Ao adentrarmos a floresta da Noite Eterna, uma sensação de ser engolido me envolveu. A luz diminuía aos poucos, e era impossível não me impressionar. As árvores eram colossais, algumas com troncos imensos. A vegetação ao redor, mesmo sem a luz do sol, crescia vigorosamente, o que me fazia questionar como isso era possível.
O grupo foi organizado da seguinte forma: à frente iam Darian e Richard, por serem os guias e os mais experientes em batalha. Elias e Lucas estavam a cavalo na retaguarda, enquanto a carroça, carregada com suprimentos e puxada por um burro, seguia no centro com os demais. Revezávamos quem ia na carroça. Praticamente todos estavam armados com espadas e armaduras leves, só eu, Clarice e Diana estávamos sem armaduras e espadas.
Clarice grudou em Talia e Marco, fazendo perguntas sem parar. Tive pena deles, pois o que essa garota falava não estava escrito. Um pouco mais à frente, Edrian se aproximou de mim.
— É a sua primeira vez nesta floresta?
— Sim.
— Ela é impressionante mesmo, não importa quantas vezes eu tenha vindo.
— Não seria melhor ter mais pessoas?
— Pra falar a verdade, já estou organizando isso há uns 2 meses. Depois que ninguém mais voltou, todos ficaram com medo e não querem ir mais.
— Então, por que quer ir?
— Eu e minha esposa éramos os responsáveis por organizar a distribuição dos suprimentos para as vilas necessitadas. Após todos desistirem de fazer as expedições na floresta, não conseguíamos ficar parados, tínhamos que ajudar de alguma forma.
— Não tem medo?
— Claro que sim! Mas pior que isso é ver todas aquelas pessoas morrerem de fome.
Dava para ver o medo em sua expressão. Não era só ele, Diana, a esposa dele também demonstrava apreensão. Ela aparentava ser a mais velha do grupo; seus cabelos pretos tinham alguns fios grisalhos, mas seus olhos castanhos escuros refletiam determinação. Ainda assim, esse papinho de querer ajudar os outros não me convencia; era óbvio que todos ali estavam apenas pelo dinheiro.
— Como será feito o pagamento, já que é apenas uma travessia de ida?
Ele caminhou até a carroça, abriu uma mochila e retirou um pergaminho cuidadosamente dobrado.
— Com isto aqui. É uma nota assinada pelo rei. Quando chegarmos a Graldrak, eu vou entregar isso ao lorde, aí ele fará o pagamento.
Bem pensado da parte dele; assim, todos que tentaram atravessar não tavam levando dinheiro.
— Não precisa se preocupar, eu não acho que tem monstros ou algo do tipo nesta floresta.
— Por que pensa isso?
— Eu acredito que tem algum esquema com bandidos. Eles tão se apropriando das recompensas e impedindo os outros de retornarem para relatar. Com isso, pode ficar tranquilo.
Ele colocou a mão no meu ombro, deu um leve sorriso e foi para perto de Diana.
Bandidos, é? Será que é só isso mesmo?
Caminhamos por mais alguns minutos, e eu não parava de olhar ao redor. Era realmente um lugar diferente, com plantas que eu nunca tinha visto antes em Bartton. Talvez fossem espécies locais. Pouco tempo depois, Marco se aproximou de mim.
— Haha! Aquelas duas são bem parecidas. Pra onde você tá indo?
— Não tenho destino.
— Hmm… É até romântico viajar assim, sem destino, com a namorada.
— Ela não é minha namorada!
Não entendia por que todos insistiam em dizer que ela era minha namorada. Isso era irritante…
De repente, algo chamou minha atenção para algumas árvores próximas. Parei e virei o olhar rapidamente, estreitando os olhos na tentativa de identificar o que era, mas… não havia nada.
— O que foi? Viu algo? — Marco seguiu meu olhar na mesma direção.
— Não, não foi nada. — Segui em frente.
Na verdade, aquilo foi um pouco estranho. Por um momento, tive a sensação de que alguém nos observava e até escutei um som metálico, parecido com o de uma moeda sendo jogada. Talvez fosse apenas minha imaginação, já que esse lugar era um pouco escuro.
Seguimos até o anoitecer sem encontrar nada suspeito, o que me incomodava bastante. Encontramos um local adequado e decidimos parar para comer e descansar. Fui até Otto e pedi que apertasse bem as rédeas dos cavalos e do burro.
Fizemos uma fogueira, e Diana preparou uma sopa de legumes para todos. O sabor não era dos melhores, mas era nutritivo e revigorante. Após isso, organizamos os turnos de vigilância. A noite na floresta era incrivelmente escura, tornando a viagem praticamente impossível, além do frio intenso. Felizmente, trouxeram sacos de dormir extras, e Clarice não precisou ficar com o meu.
