foi direto ao ponto.

— Agora me diz... qual é o seu poder?

O homem congelou.

— O quê...?

— Não se faça de desentendido — Oliver continuou. — AEX não persegue qualquer um. Se estavam atrás de você, é porque tem algo que eles querem.

O homem abaixou a cabeça, hesitante.

— Eu...

Oliver não tinha paciência para rodeios.

— Olha, eu não vou te entregar pra eles. Mas se quiser sair vivo dessa, preciso saber a verdade.

O homem respirou fundo, ainda relutante.

— Eu consigo... apagar coisas.

Oliver franziu o cenho.

— Apagar como?

O homem apertou as próprias mãos, nervoso.

— Registros. Dados.

Ele ergueu o olhar para Oliver, os olhos cheios de um medo genuíno.

— Tudo o que envolve algo... eu posso apagar. Como se nunca tivesse existido.

Oliver ficou em silêncio por alguns segundos.

Agora fazia sentido.

AEX não corria atrás de qualquer um.

Eles queriam aquele homem porque sua habilidade era tanto uma arma quanto uma ameaça para eles.

Oliver cruzou os braços, observando o homem por alguns instantes antes de perguntar:

— Seu nome?

O homem hesitou, mas diante da situação, não tinha por que esconder.

— Christopher Lorence.

Oliver assentiu levemente.

— Certo, Christopher. Você vai ficar aqui até conseguir se estabilizar.

Christopher arregalou os olhos.

— O quê? Mas... por quê?

— Porque se a AEX quer você, não vai parar de te procurar. E você não tem para onde ir.

O homem ficou em silêncio.

Ele sabia que Oliver estava certo.

Ainda assim, aquilo não fazia sentido.

— Mas por que está me ajudando? — perguntou, estreitando os olhos. — Você não me conhece.

Oliver deu um meio sorriso.

— E você não me conhece. Mas ainda assim, confiou em mim o suficiente para continuar naquela moto.

Christopher engoliu em seco. Ele não podia negar isso.

Se tivesse hesitado por um segundo a mais, talvez já estivesse morto ou nas mãos da AEX.

Olhando ao redor, ele ainda não entendia onde estava ou quem exatamente era Oliver, mas sabia de uma coisa.

Esse homem era diferente da AEX.

Eles o caçavam. Oliver o salvou.

Ele tinha uma dívida.

Respirando fundo, Christopher assentiu.

— Tudo bem... eu aceito a oferta.

Oliver apenas virou as costas e caminhou até uma das portas laterais da base.

— Então é melhor se acostumar. Porque enquanto estiver aqui... você faz parte do jogo.

Christopher franziu o cenho, ainda processando tudo aquilo.

— Como você sabia da AEX? — perguntou, estreitando os olhos.

Oliver virou a cabeça levemente para encará-lo antes de erguer a mão.

A gravidade ao redor pareceu se distorcer por um instante, e Christopher sentiu o ar ao seu redor se tornar mais pesado.

Objetos próximos vibraram, como se uma força invisível os puxasse.

A sombra de Oliver se alongou na parede, criando uma silhueta distorcida e ameaçadora.

— Porque eu sou uma falha daquele lugar.

Christopher sentiu um arrepio subir pela espinha.

Ele recuou um passo, o coração acelerado. Mas em vez de entrar em pânico, sua mente começou a conectar os pontos.

Se ele era uma falha, significava que a AEX o criou… e ainda assim, ele estava ali, livre.

E pior… vivo.

Christopher engoliu em seco.

— Então me responde uma coisa... — Ele apertou os punhos. — Como diabos você saiu de lá?

Oliver sorriu de canto.

— Eu fugi.

— E como não te mataram?

Oliver descruzou os braços e deu um passo à frente, seus olhos brilhando com uma intensidade quase inumana.

— Porque eles não conseguiram.

Christopher arregalou os olhos.

— Como assim "não conseguiram"? Eles desistiram de te caçar?

Oliver soltou um riso curto, balançando a cabeça.

— Não.

Christopher sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

— Então… como?

Oliver o encarou por um momento antes de cruzar os braços.

— Eu destruí a base da AEX.

O silêncio que se seguiu foi quase sufocante.

Christopher sentiu seu estômago revirar. Isso não fazia sentido. Ele conhecia a AEX. Sabia do alcance, dos recursos e da influência que tinham.

E estava ali, diante de um homem que afirmava ter derrubado tudo.

— Isso não pode ser… — murmurou, passando a mão pelo rosto. — Se destruiu a base, como eles ainda estão operando?

