CAPÍTULO VII: A BESTA

— Mouros investiu com a espada, a lâmina escura rasgando o ar em direção à cabeça de Kael. Num reflexo desesperado, o príncipe bastardo esquivou para baixo, suas adagas gêmeas encontrando o aço da espada em um choque estridente que faiscou na noite. Os olhos de Mouros se arregalaram, uma onda fria de perigo percorrendo sua espinha. A agilidade do garoto, mesmo acuado, era surpreendente. Kael saltou, impulsionado pela fúria, e a troca de golpes se intensificou, um frenético balé de aço contra aço.

No meio da luta, a base da espada de Mouros atingiu Kael em cheio no ombro, um golpe brutal que o lançou ao chão com um baque seco, a dor lancinante irradiando por todo o seu corpo.

— Mostre sua verdadeira face, se não quiser morrer agora, Faolan! — A voz gélida da mulher misteriosa cortou a clareira, carregada de uma expectativa sinistra.

Mouros sorriu com escárnio, aproximando-se lentamente de Kael, que tentava inutilmente se erguer, ainda de joelhos. — Mesmo que a besta saia para brincar, ela não será páreo para mim! — Sua voz transbordava confiança, cega para a tempestade que se formava nos olhos vermelhos do príncipe.

"Uma revolta visceral, fermentada por anos de rejeição, profecias sombrias e a traição cortante, ferveu dentro de Kael, impulsionando-o para um abismo de desespero. Suas mãos tremiam, não de medo, mas de uma energia selvagem que crepitava sob sua pele. A besta ansiava por liberdade, urrando silenciosamente em sua alma."

— Vocês querem ver a besta? — Sua voz saiu rouca, carregada de uma promessa sombria. — Eu vou mostrá-la a vocês…

Kael cerrou os olhos com força, buscando um último refúgio em suas memórias. "A voz de seu pai, Fergus, ecoou em sua mente como um espectro de um passado perdido. 'Kael, Kael… olhe para mim. Você precisa me prometer que nunca mais vai deixá-la sair! Kael? Jure!!' A súplica desesperada do rei ressoou em seu coração como um ultimato."

"Uma tristeza amarga toldou seus traços." — Desculpe, pai… mas parece que não receberei aquele tapinha nas costas. Afinal, não serei mais um bom garoto!

Kael abriu os olhos, e o vermelho neles faiscou, não como sangue, mas como fogo infernal. A adrenalina da batalha incendeu suas veias, e seus olhos brilharam em um rubro incandescente, brasas vivas dançando na escuridão. As unhas se curvaram e alongaram, transformando-se em garras de obsidiana afiadas, enquanto a pele se repuxava, dando lugar a uma pelagem ébano e densa, a própria noite materializada em pelos. Sua boca se escancarou em um rictus bestial, revelando caninos longos e serrilhados, sedentos por morder e lacerar. A metamorfose era completa. A fera lupina assumiu o controle!

"Ocultas nas sombras palpitantes, as bruxas remanescentes, petrificadas pelo terror da transformação, permaneciam em silêncio sepulcral, espiando o desenrolar da contenda com olhos arregalados."

— O filho da lua de sangue, a Besta de olhos vermelhos, estenderá suas garras afiadas ao Reino Invernal Isgard, que mergulhará em discórdia e caos, e depois sua sombra tomará o mundo. — A voz da líder cortou o silêncio, um misto de triunfo e malevolência gélida. — Contemplai, irmãs! Nesta noite fatídica, a Besta finalmente se revela em sua forma abjeta. Testemunhai com vossos próprios olhos! — Seu corpo envolto em vestes vermelhas parecia irradiar uma aura de poder sombrio, e seus semblantes, obscurecidos pelos capuzes profundos, estampavam uma mescla de apreensão fria e contentamento malévolo. Imóveis como esculturas de basalto, aguardavam o momento propício para agir, com a paciência ancestral de predadores milenares.