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Com os primeiros raios de sol, nós nos levantamos. A noite transcorreu sem nada de anormal. Durante meu turno de vigilância, percebi que, nesta floresta, era possível ouvir muitos animais, alguns cujos sons eu nunca havia escutado antes. Diana já estava acordada e havia preparado um chá quente para todos. Ela agia como uma mãe, sempre perguntando se estávamos bem ou precisávamos de algo.
Reorganizamos nossa formação e seguimos em frente. Precisávamos tomar cuidado para não sair da direção norte, pois seria fácil se perder nessa floresta, ainda mais sem conseguir ver a posição do sol.
A viagem começou a atrasar porque Clarice parava a todo momento para observar algo que nunca tinha visto antes. Sugeri que a amarrassem, mas decidiram que ela deveria seguir na carroça.
Assim como no primeiro dia, o segundo passou-se tranquilamente, sem nada suspeito pelo caminho. A ideia de haver bandidos começou a fazer sentido, e era provável que estivessem esperando na saída da floresta. O melhor seria, ao nos aproximarmos da saída, observar os arredores com cuidado.
Com o cair da noite, começamos a montar o acampamento. Foi então que percebi que Otto não havia amarrado bem os cavalos e o burro, então fui até ele.
— Ei, eu disse pra amarra bem!
— Assim já tá bom.
— Apenas faça o que estou falando.
— Não!
— Então, sai da frente que eu faço.
— Já falei que assim tá bom! — Ele agarrou meu braço, mas me movi rapidamente. Segurei-o pela gola com meu braço esquerdo, irritado.
— Ei, pessoal, calma! O que tá acontecendo? — perguntou Edrian, se aproximando.
Soltei Otto, que recuou alguns passos, ofegante.
— Esse cara fica enchendo o saco pra eu amarrar as cordas com força. Fiz isso ontem e fudi com meus dedos tentando desfazer os nós por causa do frio, que deixou as cordas duras.
— Otto, faz como ele disse. A gente precisa trabalhar em equipe.
— Tá, mas você quem vai desamarrar amanhã.
— Certo. Agora um aperto de mão.
— Foi mal por puxar seu braço. — Ele estendeu a mão, esperando um aperto.
— Eu também exagerei um pouco. — Bati de leve na mão dele e comecei a me afastar.
Sentei-me um pouco afastado do grupo. Diana preparava a comida enquanto os demais conversavam ao redor da fogueira. O ambiente ao redor era um breu. Respirei fundo, fechando os olhos. O ar deste lugar era incrivelmente fresco, mas havia algo mais, algo que eu não conseguia compreender. Era como se meu corpo estivesse mais leve. Quando acordei, tive a sensação de ter descansado por dias.
— Bom, pessoal, se continuarmos nesse ritmo, mais três dias atravessaremos a floresta — disse Edrian.
— Haha! É isso, então vamos beber um pouco pra comemorar. — Otto foi até sua bolsa e pegou uma garrafa.
— Otto não é hora de beber, deixe isso pra depois da viagem.
— Qual foi Edrian? Não tem nada nessa floresta. Pode olhar, os que vieram só pegaram o dinheiro e vazaram.
— Mesmo assim não, temos que ficar alertas.
— Para de ser chato, não tá vendo? Tá um silêncio. — Otto abriu os braços e começou a rodar.
De fato, após dois dias de viagem sem encontrar nenhum perigo, a floresta parecia inofensiva. No entanto, um pressentimento me alertou. Fechei os olhos e me concentrei nos sons ao redor. Foi então que percebi o verdadeiro problema: o silêncio absoluto.
— Rápido, todos peguem suas espadas! — Levantei-me, alertando a todos.
— O que foi Saito, viu alguma coisa? — perguntou Edrian.
— Um deles tá próximo.
— Um Deles?
— Sim… um monstro!
Todos começaram a rir debochadamente. Por um instante, senti uma intensa vontade de deixá-los para trás e seguir sozinho, deixando-os enfrentar o que estava por vir.
— Saito, você já viu um desses monstros antes?
— Não.
— E como sabe que eles existem?
— Uma pessoa de confiança me contou.
De repente, os cavalos e o burro começaram a se agitar violentamente, fazendo todos saltarem de susto.
— Ele tá perto… — Olhei ao redor na tentativa de encontrá-lo.
— Pelo amor, Saito! Para com isso, monstros não existem! — resmungou Clarice, levantando-se.
Meus olhos percorreram o ambiente, mas a escuridão era intensa. Foi então que o monstro surgiu sorrateiramente atrás de Clarice, bufando contra seus cabelos enquanto preparava suas garras para atacá-la. Num impulso, saltei para protegê-la, puxando-a para longe.
