Capítulo V: O CÍRCULO MÁGICO

A sensação de estar cercado, como um animal encurralado, acendeu uma fúria fria nos olhos vermelhos de Kael. Sem hesitar, suas adagas gêmeas surgiram das bainhas em um borrão de aço polido, as lâminas buscando os pontos vitais dos encapuzados que se aproximavam pelas sombras.

Com a agilidade de uma pantera, Kael investiu contra o mais próximo, a lâmina da adaga cortando o ar em um arco mortal. O encapuzado cambaleou para trás, um gemido abafado escapando de suas vestes escuras antes de tombar inerte na grama úmida. Mas por cada inimigo que caía, outros dois avançavam, seus rostos ocultos sob os capuzes, mas a determinação fanática brilhando nas lâminas de pedra e nos bordões rústicos que empunhavam.

Kael dançava entre eles, um turbilhão de aço e fúria, desviando golpes selvagens e desferindo cortes precisos. O som metálico das adagas encontrando pedra e madeira ecoava na clareira silenciosa, misturado aos grunhidos de dor dos atacantes. No entanto, a superioridade numérica dos encapuzados começou a cobrar seu preço. Lentamente, mas inexoravelmente, eles o empurraram para o centro do círculo de pedras colossais.

Com um último golpe que afastou dois atacantes simultaneamente, Kael se viu isolado no coração da clareira, cercado por um anel de figuras sombrias que brandiam suas armas com uma determinação silenciosa. As tochas que carregavam lançavam sombras grotescas que dançavam nas paredes de pedra, transformando a cena em um pesadelo arcaico.

Foi então que o silêncio espectral foi quebrado. Em uníssono macabro, as vozes dos doze encapuzados se elevaram em um cântico arcaico que ecoou pela mata silenciosa, um refrão carregado de poder primordial:

"In nomine del elementaries dal naturiz: Terren, ari, aqua i fuegon. Noz la invocuos Dusa Manes, Dagda!"

("Em nome dos elementos da natureza, terra, ar, água e fogo. Nós a invocamos Deusa Mãe, Dagda!")

A melodia gutural, imbuída de uma força ancestral palpável, fez os pelos da nuca de Kael se eriçarem. Ele não reconhecia o idioma, mas a ressonância das palavras o atingiu como um golpe físico, roubando-lhe o ar dos pulmões por um breve momento. Uma estranha mistura de fascínio e apreensão borbulhou em suas veias enquanto observava a sinistra devoção dos encapuzados.

Enquanto o canto ecoava entre as árvores centenárias, labaredas intensas irromperam do solo ao redor de Kael, aprisionando-o em um círculo de fogo pulsante. O calor lancinante lambeu sua pele, e o ar crepitava com a energia mágica que emanava das chamas dançantes. A barreira flamejante, alta e circular, tremulava com uma luz incandescente que realçava as runas ancestrais gravadas nas pedras colossais e projetava sombras grotescas que dançavam em macabra valsa pela floresta.

A energia mágica do cântico era quase tangível, uma vibração quente e pulsante que percorria o corpo de Kael como um formigamento intenso. Ele podia discernir pequenas faíscas de luz dançando ao redor dos encapuzados, como se a própria floresta respondesse à invocação com um fervor sombrio. O ar se tornou denso e pesado, dificultando sua respiração.

— Uma cilada, que original! — Exclamou Kael, um sorriso de escárnio curvando seus lábios pálidos enquanto seus olhos vermelhos faiscavam na escuridão.

O cântico cessou abruptamente. Das sombras profundas, como se a própria escuridão tivesse se materializado, uma figura solitária emergiu. O manto vermelho-sangue, feito de um tecido leve, fluido e luxuoso que brilhava suavemente à luz vacilante das chamas, esvoaçava ao seu redor como uma névoa carmesim. O fogo no chão vacilou, e o vento pareceu perder suas forças, como se ambos estivessem intimidados pela presença daquela figura misteriosa que se movia com uma leveza surpreendente, uma graça quase felina que, por um instante fugaz, despertou em Kael uma vaga lembrança.