Oliver olhou para o chão por um instante antes de responder:

— Isso é o que eu também quero saber.

Christopher piscou algumas vezes, confuso com o que acabara de acontecer.

O ambiente ao redor deles parecia ter se moldado sozinho.

Por um breve momento, um clarão preencheu a sala, e então… tudo mudou.

O espaço parecia maior, mas ao mesmo tempo, não havia se expandido. Apenas ficou mais organizado.

As prateleiras, que antes estavam abarrotadas de equipamentos e objetos espalhados, agora estavam perfeitamente alinhadas. A mesa no centro da sala, antes coberta de ferramentas, estava limpa, com apenas alguns itens essenciais dispostos com precisão.

Christopher deu um passo para trás, sentindo um calafrio.

— O que foi isso…?

Oliver, por outro lado, parecia calmo.

Ele olhou ao redor, analisando os detalhes, como se estivesse testando algo.

— Meu espaço. Ele se reorganiza conforme eu preciso.

Christopher ainda tentava processar o que viu.

— Isso é um poder seu?

Oliver deu de ombros.

— Algo assim.

Christopher percebeu que não adiantava pressioná-lo por respostas.

Afinal, se Oliver realmente havia destruído a base da AEX… então ele era algo muito além do que aparentava ser.

Christopher cruzou os braços, observando Oliver com um olhar sério.

— Certo… você sabe da AEX. Você destruiu uma base deles. Mas me diga… o que diabos é essa organização?

Oliver ergueu uma sobrancelha.

— Você não sabe?

— Eu era só uma cobaia — Christopher respondeu, sua expressão carregada de frustração. — Eles não explicavam nada. Apenas me usavam para experimentos.

Oliver suspirou.

— AEX não é apenas um grupo qualquer. Eles existem há muito tempo… e não são apenas um laboratório de testes.

Christopher se inclinou ligeiramente para frente, atento.

— Então o que eles são?

— Uma organização que quer controlar o que não pode ser controlado — Oliver disse, cruzando os braços. — Eles caçam pessoas como você… como eu. Qualquer um que tenha habilidades fora do normal.

Christopher engoliu seco.

— Então eu sou só mais um dos alvos deles…

— Exatamente. E se eles ainda estão operando, mesmo depois de eu ter destruído uma base, significa que há mais por trás disso do que eu imaginava.

O silêncio se instalou por um momento.

Christopher sentiu um peso nas palavras de Oliver. Se ele estava certo, então fugir não era mais uma opção.

Ele teria que lutar para sobreviver.

Christopher passou a mão pelos cabelos, tentando assimilar tudo.

— Então eles não vão parar… Nunca vão parar.

Oliver permaneceu em silêncio por um instante antes de responder:

— Não. Mas se você souber se esconder direito, pode ganhar tempo.

— Você fala como se já tivesse feito isso antes.

— Porque eu já fiz — Oliver disse, olhando para o lado.

Christopher franziu a testa, processando as informações. Ele não conhecia aquele homem, mas sabia que Oliver não era alguém comum. A maneira como falava, como se já tivesse visto tudo aquilo antes, como se soubesse exatamente o que fazer…

— E o que você sugere? — Christopher perguntou.

Oliver olhou diretamente para ele.

— Primeiro, você precisa entender o que é capaz de fazer. Qual é exatamente o seu poder?

— Meu poder… Ele me permite apagar a existência de qualquer coisa relacionada a algo específico. Registros, rastros… Tudo pode ser apagado, como se nunca tivesse existido.

Oliver manteve a expressão séria.

— E qual o limite disso?

— Não sei. Nunca pude testar por conta própria. Eles só me usavam quando precisavam apagar algo… Mas eu sei que posso apagar qualquer coisa relacionada a um alvo específico, desde que tenha conexão com aquilo.

Oliver ponderou por um momento.

— Foi assim que você fugiu?

Christopher assentiu.

— Sim. Apaguei todos os registros sobre mim dentro da base da AEX. Para eles, eu nunca existi. Só que…

Ele hesitou. Oliver percebeu a incerteza no olhar dele.

— Só que…?

— Isso não apagou o que as pessoas sabiam sobre mim. Só os registros físicos. Os que me conheciam… ainda sabiam quem eu era.

Oliver cruzou os braços.

— Então seu poder não funciona com lembranças diretas. Ou seja, ele pode apagar provas, rastros e conexões, mas não pode apagar algo gravado na mente de alguém.

Christopher assentiu novamente.

— Exato.

Oliver respirou fundo.

