O salão menor do castelo era um relicário de tempos esquecidos. Tapeçarias antigas balançavam suavemente nas correntes de ar, como se sussurrassem memórias. A lareira crepitava, lançando sombras dançantes nas paredes de pedra. Erian estava ali, entre os pais, com os amigos ao seu redor — Erit, firme como sempre, Nyra envolta em silêncio atento, e Théo... tentando parecer menos nervoso do que estava.
— A Pedra de Sareth... — murmurou o rei, os dedos tamborilando contra o braço do trono. — Sempre achamos que fosse apenas uma lenda. Um símbolo. Não um chamado real.
Erian apertou os punhos sobre os joelhos. — Eu a ouvi. A senti. Não foi uma visão. Foi real. E ela... respondeu a mim.
A rainha o observava como se pudesse enxergar dentro da alma do filho.
— Se isso for verdade, então o tempo está se movendo mais rápido do que esperávamos.
— É por isso que queremos ir atrás dela, — disse Erit, com a voz firme. — Antes que o inimigo a encontre primeiro.
Théo, sentado na beirada de uma cadeira muito elegante pra sua coragem, tossiu baixinho.
— Eu ainda acho que poderíamos mandar uma carta. Bem escrita. Ou um pombo mágico. Só... jogando ideias.
Nyra lançou um olhar sutil, e Théo murchou com um suspiro resignado.
— Tudo bem, tudo bem. Sem pombos. Vamos nos jogar na jornada épica, então.
O rei sorriu de canto, um pouco mais aliviado.
— Corajoso, apesar do medo. Isso é mais raro do que força bruta.
Ele se levantou, caminhando até um painel entalhado com símbolos antigos. Com um leve estalo, revelou um compartimento secreto, de onde retirou um pergaminho antigo, selado com cera dourada.
— Este é o Mapa de El'Thalan. Dizem que ele foi criado pelos Guardiões da Primeira Era, que protegeram a Pedra de Sareth nas sombras da história. Ele é... incompleto. Mas é o que temos.
Ele entregou o mapa a Erian. Ao tocá-lo, uma leve pulsação correu sob seus dedos — não física, mas mágica. Como se o mapa também o reconhecesse.
— Se a Pedra te escolheu, ela vai te guiar. — disse a rainha, sua voz baixa, mas firme.
Nyra finalmente falou, suas palavras suaves como um sussurro entre folhas:
— Há algo escuro se movendo. Desde que ouvimos o chamado, as sombras ficaram inquietas. Elas sabem que estamos nos mexendo.
Erit cruzou os braços, olhando para a lareira. — Então que venham. Se quiserem atravessar fogo... vão se queimar.
Théo engoliu em seco, tentando manter a compostura.
— Eu só queria deixar registrado que ainda acho essa ideia toda perigosa demais. Mas já que ninguém me ouve mesmo... vamos salvar o reino, né?
Erian sorriu, seu olhar firme no mapa.
— Vamos começar.
Depois da reunião com o rei e a rainha eles formam se preparando para jornada
Ecos Antes da Jornada
Erit estava sentada em cima de uma rocha, sob a luz dourada do entardecer, na clareira do clã élfico. Sua mãe, a matriarca das Chamas Vivas, mantinha os braços cruzados, os olhos flamejantes fixos na filha.
— Você vai seguir o herdeiro humano em busca de uma lenda?
— Não por ele, — respondeu Erit. — Mas pelo que ele representa. Ele não é só meio dragão. Ele é alguém que carrega o peso do que pode mudar tudo. E eu escolho estar lá.
A mãe a olhou em silêncio por um momento. Então entregou-lhe uma adaga com runas vermelhas.
— Então que as chamas caminhem contigo.
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Théo teve mais dificuldade. Seus pais não eram reis, nem elfos. Eram padeiros. Pessoas simples, com corações imensos e pães melhores ainda. Ele falava no meio da sala, nervoso, enquanto a mãe secava as mãos no avental.
— Então... é tipo uma missão. Com perigos. Muitos perigos. Possivelmente mortais. Mas eu tenho um mapa! Bom, o Erian tem. Mas eu vou ajudar!
O pai levantou uma sobrancelha, olhando a mãe de Théo, que só suspirou.
— Leva o cobertor de lã, — disse ela. — E não esquece de comer, mesmo se estiver com medo. O estômago vazio não ajuda ninguém a ser herói.
Théo sorriu, um pouco mais confiante. Talvez coragem fosse mesmo isso — sair tremendo, mas sair mesmo assim.
Nyra
Enquanto os outros se despediam de pessoas, Nyra se despedia do silêncio.
A noite se estendia sobre a floresta como um manto de veludo. As folhas brilhavam sob a luz prateada da lua, e o altar antigo onde ela havia sido libertada permanecia ali, como uma cicatriz sagrada cravada no coração da terra. Musgos cobriam as pedras, mas o círculo ainda pulsava com uma magia que não esquecia.
Nyra caminhava devagar, quase sem tocar o chão. Suas passadas eram suaves, mas o ar parecia se curvar em volta dela, como se a natureza a reconhecesse. A cada passo, as sombras dançavam um pouco mais, como se estivessem se despedindo de uma parte de si.
Ela parou diante da árvore morta onde estivera presa por tanto tempo. Tocou o tronco com os dedos pálidos, e o contato gerou um som sutil — como o eco de um suspiro entre galhos.
— Eu deveria odiar este lugar... — murmurou, olhando ao redor. — Mas é aqui que fui esquecida. E foi aqui que fui lembrada.
Suas palavras sumiram entre os arbustos, mas a floresta escutava. Sempre escutava.
Então ela fechou os olhos. Sussurrou em feérico, a língua antiga dos encantos e promessas. As palavras não eram longas, mas vibravam com uma melodia ancestral. Eram palavras de libertação. De recomeço. De juramento.
As sombras ao redor estremeceram. Não fugiram. Mas se curvaram, como súditos silenciosos prestando reverência.
Nyra ergueu a cabeça. O vento soprou, leve e quente, trazendo o perfume das flores que só desabrochavam à noite — flores que ela nunca viu, mesmo vivendo tanto tempo ali. Era como se o mundo estivesse mostrando a ela o que sempre esteve escondido.
— Vou com eles, — disse, agora em voz firme. — Por mim. Por vocês. Pelo que ainda pode ser salvo.
Ela virou-se devagar, deixando o altar para trás. Mas uma das sombras — uma pequena, fina como uma serpente — se desprendeu do círculo e deslizou atrás dela, pousando em sua sombra como se quisesse acompanhá-la.
Nyra não se virou. Apenas sorriu.
— Então venha, velha amiga.
A brisa soprou mais uma vez. E naquela noite, por um instante, até o céu pareceu respirar diferente.
Ela partiu antes do amanhecer, sem olhar para trás. Porque algumas despedidas não precisam ser ditas. Elas apenas... ecoam.