Um calafrio percorreu a espinha de Kael, mais intenso e cortante que o próprio frio da noite, apesar do calor opressor que o envolvia. O manto vermelho-sangue denunciava uma aura de poder régio, e um colar adornado com uma pedra amarela em formato de gota emitia um brilho suave que pulsava como um coração hipnótico. Gravado em um metal negro, um símbolo arcaico: o emblema da Deusa Mãe das bruxas druidas, Dagda.

Ele franziu a testa, uma sensação estranha o invadindo. Havia algo na maneira como aquela figura se movia, na frieza formal que emanava dela, que cutucava uma parte adormecida de sua mente. Era como se uma nota dissonante perturbasse a harmonia daquela cena, uma sensação incômoda de familiaridade misturada a um estranhamento inexplicável.

— Você deve ser a líder dessa seita de bruxas imundas. Por cortesia, vou garantir que você seja a primeira a cair. — Ameaçou ele, a voz gotejando sarcasmo enquanto encarava a figura sem piscar, tentando desesperadamente identificar a fonte daquela estranha familiaridade.

— ’Bruxas imundas’? Nós somos a irmandade de Dagda, a Deusa Tríplice, a mãe suprema! E você, Kael Faolan... está no nosso caminho! Entregue a Pedra da Lua! — Respondeu a líder da seita, sua voz carregando uma condescendência fria que, de alguma forma inexplicável, soava familiar aos ouvidos de Kael.

— A senhora parece me conhecer bem, então deve saber que não entregarei nada... Pelo menos não antes de uma boa luta! —

Numa fração de segundo, garras afiadas brotaram das pontas dos dedos de Kael, estendendo-se como raios e rasgando o ar com velocidade e precisão, desferindo um golpe fulminante que visava a garganta da mulher. Mas antes que pudessem sequer roçá-la – BLAM! – uma explosão de luz dourada, intensa e abrupta como um raio que irrompeu do nada, o cegou por um instante. Era como se uma barreira invisível, pulsante e translúcida, tivesse se erguido para protegê-la, repelindo-o com violência e energia. Um estalo agudo acompanhou a explosão, e um cheiro de ozônio impregnou o ar, como se a magia ali presente fosse tão poderosa que alterasse a própria composição do ar.

A bruxa misteriosa, um leve sorriso de escárnio dançando em seus lábios, pareceu satisfeita com a frustração de Kael. Seus olhos, antes ocultos nas sombras do capuz, agora brilhavam com um misto de triunfo e malícia gélida. Ela não demonstrou nenhuma preocupação com as figuras caídas ao seu redor.

Kael cambaleou para trás sob o impacto do feitiço, a mão latejando como se tivesse sido marcada a ferro quente. Um choque percorreu seu corpo, fazendo seus músculos se contraírem em espasmos involuntários. Mas a dor lancinante foi rapidamente abafada pela adrenalina selvagem que corria em suas veias, despertando seus instintos mais primitivos. Uma excitação sombria, como um fogo frio que o consumia por dentro, tomou conta de seu corpo, impulsionando-o para frente, para o confronto.

— Parece que a noite acabou de ficar um pouco mais... interessante. — disse, um sorriso cruel espelhando o da mulher, revelando a sombra da fera sob a fachada principesca. Ele lambeu o sangue que brotava de uma pequena ferida em sua mão, seus olhos em brasa com um misto perigoso de êxtase e fúria. "As feridas já se cicatrizavam em um ritmo antinatural. Quem é essa mulher enigmática, afinal?" Pensou, obcecado pela vaga sensação de já a ter visto antes. — Magia poderosa, essa sua, bruxa! —

— Vejo que suas feridas se curam rápido... És um guerreiro notável! Ainda assim, não prevalecerá! — Ameaçou a mulher misteriosa, seus olhos frios fixos nos de Kael.

— Veremos quem prevalece! —

Kael se agachou novamente, o corpo tenso como um predador prestes a saltar. Seus olhos vermelhos faiscavam, absorvendo cada detalhe da cena: o brilho sinistro do fogo, as runas enigmáticas nas pedras colossais, o sorriso gélido da líder. Ele reuniu a energia selvagem que pulsava em seu interior, concentrando-a nas palmas de suas mãos. Com um movimento rápido e preciso, como se moldasse o próprio ar, e um sopro potente, Kael lançou uma bola de fogo incandescente que atingiu as bruxas ao redor de sua líder como um meteoro flamejante.