— Isso significa que a AEX ainda tem pessoas que lembram de você. E se estavam atrás de você… então significa que eles estão tentando refazer os rastros perdidos.

Christopher engoliu em seco.

— Então eu ainda estou marcado…

— Sim. Mas não precisa ser uma presa.

Oliver se afastou, olhando para o ambiente ao redor. A base havia se reconfigurado novamente, como se estivesse se moldando de acordo com a conversa deles.

Ele virou-se para Christopher.

— Se quiser sobreviver, você precisa entender o que pode fazer com esse poder.

Christopher respirou fundo, sentindo que sua vida acabara de mudar completamente.

Christopher perguntou como humanos adquiriram esses poderes, e Oliver respondeu sem hesitar.

— A AEX controlava hospitais no passado. Eles realizavam experimentos em bebês, sem que ninguém jamais descobrisse.

Christopher sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

— Experimentavam… como?

Oliver cruzou os braços, sua expressão ficando mais séria.

— Modificavam as mentes dos bebês sem a menor preocupação se sobreviveriam ou não. Depois, colocavam os corpos expostos à alta radiação, provocando mutações genéticas. Para eles, era apenas um jogo de tentativa e erro. Quem morria era descartado como lixo. Quem sobrevivia… virava uma cobaia definitiva.

Christopher cerrou os punhos. Ele sempre soube que era diferente, mas nunca imaginou que sua origem fosse tão cruel.

— Então… eu sou um deles?

— Sim. Você sobreviveu. Assim como eu.

Christopher piscou, surpreso.

— O quê?

Oliver suspirou, olhando para o teto por um instante antes de voltar os olhos para ele.

— Eu fui considerado uma falha. Pelo menos, foi o que acharam. Quando me descartaram, acreditavam que eu tinha morrido. Mas eu já tinha ganhado consciência. Só que… não era a consciência de um bebê. Era do futuro.

Christopher sentiu seu corpo arrepiar.

— Você viu o futuro?

— Sim. E mesmo com um corpo frágil, eu destruí tudo.

O silêncio pesou no ar.

Christopher o encarava, incrédulo.

— Você acabou com a base da AEX… sozinho?

— Sim.

Christopher respirou fundo, tentando processar tudo.

— Mas… se você destruiu tudo, como eles ainda existem?

Oliver olhou para ele, com a mesma dúvida estampada no rosto.

— Essa é a pergunta que eu também quero responder.

Até que, Oliver se lembrou de um poder que nunca tinha chegado a usar.

Ele olhou diretamente nos olhos de Christopher, e naquele instante, tudo se desenrolou diante dele. Como se estivesse assistindo a um filme acelerado, Oliver viu todo o histórico do homem—onde esteve, com quem esteve, cada passo que deu.

E então, ele encontrou.

O local da AEX.

O coração de Oliver bateu mais forte. Ele já estava pronto para agir, para partir imediatamente e acabar com aquilo de uma vez por todas. Mas antes que pudesse dar um único passo, um arrepio percorreu sua espinha.

Algo estava errado.

Pela primeira vez em muito tempo, Oliver sentiu um frio na barriga, um pressentimento ruim que o fez virar rapidamente. Seu olhar foi direto para a moto.

— Vamos. — Sua voz era firme, sem espaço para perguntas.

Christopher, ainda processando tudo, apenas seguiu Oliver sem hesitar. Algo na expressão dele dizia que não havia tempo para enrolar.

A moto rugiu pela cidade enquanto rasgavam as ruas em alta velocidade. O destino? O prédio onde Evelyn e Ayla estavam.

Mas quando chegaram…

O lugar estava vazio.

Oliver sentiu um nó no estômago.

Onde estavam elas?

Christopher franziu a testa ao ver a expressão séria de Oliver.

— O que aconteceu? Tem alguém aqui?

Oliver olhou ao redor, seus olhos afiados analisando cada detalhe do apartamento silencioso. Ele sentia que algo estava errado, mas não encontrava sinais de invasão ou luta.

— Eu não achei que a AEX agiria tão cedo… — murmurou, cerrando os punhos.

Christopher engoliu em seco. O tom de Oliver não trazia pânico, mas sim uma frieza calculista, como se já estivesse planejando o próximo passo.

— Então, o que faremos?

Oliver se virou para ele com um olhar decidido.

— Vamos até a base deles. Agora.

Sem perder tempo, os dois correram até a moto. Oliver acelerou sem hesitar, cortando as ruas da cidade em alta velocidade.

O destino estava traçado.