o fogo

A elfa continuava parada à beira da clareira, os olhos prateados fixos nele.

— "Você não sabe o que carrega, Erian. A pedra te acordou... mas o que está dentro de você... sempre esteve ali. Dormindo. Escondido."

O príncipe respirava com dificuldade. O ar parecia mais denso, mais quente. A pedra queimava no bolso como se tentasse atravessar o tecido. Sua pele formigava. O coração batia forte demais.

— "Eu não quero me transformar", disse, quase implorando.

— "Não é uma escolha."

A dor veio como um trovão por dentro. O mundo girou. Erian caiu de joelhos, as mãos cravadas na terra úmida. Sentiu os ossos estalarem. A pele tremer. As veias brilharem em vermelho profundo.

A mulher deu um passo atrás, solene.

O grito que saiu da garganta dele não era humano.

As costas de Erian se curvaram como se o próprio corpo estivesse tentando se libertar de algo — e estava. A primeira coisa a surgir foram as asas. Longas, negras com nuances douradas, rasgando a capa e as roupas como se fossem papel. Seguiram-se os braços, que se alongaram, cobertos por escamas brilhantes como obsidiana. As unhas se tornaram garras. Os olhos, chamas líquidas.

Em menos de um minuto, onde antes havia um jovem príncipe, agora estava uma criatura magnífica — e aterradora.

Seis metros de altura, corpo alongado, escamas negras que refletiam a luz da lua com um brilho quase metálico. As asas pareciam feitas de sombra e fogo, e o pescoço, arqueado com elegância feroz, terminava em uma cabeça de traços quase felinos, com chifres que se curvavam para trás como lâminas.

Os olhos... eram os mesmos. Olhos humanos presos em um rosto ancestral.

Ele rugiu, e as árvores ao redor se curvaram como se reverenciassem uma força antiga.

Mas mesmo naquele estado... havia medo. Erian lutava contra si mesmo por dentro, tentando não perder a consciência, tentando não machucar a mulher à sua frente.

Ela não se moveu.

— "Magnífico", sussurrou.

O dragão respirava fundo, soltando pequenas labaredas pelas narinas. A floresta parecia prender o fôlego. Pássaros noturnos silenciaram. O próprio vento hesitava.

Então... ele deu um passo para trás. Outro. E caiu de joelhos outra vez — mas agora, joelhos de um humano.

A transformação regrediu com violência. O corpo tremeu, as asas desapareceram num redemoinho de brasas. As escamas cederam lugar à pele. A respiração de Erian era entrecortada, e suor cobria sua testa.

— "Isso... isso é o que eu sou?"

— "Não", respondeu a elfa. "Isso é parte de quem você é. A pergunta é... o que vai fazer com isso?"

Erian encarou o chão.

Ele ainda tremia.

Mas, pela primeira vez, sentia que o medo não era maior que o fogo.

O silêncio caiu entre os dois como um véu espesso. As folhas da clareira voltaram a se mover, mas com delicadeza, como se a própria floresta ainda estivesse sob efeito do que presenciara.

Erian levou a mão ao peito, onde o calor da pedra parecia agora se mesclar ao de seu próprio sangue. Não havia mais distinção.

— "Você sabia que isso aconteceria", murmurou, sem levantar os olhos.

A elfa não respondeu de imediato. Seus cabelos prateados balançavam levemente com a brisa, e seu semblante, embora calmo, carregava uma tristeza antiga.

— "Eu sabia que você estava perto do limite. Mas não esperava que fosse tão... belo."

Ele soltou um riso rouco, quase sem humor.

— "Belo? Eu quase me perdi. Podia ter destruído tudo ao meu redor."

— "Mas não destruiu." Ela se aproximou, passos leves como sombra sobre relva. Ajoelhou-se diante dele. "Você sentiu o poder, Erian. Sentiu o fogo... e escolheu voltar. Sabe quantos seriam capazes disso?"

Ele enfim ergueu os olhos para ela.

— "Quem é você?"

Ela hesitou, apenas por um momento.

— "Meu nome é Elowyn. Sou filha de Lysel, da linhagem dos Vigias do Primeiro Fogo. Guardiã do Véu. E... velha demais pra ainda estar aqui."

— "Vigias do Primeiro Fogo?"

— "Somos os que lembram. Os que viram quando dragões e homens caminhavam juntos — antes da traição, antes do medo."

O coração de Erian apertou. As lendas que ouvira na infância pareciam agora parte da realidade que carregava no peito.

— "Você sabe o que eu sou... e por que a pedra me escolheu."

Ela assentiu.

— "E sei que não é por acaso que você está aqui. Seu sangue é raro. Seu destino, mais ainda."

— "Destino?", ele repetiu, amargo. "Tudo o que eu queria era fugir."

— "Ninguém foge do que nasceu para acender o mundo."

Por um instante, apenas os sons da floresta preenchem o espaço entre eles. Erian sentia que uma porta havia sido aberta — e que atravessá-la significaria nunca mais voltar.

— "Então me diga", ele sussurrou, quase vencido, "por onde eu começo?"

Elowyn tocou de leve sua testa, e a pedra no bolso aqueceu como uma resposta.

— "Pelo fogo. Sempre pelo fogo."