a trilha

O sol ainda estava dormindo quando os portões de Eldalyn se abriram. O céu era uma tapeçaria cinza-azulada, pontilhada pelas últimas estrelas. O ar da manhã era frio o suficiente para arrepiar a pele, mas quente o bastante para prometer um novo começo.

Erian foi o primeiro a chegar. Vestia um manto escuro com o brasão do reino escondido sob camadas de pano. Ashira enrolava-se ao seu redor como um rastro de fumaça viva, os olhos âmbar atentos a cada som. Erit apareceu logo depois, com os cabelos presos em uma trança e a armadura leve reluzindo discretamente à luz do amanhecer.

— Acordado antes do sol? Estou impressionada, Alteza.

— Não dormi, — ele respondeu. — Nem sei se consigo.

Ela se aproximou e deu um leve soco no ombro dele.

— Então vai aprendendo. A estrada não espera ninguém.

Théo chegou trotando logo em seguida, ofegante, carregando duas mochilas e uma expressão de desespero.

— Eu tô aqui! Eu tô... ufa... vivo. Quase.

— Só quase? — Erit riu.

— Muito engraçada, Senhora das Brasas. Leva isso aqui, por favor? Meu ombro tá pedindo socorro.

— É a sua consciência que tá pesada, Théo.

Nyra apareceu como uma sombra entre as árvores, montada sobre Umbra, que se moldava ao seu redor como uma criatura feita de bruma sólida. Ela não disse nada. Apenas fez um gesto com a cabeça, e Erian entendeu. Era hora.

O rei e a rainha estavam nos portões, acompanhados de conselheiros e guardas. O olhar do rei estava firme, mas os olhos da rainha tremiam com orgulho e temor.

— Você é meu filho, mas agora também é um viajante de Eldalyn, — disse o rei. — Leve o nome do nosso povo com honra. Mas mais que isso: volte com vida.

A rainha o abraçou como quem nunca mais vai soltar.

— Não esqueça quem você é, — ela sussurrou. — Nem por um segundo.

Cada um dos amigos recebeu palavras, amuletos e promessas de retorno de seus tutores. Erit trocou um aperto de mão forte com o general élfico que a treinara. Théo abraçou sua avó como se fosse cair aos pedaços. Nyra, silenciosa, apenas encostou a testa contra a da mulher que a acolhera nas sombras e partiu sem dizer uma palavra.

Então, montados, os quatro partiram.

O caminho os levou por colinas onduladas, bosques murmurantes e vales que pareciam respirar com a magia antiga do mundo. A cada passo, a trilha desaparecia atrás deles, como se o próprio destino quisesse que não houvesse volta.

Horas depois, ao se abrigarem para a noite sob um carvalho gigante, Théo olhou em volta e murmurou:

— Ok. Estamos vivos. Isso já é um bom começo.

Erian sorriu.

— Um ótimo começo. Mas o melhor — ou o pior — ainda está por vir.

Ecos da Estrada

O vento balançava suavemente os galhos do carvalho onde acamparam, fazendo as folhas sussurrarem histórias antigas. O sol já havia se escondido atrás das colinas, deixando um rastro dourado no céu enquanto as estrelas surgiam uma a uma, como promessas silenciosas.

Nyra se afastou um pouco do acampamento. Sentou-se sobre uma pedra coberta de musgo, com Umbra enrolado em silêncio ao seu redor. Seus olhos violetas se voltaram para o céu.

— Há quanto tempo não via as estrelas sem uma prisão entre elas e meus olhos? — sussurrou para ninguém em especial.

Umbra estremeceu levemente, como se escutasse e compreendesse. Nyra fechou os olhos por um momento, sentindo a terra sob os pés e a liberdade como uma brisa ainda estranha, mas doce.

Perto da fogueira, Erit afiava a lâmina enquanto Erian observava o mapa. A pedra de Sareth, presa em seu pescoço, pulsava com uma luz baixa, quase imperceptível.

— Estamos no caminho certo? — perguntou Erit sem desviar os olhos da lâmina.

— O mapa está incompleto... mas a pedra pulsa quando nos aproximamos dos lugares certos. É como se... sentisse o rumo — respondeu ele, a voz carregada de algo entre confiança e receio.

Théo terminava de amarrar sua rede entre dois galhos. Não era uma rede muito boa. Nem os galhos eram ideais. Mas era o melhor que conseguira.

— Alguém quer biscoitos de limão? Trouxe de casa. Minha avó disse que são mágicos.

Erit arqueou uma sobrancelha.

— Mágicos?

— Sim. Segundo ela, eles "curam a tristeza e alimentam a coragem". Pode ser mentira, mas... são bem gostosos.

Erian pegou um e deu uma mordida. Sorriu com surpresa.

— Acho que sua avó sabe das coisas.

Théo encolheu os ombros, orgulhoso.

— Sempre disse que ela devia ser conselheira real, mas ela prefere cuidar do jardim e mandar em mim.

O riso dos três encheu a noite. Um som leve, breve, mas verdadeiro. Nyra, ainda à parte, sorriu sem mostrar os dentes. Ela não ria fazia muito tempo — mas aquele som despertava algo adormecido em seu peito.

Erian se virou para ela.

— Vai ficar aí a noite toda?

Ela o encarou por um momento, então se levantou e caminhou em silêncio até a fogueira. Sentou-se ao lado de Erit, que só fez um aceno respeitoso. Théo lhe ofereceu um biscoito. Ela pegou. Não agradeceu, mas também não recusou.

— Primeira noite juntos. Primeira fogueira. — disse Erian, olhando para todos. — Temos um longo caminho. E pode ser que, em breve, não tenhamos tempo para isso.

Erit olhou as chamas.

— Então que essa noite fique marcada. Como o ponto em que tudo começou de verdade.

Théo ergue o biscoito.

— Um brinde aos biscoitos da vovó e ao fim do mundo que vamos impedir.

Todos riram. Até Nyra soltou um som curto, suave, como uma nota distante em uma canção antiga.

A fogueira continuou a arder, iluminando os rostos jovens de quem ousava carregar nas costas o fardo de uma lenda. E enquanto as sombras dançavam ao redor, as estrelas lá em cima pareciam vigiar de perto, como se também quisessem ver o que viria a seguir.

Com isso eles começam sua jornada com tudo