O monstro avançou velozmente entre o grupo e investiu contra Talia. Todos permaneceram paralisados, incapazes de reagir. Ele cravou seus dentes em sua perna, segurando-a com a boca.
— AAAAHHHH. — Talia soltou um grito de dor.
Marco, tentando ajudá-la, avançou para atacar, mas foi brutalmente lançado para longe ao ser atingido pela cauda da criatura.
Levantei-me rapidamente e me preparei para lançar meus fios, mas, com Talia ainda presa na boca do monstro, um ataque direto poderia feri-la. Percorri o ambiente com o olhar e avistei a espada de Marco caída no chão. Sem hesitar, agarrei-a, prendi um dos meus fios no cabo e corri. O monstro investiu contra mim e, no instante em que estava prestes a me atingir, deslizei por baixo dele e cravei a espada em seu pescoço, forçando-o a soltar Talia.
Tentei me reposicionar, mas acabei escorregando no sangue de Talia. Por conta disso, o monstro estava prestes a me acertar com suas garras. Levantei meu braço esquerdo para bloquear o golpe, sabendo que seria atingido, mas precisava minimizar o impacto. Antes que o ataque me alcançasse, Clarice jogou uma pedra, acertando o olho da criatura.
Aproveitei a abertura, coloquei as mãos no chão e girei, desferindo um chute com minha perna esquerda no rosto do monstro. Ele foi arremessado para o lado, me dando a oportunidade de passar meu fio ao redor de seu pescoço. Quando o monstro se recompôs e avançou na minha direção, fiz um simples movimento com a mão e o decapitei. Seu corpo caiu inerte no chão, enquanto sua cabeça rolou até parar perto de mim.
Todos ainda estavam em choque, tremendo e ofegantes, mesmo sem terem lutado. Mas suas atenções logo se voltaram para Talia, que jazia desmaiada no chão, com a perna gravemente ferida. Diana correu imediatamente até ela e se ajoelhou para examinar o ferimento.
— Diana, ela vai ficar bem? — perguntou Marco com uma expressão de preocupação.
— Rápido! Traga minha bolsa com os medicamentos! Alguém me ajude aqui, precisamos fazer um torniquete para estancar o sangramento e limpar a ferida.
Marco correu até a carroça e pegou a bolsa. Diana rasgou um pedaço de pano e, com a ajuda de Edrian, amarrou-o firmemente na coxa de Talia para estancar o sangramento. Em seguida, pegou uma tesoura e cortou a calça da jovem, expondo o ferimento. Pegou alguns panos limpos, despejou álcool sobre eles e começou a limpar a ferida com cuidado. O rosto de Talia se contorceu em dor, enquanto o sangue continuava a encharcar rapidamente o pano.
O ferimento era horrível; o osso estava quebrado e a perna dela completamente destroçada. Não sei como não havia sido arrancada por completo. A expressão de preocupação de Diana era evidente enquanto ela cuidava da ferida. Ela também sabia que aquela perna jamais se recuperaria. O sangue não parava, e a apreensão de todos só aumentava.
— Alguém coloque uma espada no fogo — disse Diana.
— Pra que? — perguntou marco.
— Vamos ter que cortar a perna.
— O que? Não! deve ter um jeito.
— É isso, ou ela vai morrer com a perda de sangue.
Os olhos de Marco se encheram de lágrimas. Ele foi até Edrian, pediu sua espada e a colocou no fogo. Nesse momento, percebi que Clarice estava de cabeça baixa, agarrando fortemente sua roupa. Então, ela começou a caminhar em direção a Talia. Segurei seu ombro e, quando ela se virou para mim, balancei a cabeça em negação. Ela olhou para Talia novamente e, hesitante, se aproximou.
— Diana, deixa comigo eu posso salvar a perna dela.
— Não tem como Clarice, eu sinto muito.
— Apenas me deixe tentar.
Diana olhou para ela e se afastou um pouco. Clarice abaixou-se lentamente e colocou as mãos sobre a perna ferida de Talia. Logo depois, uma intensa luz amarelada começou a emanar de suas mãos, e a perna de Talia iniciou um processo de regeneração. Observando mais de perto, era realmente incrível. Todos ficaram de olhos arregalados, surpresos. Em poucos segundos, a perna estava completamente curada.
— C-como? O que foi isso que você fez, Clarice? — perguntou Diana.
— É um poder que eu tenho.
— Poder? Isso existe?
Marco passou entre Diana e Clarice, ajoelhando-se enquanto deslizava a mão sobre a perna de Talia, incrédulo com o que acabara de presenciar. Ele se virou para Clarice, agarrou sua mão e abaixou a cabeça até o chão, chorando.