O silêncio espectral foi dilacerado por um rosnado gutural que cortou o ar da noite, um som bestial que ecoou pela floresta como o prenúncio da morte. O lobo, alheio às suas inimigas, avançou com ímpeto selvagem, a razão toldada pela fúria, seus olhos vermelhos fixos em Mouros, sua presa inexorável! A sombra lupina movia-se com uma velocidade e agilidade assombrosas, seus ataques precisos e fulminantes como um raio rasgando as trevas. "O mundo se reduziu a um turbilhão para Kael, seus olhos cor de sangue captando cada movimento de Mouros com uma nitidez aterradora. O tempo parecia desacelerar, concedendo-lhe a sinistra vantagem de antever cada investida."

O General, por sua vez, depositava sua fé inabalável na força bruta e em sua armadura, um baluarte de aço bruto que ele acreditava inexpugnável. Contudo, a muralha metálica já não ostentava a mesma invulnerabilidade. A cada choque entre as garras de Kael e a armadura, fagulhas incandescentes voavam como pirilampos assustados, e a couraça sofria danos crescentes. O clangor metálico reverberava pela clareira, saturando o ar com o odor acre de sangue e suor, uma fragrância nauseante que anunciava a carnificina. Mouros cerrou os dentes em um som estridente, a frustração e a raiva fervilhando em suas entranhas ao constatar que sua preciosa armadura sucumbia aos ataques da criatura que ele tanto desprezava. A armadura ébano do General, antes reluzente, agora estava empoeirada e marcada, como se a própria terra ansiasse por reclamá-la. Seus movimentos, outrora precisos, tornaram-se lentos e descoordenados, a respiração pesada e ofegante, os passos arrastados e hesitantes, denunciando o fardo exaustivo que carregava. "Kael podia sentir o calor emanando do corpo do traidor através da armadura, um calor que transcendia a fúria, exalando a exaustão de um corpo à beira do colapso."

— Eu vou escalpelar essa sua pele imunda e exibi-la como um troféu na minha fortaleza! — Ameaçou o General, sua voz entrecortada pela respiração ofegante ao baixar a guarda por uma fração de segundo, uma brevíssima negligência que se provaria fatal.

O lobo, impulsionado por um instinto predatório selvagem, lançou-se sobre ele em um bote fulminante, a ferocidade estampada em cada fibra de seu ser. Seus olhos brilhavam como chamas infernais, emanando a excitação da caçada, e suas garras afiadas como lâminas de aço estenderam-se, prontas para dilacerar a carne. Mouros arregalou os olhos, o terror gelando sua espinha ao vislumbrar o ataque iminente, mas sua reação tardia o condenou. O General ergueu o braço em um esforço desesperado para bloquear a investida. A parte reforçada da armadura foi esmagada como se fosse confeccionada em pergaminho, a placa de metal retorcendo-se sob a força avassaladora do golpe. Um grito lancinante de dor escapou dos lábios do bárbaro enquanto o sangue quente jorrava abundantemente dos ferimentos em seus braços, tingindo a armadura negra de um vermelho vivo e macabro.

Kael, em sua forma lupina, sentiu o sabor metálico e quente do sangue de Mouros inundar sua boca, uma degustação que incendiou sua fúria e aguçou sua excitação. Seus olhos brilhavam em um vermelho intenso, e seus dentes caninos cerraram-se em um rosnado ameaçador. Mouros, reunindo as derradeiras reservas de sua força, empurrou o lobo com dificuldade, afastando-o por um breve instante. O General, apesar dos ferimentos e da exaustão, lutava com uma tenacidade implacável, impulsionado pela raiva e pelo medo visceral da morte. Cambaleou em direção ao seu chicote de armas, empunhando-o novamente com fúria inextinguível. A corrente açoitou o ar como uma serpente furiosa, buscando atingir a pele do lobo. Kael, valendo-se de sua agilidade e velocidade sobre-humanas, desviava dos golpes com maestria, mas um deles o alcançou, os espinhos como lâminas afiadas rasgando sua pelagem densa e arrancando um grunhido de dor lancinante. O lobo cambaleou para trás, o sangue rubro escorrendo do ferimento, manchando sua pelagem negra como um manto carmesim. Mas sua fúria apenas se intensificava, nutrida pela dor e pela humilhação.