De repente, uma sombra densa, como se a própria escuridão se contorcesse e ganhasse forma tangível, surgiu abruptamente, materializando-se entre Kael e a mulher misteriosa como uma aparição espectral. A sombra envolveu as chamas de Kael com uma velocidade surpreendente, engolindo-as completamente.

— Mas o quê? Meu ataque... engolido? —

A líder, no entanto, permaneceu impassível, observando a destruição causada pelo ataque de Kael com um olhar frio e distante, sem demonstrar qualquer preocupação com suas seguidoras caídas. Um sorriso sutil e gélido curvou seus lábios, mas foi ao notar a sombra densa se aproximando que um brilho de satisfação genuína cintilou em seus olhos antes sombreados. Era um triunfo silencioso, a confirmação de que seu plano estava se concretizando.

— Você nos subestima, besta de olhos vermelhos! Mas aprenderá sua lição esta noite! — Disse ela, sua voz agora carregada de uma confiança sombria, como se a balança do poder tivesse acabado de pender decisivamente a seu favor. Seus olhos, fixos em Kael, pareciam dançar com a antecipação do golpe final, não apenas físico, mas emocional. Ela sabia, naquele instante, que a chegada daquela sombra em particular o atingiria de uma forma que sua magia jamais poderia.

Kael permaneceu imóvel, em posição defensiva, seus sentidos aguçados, preparado para o próximo ataque, mas a confusão causada pela aparição do General Mouros era palpável.

— Por que tudo isso? O que vocês querem comigo, suas fanáticas? — Perguntou Kael, a incredulidade ainda ecoando em sua voz.

A líder soltou uma risada fria e curta, um som que não continha humor algum.

— Você realmente não sabe, Príncipe Bastardo? A profecia é clara, sussurrada nos ventos e gravada nas entranhas da terra. O Filho da Lua Vermelha, a Besta de olhos de sangue, a Isgard em discórdia suas garras cravará. O povo em facções se quebrará, e o Reino Invernal em guerra civil tombará! ...E sua sombra em seu manto funesto o mundo cobrirá!

Os olhos vermelhos de Kael se estreitaram, e um cansaço profundo, misturado com raiva, toldou suas feições. Ele já ouvira essa ladainha antes, as palavras ecoando como um prenúncio sombrio que o perseguia desde a infância. A menção da "Besta" e da ruína iminente de Isgard acendeu uma fúria fria em seu interior.

— Já estou farto dessa profecia! — Rosnou Kael, a voz carregada de exasperação. Em um movimento rápido e animalesco, ele impulsionou o corpo para frente, saltando na direção da líder com as garras novamente estendidas, buscando silenciar de uma vez por todas aquelas palavras que o assombravam.

Enquanto isso, a sombra que engolira suas chamas se aproximava com passos lentos e deliberados, como se marchasse sobre um campo de batalha, reivindicando cada centímetro de território com sua mera presença. A escuridão que a envolvia se adensava a cada passo, revelando contornos grotescos e ameaçadores. A sombra se tornava mais nítida, revelando detalhes macabros: um rosto oculto nas trevas, mas com um brilho sinistro emanando de seus olhos. Kael podia sentir o peso daquele olhar sobre si, como uma pressão invisível que o esmagava contra o chão. Um cheiro forte e inebriante, uma mistura embriagante de whisky barato e charutos amargos, invadiu suas narinas, despertando memórias turvas de noites frias em volta de fogueiras crepitantes. Era um aroma familiar e inconfundível.

Um choque percorreu o corpo de Kael, a estupefação o atingindo como um raio gelado. Seus olhos se arregalaram, não de medo, mas de uma surpresa incrédula. Ele voltou a colocar as mãos nos bolsos, num gesto de displicência forçada, tentando disfarçar a confusão que o assaltava. Era como se estivesse prestes a cumprimentar um velho conhecido em um lugar terrivelmente errado. A sombra parou a poucos metros, e a escuridão que ocultava seu rosto pareceu se dissipar levemente, revelando traços inconfundíveis.

— General Mouros? — A incredulidade gotejou da voz de Kael como veneno.