— Clarice, muito obrigado! Eu farei qualquer coisa pra retribuir…
— Tá tudo bem, não precisa. — Ela colocou sua mão sobre a cabeça dele.
Ao olhar para os outros, percebi que estavam cochichando entre si. Logo depois, Edrian se aproximou de mim.
— Saito, me desculpe por não ter acreditado em você. Você acha que tem outro?
— No momento, não. Normalmente, quando há mais de um, eles permanecem juntos.
— Ainda bem…
— Saito, você é foda! Acabou com aquela coisa. Eu não consegui nem me mexer. Foi mal por não ter acreditado em você também — disse Otto, coçando a cabeça.
Os outros também se desculparam. Após isso, os ânimos se acalmaram, e todos se sentaram ao redor da fogueira. Marco permaneceu ao lado de Talia, que ainda estava desacordada, mas, com a ajuda de Clarice, estava fora de perigo. Como sempre, sentei-me um pouco afastado dos demais. Levantei a cabeça, respirei fundo.
Aquele foi o primeiro monstro que matei, mas eu sabia que era apenas o começo.
Retirei meu diário do bolso do colete e anotei o encontro com um dos monstros na Floresta da Noite Eterna. Qualquer informação sobre aqueles corrompidos era valiosa e precisava ser registrada. Pouco depois, Clarice se aproximou e sentou-se ao meu lado.
— O que tá fazendo?
— Apenas anotando algumas coisas.
— Obrigada por me ajudar antes.
— Agh! — Ao olhar para meu braço direito, percebi um corte no pulso. Provavelmente, a garra do monstro me atingiu quando passei por baixo dele.
— Você se machucou, deixa eu ver.
— Não foi nada.
— Para de ser teimoso, deixa eu ver.
Meio relutante, estendi meu braço até ela. Com delicadeza, Clarice puxou minha manga, colocou a mão sobre o ferimento e, com seu poder, começou a curá-lo.
— Pronto, o ferimento se foi.
— Valeu.
— Me diga, como sabia daquele monstro?
— Meu mestre me contou.
— Quem é seu mestre?
— Uma pessoa muito importante. Foi ele quem salvou minha vida.
— Nunca imaginei que uma coisa daquela poderia existir. Foi realmente assustador.
Ela disse isso, mas, tirando Marco, que se moveu por instinto para salvar Talia, ela foi a única que agiu. Quem vê aquela coisa pela primeira vez geralmente fica paralisado, sem saber o que fazer.
— Agora você entende o que eu queria dizer, então é melhor voltar pra sua vila.
— E você, o que vai fazer?
— Preciso continuar e encontrar algumas pessoas, e por causa disso, vou acabar cruzando com muitos desses monstros pelo caminho.
— Eu não entendo. De onde vêm esses monstros?
Nesse momento, achei melhor contar tudo para ela, na esperança de que desistisse de me seguir e voltasse para casa. Então, revelei sobre a grande guerra contra Hirano, como os humanos cometeram um genocídio contra as quatro grandes raças e os perseguem desde então. Além disso, alertei que alguém estava tentando abrir o portal novamente.
— Nossa! isso tudo é verdade?
— Sim.
— É muita coisa, minha cabeça tá até girando agora.
— Agora você sabe o quão perigoso é daqui pra frente, assim desista.
Ela soltou uma risada baixa e desviou o olhar para o chão.
— Eu vou com você.
— De novo isso?
— Agora é diferente… Quero ajudar, não apenas a impedir essas pessoas malvadas, mas também a mudar este mundo.
— Mudar? Ele já tá assim a mais de mil anos. Não tem como fazer mais nada.
— Alguém tem que começar, então por que não nós dois?
— Só nós dois? Pronto, agora você enlouqueceu de vez.
— Ah, para. — Ela ameaçou me bater.
— Você tem certeza mesmo? Ainda dá pra desistir.
— Sim. — Ela estendeu a mão fechada para mim, exibindo o dedo mínimo.
— O que foi?
— Agora não seremos apenas companheiros de viajem, mas sim amigos. Vamos, me der seu dedo também.
— Pra que?
Ela agarrou minha mão e me forçou a entrelaçar meu dedo mínimo com o dela.
— Pronto, agora a promessa tá selada. Somos amigos, e um não pode abandonar o outro.
Ela deu um sorriso radiante, e meus olhos se arregalaram. Um sentimento familiar apertou meu peito, e logo me lembrei do dia em que Yuri pediu para ser minha amiga. Baixei o olhar, inquieto. Isso me preocupava.
Se Clarice vier comigo, será que ela terá o mesmo destino de Yuri? Ou algo ainda pior? Esse pensamento começou a me corroer por dentro.