Tp-2
Caros leitores assim começou a jornada dos nossos personagens amados
A primeira noite juntos foi silenciosa.
Não por falta de assunto, mas pelo peso do que haviam descoberto — e de quem agora os acompanhava. Nyra caminhava à frente, seus pés quase não tocavam o chão coberto de folhas úmidas. Erit seguia logo atrás, atenta a cada som, como se esperasse que a floresta resolvesse engoli-los a qualquer momento. Erian andava ao centro, com os olhos baixos e as mãos fechadas, como se ainda sentisse o eco da magia que libertara Nyra. E Théo... bom, Théo tentava, de todas as formas possíveis, quebrar o gelo.
— "Então... ninguém vai comentar sobre a garota que sai da água sem respirar e lê mentes?" — disse ele, tentando parecer casual, mas claramente aterrorizado. — "Tipo, isso não é estranho pra vocês?"
— "Ela é feérica," respondeu Erit, com voz baixa. — "Eles são mais antigos que o próprio tempo. Sorte nossa que ela escolheu não nos matar."
— "É, super sorte," murmurou Théo. — "Eu sempre sonhei em ter uma amiga que pode me fritar com o olhar."
Nyra não respondeu. Apenas virou brevemente o rosto e lançou um olhar direto a ele. Um sorriso sutil — quase imperceptível — dançou no canto de sua boca. E Théo empalideceu na hora.
A floresta os cercava por todos os lados, densa e viva. O caminho era estreito, e a trilha, antiga. Não era algo que humanos costumavam usar. Mas Erian sentia que estavam no rumo certo. A cada passo, o ar parecia mais carregado, mais vibrante. A pedra de Sareth, adormecida sob sua pele, pulsava de leve — como um sussurro insistente, como se estivesse acordando aos poucos.
— "A gente vai pra onde, exatamente?" — perguntou Théo, olhando ao redor como quem espera que uma criatura pule de trás de uma árvore.
— "Pra longe," respondeu Erian. — "Pelo menos por enquanto."
— "Ótimo. Amo lugares vagos e perigosos. São os melhores pra morrer sem nome."
Erit soltou um leve riso, o primeiro em muito tempo. Era áspero, mas verdadeiro. Aquela era sua nova família, mesmo que ninguém tivesse dito isso em voz alta ainda. E naquela noite, ao montarem acampamento sob um céu sem estrelas, algo invisível se formava entre eles. Não era confiança plena. Ainda não. Mas era o início dela.
E quando todos já dormiam, exceto Nyra, que vigiava em silêncio, Erian olhou para o céu escuro e sussurrou para si mesmo:
— "Seja o que for que nos espera… estamos prontos."
Ou pelo menos, era o que ele queria acreditar.
Laços e Segredos
A manhã chegou cinzenta e úmida.
As árvores deixavam cair gotas preguiçosas das folhas mais altas, e o chão já começava a ceder sob os passos do grupo. Mas havia algo diferente no ar — mais leve. Talvez fosse o silêncio de Théo, ainda emburrado por ter derrapado no barro logo ao acordar, ou talvez fosse o fato de, pela primeira vez, estarem juntos sem a pressão imediata do perigo.
— "Se seguirmos ao sul, alcançamos os campos de Mirendal antes do anoitecer," disse Erit, enquanto traçava um mapa com o dedo sobre a terra molhada. — "É território neutro, mas dizem que tem espiões por lá."
— "Perfeito. Amo ser espiado. Me faz sentir importante," comentou Théo, já limpando a lama da capa pela quinta vez.
Erian apenas assentiu. Estava estranho desde a noite anterior. Erit percebeu, mas decidiu não pressionar — ainda. Já Nyra... apenas observava. Sempre observava. Parecia carregar as palavras nos olhos em vez da boca.
Enquanto seguiam pela trilha mais aberta, Nyra emparelhou com Erian. Ele fingiu não notar de início, mas não adiantou. Sentia sua presença como se uma sombra caminhasse ao lado dele — silenciosa, porém intensa.
— "Você sonhou de novo," disse ela de repente.
Erian parou. Os outros seguiram por alguns passos antes de perceberem.
— "Como... você sabe?" — ele perguntou, sem encará-la.