— Irmãs, unamos nossas vozes em um canto ancestral e invoquemos novamente nossa Deusa Mãe! Vamos auxiliar nosso Guerreiro Negro neste momento crucial e esmagar a Besta de olhos vermelhos para sempre! — A bruxa líder, aproveitando a momentânea desatenção dos guerreiros, retomou o feitiço com fervor renovado, suas vozes unindo-se em um coro hipnótico que reverberava pela floresta. A magia crescia como uma maré furiosa, sua energia pulsando no ar, e o céu noturno tingia-se de um roxo profundo e ameaçador. Um vento gélido açoitou o local, levantando poeira e folhas secas em um vórtice espectral. O céu bramiu em fúria, raios luminosos rasgando a escuridão da noite, iluminando as nuvens densas que se aglomeravam sobre a floresta. Seus trovões ecoaram pela mata como o rugido de um deus irado. Então a chuva desabou, uma torrente brutal que castigou o solo com gotas pesadas e geladas como projéteis de aço. A floresta curvou-se sob a força da tempestade, as árvores balançando freneticamente como em uma dança macabra.

A batalha entre os guerreiros foi interrompida pela fúria da natureza, que reassumiu o controle do local, expondo a insignificância dos mortais perante o poder da magia e da tempestade. O lobo cambaleou, seus movimentos tornando-se lentos e descoordenados sob a influência do cântico e da tempestade. Num piscar de olhos, Mouros o atingiu com um golpe brutal e traiçoeiro de seu chicote de armas. O impacto foi devastador, o choque reverberou pela floresta como um trovão retumbante, e Kael foi arremessado no ar como se fosse um boneco de palha. Ele caiu com violência no centro do círculo mágico, o corpo chocando-se com estrondo contra o chão úmido e lodoso. Sua mandíbula foi deslocada pelo golpe cruel, e um grito agônico de dor escapou de seus lábios. O lobo desapareceu, e Kael retornou à sua forma humana, o corpo crivado de ferimentos, o rosto marcado pela exaustão e pela dor lancinante. Ele tentou inutilmente se levantar, mas suas pernas não obedeceram aos seus comandos. Sacudiu a cabeça, buscando em vão dissipar a tontura que o dominava.

— É o fim da linha para você, lobinho! — Disse o General negro, a voz impregnada de triunfo e escárnio, ecoando pela clareira como um prenúncio sombrio.

Mouros se aproximou do corpo frágil e vulnerável de Kael, que gemia de dor no chão encharcado. Com um sorriso cruel e vitorioso, ele alcançou o colar que Kael sempre carregava, a Pedra da Lua fria e leitosa. Arrancou-o do pescoço do príncipe bastardo, a corrente de metal rompendo-se sob seus dedos brutos. No instante em que o colar deixou o contato com a pele de Kael, uma dor lancinante e inexplicável o atingiu como um raio. Não era apenas a dor dos ferimentos ou da exaustão, mas uma agonia profunda que parecia queimar seus ossos e dilacerar sua mente. Kael gritou, contorcendo-se no chão como se estivesse sendo consumido por chamas invisíveis. A proximidade da Pedra da Lua com seres lupinos era letal.

Com o troféu em mãos, Mouros se virou para a figura encapuzada de vermelho, sua silhueta triunfante sob a chuva torrencial. Ele estendeu o colar, a Pedra da Lua brilhando palidamente em sua palma. A líder da seita sorriu, um contentamento gélido iluminando brevemente seus traços sombreados enquanto pegava o colar. Seus dedos finos e pálidos envolveram a pedra leitosa com possessividade.

— Excelente trabalho, Mouros. — Sua voz ecoou, carregada de satisfação. Seus olhos, por um instante, brilharam com um triunfo sombrio enquanto contemplava o artefato ancestral. O plano estava se concretizando. A Besta estava subjugada, a dor da Pedra da Lua agora o consumindo, e o colar, agora em suas mãos, selava o destino de Kael e, talvez, de todo Isgard.