— "Seus pensamentos não são tão bem trancados quanto você acredita," respondeu ela, suave, mas firme. — "A pedra está falando com você, não está?"
Erian hesitou. Depois assentiu, devagar.
— "Ela me mostra coisas. Memórias que não são minhas. Ou talvez... sejam. Mas não entendo. É como se algo estivesse tentando me guiar. Ou me avisar."
— "A pedra responde ao sangue. Mas o sangue responde ao coração. Cuide bem do seu," disse ela. E então seguiu adiante, como se nada tivesse dito.
Erian ficou parado por alguns segundos. Erit o observava de longe, com uma sobrancelha arqueada, mas não interveio. Já Théo, que havia voltado apenas para ver por que todos tinham parado, chegou no momento exato para comentar:
— "Espero que ela não leia pensamentos... constrangedores."
— "Ela lê," respondeu Erit, com um sorrisinho.
Théo arregalou os olhos.
— "Então tô perdido."
E o grupo caiu na risada — até Nyra, que escondeu o sorriso com um movimento leve da cabeça.
Naquele dia, algo mudou entre eles. O silêncio já não era tão desconfortável. As conversas já não precisavam de justificativas. A floresta os seguia com olhos invisíveis, mas o grupo, pela primeira vez, caminhava como um só.
Ainda havia segredos. Muitos. Mas também havia algo nascendo ali.
Algo que, em breve, seria colocado à prova.
Sinais na Névoa
O céu escureceu mais cedo do que o esperado.
Uma névoa espessa surgiu no horizonte, rastejando como dedos de fumaça pelas encostas da floresta. Os animais de carga começaram a se inquietar, relinchando baixo, as orelhas em alerta. Mesmo os pássaros pareciam ter desaparecido.
Erit ergueu o punho, sinal para que todos parassem.
— "Isso não é névoa comum," murmurou. — "Tem cheiro de magia."
Théo olhou em volta, engolindo seco.
— "Magia do tipo 'vai dar ruim' ou 'talvez a gente volte com vida'?"
— "Do tipo que silencia tudo," respondeu Nyra, os olhos fixos no vazio adiante.
Erian sentia o calor se acumulando em seu peito, como se algo dentro dele pressentisse perigo. Não era medo — era um chamado. A pedra em sua bolsa começou a vibrar, quase imperceptível.
— "Vamos montar acampamento aqui," disse ele, decidido. — "Não quero atravessar isso no escuro."
O grupo assentiu, silencioso. Mesmo Théo não protestou.
Em pouco tempo, ergueram as tendas improvisadas, mas ninguém se afastou muito do círculo de proteção que Erit traçou no chão com sal e cinzas — um antigo ritual élfico para afastar sombras.
— "Você já viu algo assim antes?" — Erian perguntou, sentando-se ao lado de Erit, enquanto o fogo estalava entre eles.
Ela balançou a cabeça.
— "Não tão perto. Mas ouvi histórias. Névoa viva. Criaturas que se movem dentro dela. Algumas caçam. Outras... sussurram."
Do outro lado da fogueira, Nyra abriu os olhos.
— "A névoa tem vozes hoje."
— "Você tá brincando, né?" — disse Théo, tenso, apertando uma pedra entre os dedos como se fosse um amuleto de proteção. — "Por favor, diz que tá brincando."
— "Não," ela respondeu, séria. — "Mas não são para nós. Ainda não."
Erian fechou os olhos por um instante, tentando focar. As runas da pedra de Sareth ardiam contra sua pele. Algo estava se aproximando. Algo antigo. E a cada noite, os sussurros aumentavam.
Ele sabia que em breve teria que contar tudo. Os sonhos. As visões. As mensagens que a pedra trazia. Mas não ali. Não naquela noite.
Por enquanto, precisavam apenas sobreviver a ela.
O fogo crepitou mais alto, lançando sombras dançantes nas árvores. Erit permaneceu de guarda, Nyra se afastou para sentar-se de costas para uma pedra, os olhos abertos como sentinela.
Théo se encolheu no canto mais iluminado, cochichando um pedido de proteção a qualquer entidade bondosa que estivesse ouvindo.
E Erian… encarou a escuridão.
A pedra pulsava.
O destino se aproximava.